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Aramis

Os 90 anos de dona Pompília, a mestre de várias gerações

Comemorar 90 anos já é um fato pouco comum ao ser humano. Mas ter a benção de se tornar nonagenária com a maior lucidez, boa saúde, cercada de descendentes, estimadíssima pela comunidade e, olhando ao passado, poder recordar desde a primeira infância, é uma graça que Deus só concede a seres iluminados e privilegiados. A professora Pompília Lopes dos Santos é um deles. Na próxima terça-feira, estará comemorando seus 90 anos. Mais do que uma efeméride familiar, um evento para se lembrar de uma das mais admiráveis mulheres-símbolos desta Curitiba que há muito se modificou, no qual o anonimato da multidão solitária acima do milhão de habitantes fez com que se esquecessem - e mesmo marginalizassem - pessoas admiráveis que, por tantas décadas, deram sua contribuição a cidade - e ao Paraná. Bastaria falar dos 33 anos de magistério da professora Pompília em várias cidades, mestre de muitas gerações e que por suas aulas de língua e literatura francesa, passaram dezenas - pode-se mesmo dizer, uma centena - de jovens que se projetariam em vários setores. Mas dona Pompília é também a poeta, a escritora, a líder feminina que - quando não se falava em feminismo, na segunda década deste século - aos 14 anos, já organizava instituições culturais - como o Clube Mozart ou o Grêmio das Normalistas, da antiga Escola Normal pela qual se formaria em 1918. Na terça-feira, a comemoração familiar, ao lado de suas quatro filhas - Liadar, Liamir, Liasli, Ligia e o filho Dario, que lhe deram 14 netos e 14 bisnetos. Na tarde de 14 de agosto, no Centro de Letras do Paraná, uma homenagem pública, reunindo por certo, um exemplo de pessoas de uma formação cultural e pessoal que, infelizmente, em nossos dias, se constitui matéria rara. Diariamente, nestes últimos meses, por insistência de familiares e amigos, dona Pompília tem dedicado algumas horas a ordenar suas memórias. Em sua letra de normalista, com detalhes impressionantes, vem descrevendo sua vida desde o dia em que nasceu, filha do casal Laurindo de Oliveira Lopes e Salomé Swain Lopes, na rua XV de Novembro, numa casa onde era a loja de seu pai: - "Eu era a primeira criança de uma prole de sete filhos. Havia saúde e equilíbrio financeiro em nossa família. E, o que era muito importante: amor, compreensão, tolerância, respeito mútuo". Amor. Eis a palavra que parece identificar a vida de dona Pompília. Uma primeira leitura nos três primeiros capítulos de suas memórias, carinhosamente datilografadas por suas filhas Liamir e Ligia, mostra aquela pessoa que chega aos 90 anos, olha o passado e vê, com sapiência, o que houve de bom, os amigos, a família, a cidade e o mundo - cujas transformações soube entender e aceitar. Cristalinas palavras que dona Pompília, com seu estilo tão pessoal, que anteriormente já havia mostrado em seus 8 livros publicados a partir de 1949 (o romance "Afinidades") - marcaram este seu exercício memorialístico, no qual, como um roteiro a espera de um cineasta, de fina sensibilidade, traça as imagens desde seus dias de infância e os anos de adolescência - quando, ao lado das amiguinhas, divertia-se na tranqüila rua Dr. Murici, sobre os paralelepípedos que começavam a serem colocados naquela via - até os dias de hoje, numa reflexão sobre este fim de século de tantas transformações. Uma vida de amor em 61 anos de um dos mais felizes casamentos com o também professor e poeta Dario Nogueira dos Santos (Palmeira, 21/1899 - Curitiba, 26/10/1981) [?], que acompanhou em todos os dias - das dificuldades entre 1927/1928, quando o casal viveu em São Paulo, e, posteriormente, Porto Alegre e Rio Pardo, no Rio Grande do Sul, depois por 17 anos em Paranaguá, como mestre do então Ginásio José Bonifácio, antes de retornarem, definitivamente, a Curitiba, em 1944. Sem pretender, na humildade que sempre caracterizou suas reflexões e mesmo livros, dona Pompília, ao escrever suas memórias, dá uma contribuição a bibliografia do Paraná. Partindo do pessoal, de seu mundo, de seu universo familiar, mas falando das muitas instituições as quais sempre pertenceu (presidindo muitas delas) - desde seus dias de estudante, quando como discípula de Dario Velloso no Instituto Neo-Pitagórico, recebeu o pseudônimo de "Pelínia" - a musa da eloquência - enquanto Dario, com quem viria a se casar, a 1º de janeiro de 1919, adotava o pseudônimo de "Apolônio de Tiana". Após o romance "Afinidades", dona Pompília publicaria "A Fila Triste" (1956) - abordando o problemas das presidiárias; "Origens" (1961, romance histórico); "Caminhadas" (um primeiro volume de memórias, com o subtítulo "Da Universidade a Itaipu - 1912/1974"); "Abismo" (1985); "A Paz, Sim! - Guerra Não!" (conferência originalmente escrita em 1942, quando o Brasil se preparava para entrar na II Guerra Mundial) e "Trilha Especial" (1987, conceitos). Em seu bem organizado arquivo, dona Pompília guarda 14 produções inéditas, entre os quais o romance "Dona Nene", um perfil do jornalista Ali Bark e a importância do modernismo, Machado de Assis, Andrade Murici, crônicas, etc. Enfim, uma educadora que ao lado de esposa, mãe, dona de casa, ativa participante de tantos movimentos e instituições, chega aos 90 anos, na maior lucidez e contemplando toda uma vida da maior dignidade pessoal e cultural, merece que, antecipadamente, neste domingo, nos levantemos e a abracemos, desejando que chegue ao seu centenário com a mesma luminosidade que teve até hoje. LEGENDA FOTO 1 - Retrato de Pompília quando jovem: valsas, poemas e votos em concursos de beleza de seus admiradores. LEGENDA FOTO 2 - Dona Pompília e as filhas Liadar, Liamir, Liasli e Ligia, em foto de 1951.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
2
05/08/1990

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