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Arrigo ressuscita Welles no FestRio

RIO - Orson Welles, falecido há 45 dias, aos 70 anos de idade, não poderia merecer homenagem maior no II FestRio do que a exibição Hours Concours de "Nem tudo é verdade", o surpreendente, belo e emocionante filme de Rogério Sganzerla. Concluído há poucas semanas, esse filme-homenagem está entre as mais significativas realizações do cinema brasileiro. Previsto, inicialmente, para lançamento no obscuro e mal promovido Festival de Fortaleza, o filme acabou não ficando pronto a tempo daquela mostra. Em compensação, dentro de duas semanas, estará concorrendo no festival de cinema de Araxá, Minas Gerais, em sua segunda edição, com grandes chances de premiação. Misturando ficção e realidade, "Nem tudo é Verdade" é um painel do Brasil dos anos 40 e a propósito da passagem de Welles, então com 27 anos, pelo Rio de Janeiro, Salvador e Fortaleza, para aqui realizar o episódio de "All That's True". Seqüências de cine-jornais da época - que documentaram a presença de Welles no Rio de Janeiro, somam-se a muitas imagens extraídas dos clássicos "Cidadão Kane" (inclusive toda seqüência final) e "A marca da maldade" (Touch of evil, 1957), com Welles já gordo e envelhecido. Sganzerla, 44 anos, catarinense de Blumenau, famoso por filmes "malditos" em termos de público (a partir de seu ainda vigoroso "O Bandido da Luz Vermelha"), dosou a carga de invenção cinematográfica com informações (inclusive muitas imagens de jornais da época), sobre o que significou a passagem de Welles pelo Brasil e o "folclore" que cerca este período. O jornalista curitibano Marcel Leite (1917-1963) teve o privilégio de, na época (1942) ter convivido com Welles no Rio, tornando-se seu amigo, acompanhando-o em históricas bebedeiras. Inúmeras vezes, Marcel - que tanto marcou a imprensa curitibana - recordava episódios da visita de Welles, sua paixão pelas multas, sua resistência alcoólica e inclusive, a fúria que foi tomado ao ter o projeto cinematográfico suspenso pela RKO, que o levou a destruir o apartamento que ocupava no Copacabana Palace (prejuízo de US$ 1 mil), que constitui uma das seqüências recriadas por Rogério Sganzela. Ao escolher Arrigo Barnabé, 28 anos, paranaense de Londrina, compositor de vanguarda da MPB, Rogério foi muito feliz. Não só por lembrar o jovem Welles, mas também por dar uma interpretação tranqüila e inteligente (nesta sua primeira experiência como ator), Arrigo, vestido em terno de linho branco, fumando imensos charutos, compõe admiravelmente o genial diretor de "Cidadão Kane". Ao seu lado aparecem muitos atores e atrizes - inclusive Helena Ignes, que foi a primeira mulher de Glauber Rocha e mais tarde, esposa de Sganzerla. Até Otávio III, a folclórica figura carioca, maior amigo de João Gilberto, aparece em muitas seqüências. Aliás, a voz de João Gilberto, cantando música de Ary Barroso, emoldura a excelente trilha sonora - que a exemplo do que fez Julinho Bressane em "Braz Cuba" (este em competição no [FestRio]) constitui um excelente panorama da melhor MPB. A exibição Hors Concurs de "Nem tudo é verdade" paralelamente a apresentação, pela primeira vez no Brasil, de "Falsfatt" (realizado por Welles na Espanha, em 1975, com Jeanne Moreau), constituem, talvez, a mais significativa homenagem ao cineasta que, há 45 anos, revolucionou nos filmes a partir de "Cidadão Kane". O cinema, como diz Sganzerla, é uma arte de verdades e mentiras inesperadas (tema, aliás, do último filme de Welles, "F... for fake", reprisado há poucos dias em Curitiba. Ao final de "Nem tudo é verdade", Rogério acrescentou a informação de que, em setembro último, num dos depósitos da Paramount, em Hollywood, foram localizadas mais de 300 latas com os negativos de "All that's true", que todos imaginavam como perdidas. Um comovente depoimento de Grande Otelo, 70 anos - (que foi ator e colaborador de Welles), gravado quando ainda Orson estava vivo, fazia um apelo para que ele concluísse o filme "no qual eu e o Herivelto (Martins) colocamos nossas energias e ideais da juventude, com todo vigor". Herivelto Martins, citado por Grande Otelo, várias vezes, em seu depoimento, não chega a aparecer em "Nem tudo é verdade". Mas ele foi um dos principais colaboradores de Welles, que, inclusive se apaixonou pelo então garotinho Pery (filho de Herivelto e Dalva de Oliveira), que atuou em várias seqüências. Realmente, com a localização dos negativos de "All that's true" em bom estado, a morte de Welles e a motivação em torno deste genial criador, muitos começam a pensar numa campanha para sensibilizar as autoridades e conseguir o resgate do precioso material rodado por Welles no Rio de Janeiro e Ceará, há quase 50 anos. Um aspecto interessante que o filme de Sganzerla destaca: o sentido de líder dos pescadores que marcava a presença do jangadeiro Jacaré, que viajando numa embarcação primitiva fez o "reid" Fortaleza - Rio de Janeiro para pedir ao então [presidente] Getúlio Vargas, melhores condições aos pescadores nordestinos. A maldição de um macumbeiro, irritado pela suspensão da produção (ele apareceria numa das seqüências) é colocado no filme como "causa" do acidente que, durante as filmagens, motivaram a morte de Jacaré. Em nenhum momento, é identificado o nome verdadeiro do pescador. Ficou na história como Jacaré, simplesmente. Orson Welles, tema de um extensa bibliografia, criador e personagem fascinante do cinema, renasce na tela, em imagens históricas e na interpretação de Arrigo Barnabé, num filme magnífico e que, como proposta cinematográfica é das mais interessantes. "Ternura francesa" - se "Le ripaux", da França no I FestRio, trazia um humor tipicamente parisiense, o filme que representa aquele país, este ano - "Três homens e um bebê" traz uma dose de ternura e emoção. Embora ingênuo em sua concepção (lembrando comédias do Gordo e o Magro e mesmo "Os gangsters", comédia de Steno, com Fernandel e Gino Cervi), o argumento de "Trois hommes et un couflin" tem elementos de agrado para o grande público. Mostra o comportamento de três solteirões frente a necessidade de cuidar de um (encantador) bebê de 6 meses, filho de um deles, que a mãe - modelo profissional - deixa no apartamento dos alegres farristas. Da irritação inicial nasce uma afetividade pela criança, com um final melodramático. Realizado por uma jovem cineasta francesa, Coline Serreau, "Três Homens e um bebê", dividiu as opiniões dos jornalistas e espectadores, mas, foi, no segundo dia da competição, o filme mais interessante. No domingo, falando a jornalistas, a diretora Coline Serreau, negou intenções feministas em sua obra, fazendo uma lúcida colocação: - "Os homens mudaram. Estão em plena mutação, em plena contradição. As mulheres também mudaram. A época da mulher livre para mim também acabou, felizmente. A meu ver é ser muito mais livre o fato de reconhecer que não se quer ficar sozinha, que uma mulher quer ter o direito à plena "maternagem". "Velhas argentinas" - a exemplo de "Três homens e um bebê", também o filme que representa a Argentina no II FestRio, tem toques melodramáticos e envolventes, capazes de conquistar o público: contando a história de uma família, a partir da velha avó, a artereosclerosada "Mamae Cora" (excelente interpretação de um ator, Antonio Casalla), "Esperando la carroza" (intitulada para o Brasil de "Querida Família") aborda, em tom de comédia, o problema da marginalização de pessoas idosas. Embora o diretor Alejandro Doria não tenha se aprofundado na questão, preferindo o humor mais imediato, num tratamento que chega a lembrar uma peça de teatro e beirando a chanchada, o filme flui agradavelmente. Dificilmente terá chances de premiação, mas é válido como amostragem de um cinema comercial, procurando esquemas de conquista do público o que mesmo sendo feito num país vizinho continua a ser ignorado entre nós. Aliás, há 188 anos, mesmo com "Martin Fierro", do falecido Leopoldo Torre-Nielson, tendo sido premiado com a gaivota de ouro, no Festival Internacional do filme, aquela superprodução argentina não chegou a ter lançamento no Brasil. Uma amostragem do novo cinema argentino acontece agora, paralela ao FestRio, incluindo os elogiados "A história oficial", de Luiz Puenzo (premiado no último festival de Cannes) e "Camilla", de Maria Luiza Bemberg. "O filme de Meryl! - já apontada como candidata forte a receber seu terceiro Oscar (foi premiada como coadjuvante por "Krame x Kramer" e há 2 anos como atriz principal em "A escolha de Sofia"), Merryl Strep está maravilhosa em "O mundo de uma mulher" (Plenty), um dos dois filmes que representam os Estados Unidos no FestRio (o outro é "O Alvo/ Targe", de Arthur Penn, projetado na quarta-feira, 27). Realizado por um novo diretor - Fred Schepisi - e uma produção que marca o reaparecimento da RKO como produtora, "Plenty" foi baseada numa peça de sucesso na última temporada americana. Ambientada ao longo de várias décadas - a ação começa durante a II Guerra Mundial - narra a trajetória de Susan, uma bela (mas solitária e meio neurótica) mulher que ao longo de sua vida tem vários casos amorosos. Com belíssimas imagens e uma ótima trilha sonora, "Plenty" tem além de Merryl Streep, dois atores já conhecidos: o veterano John Gielguld e o cantor-ator Sting, num papel curto mas marcante. Se entusiasmou há muitos, "Plenty" também decepcionou a vários críticos. Edmar Pereira, do "Jornal da Tarde", foi implacável em seu julgamento, logo após sair da sala de exibição: - até agora, este foi o pior filme apresentado no FestRio". SEMINÁRIOS Cosme Alves, conservador da Cinemateca e um dos diretores do FestRio, coordenou a realização de uma série de seminários que movimentam um dos auditórios do Hotel Nacional - batizado de "Sala Oduvaldo Viana Filho". O primeiro seminário foi sobre a produção de cinema e a televisão, no domingo, aberto com a exposição da produtora helena Solberg e que teve, entre outros expositores, Cyma Rubin (da CBS americana), Louís Mollion, da França; Cláudio Petraglia, Paulo Afonso Grisolli e Rubens Furtado, das Redes Bandeirantes, Globo e Manchete, respectivamente, além da canadense Hanna Fischer. Na segunda-feira, o seminário foi sobre financiamento à indústria cinematográfica, no qual um dos expositores foi o ex-deputado federal Rafael de Almeida Magalhães; ex-vice-governador do Rio de Janeiro e que colaborou no projeto de lei de incentivos fiscais para a cultura, apresentando quando o hoje presidente José Sarney era ainda senador. Rafael de Almeida Magalhães tem ligações familiares com o cinema: uma de suas filhas (com a curitibana Mitzi Munhoz da Rocha) é Renata, esposa do diretor Cacá Diegues e que no ano passado realizou um curta-metragem sobre as filmagens de "Quilombo".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
26/11/1985

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