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Ballet Guaíra dançará o cordel de Drummond

A presença de Sérgio Ricardo na I Mostra do Cinema Latino-Americano do Paraná não foi apenas fundamental para que a mesa-redonda sobre "A Música no cinema brasileiro" resultasse num documento contundente, que o secretário René Dotti levará, em mãos, ao ministro Celso Furtado, da Cultura. Reencontrando velhos amigos como Leo Stighem, coordenadora geral da Mostra e Carlos Fernando Mazza, que no passado já foi seu secretário no Rio de Janeiro, Sérgio Ricardo animou-se a pensar num projeto que, há dois anos passados, já havia sido cogitado: encenar com o ballet Guaíra "Estória de João-Joana", por ele musicado a partir do único cordel escrito pelo poeta Carlos Drummond de Andrade. O secretário René Dotti se entusiasmou com o projeto, discutido, inclusive durante o almoço no Palácio Iguaçu, com a presença do professor Teófilo Bacha Filho, assessor especial do governo Álvaro Dias e, já no sábado, 10, o advogado Constantino Viaro, diretor superintendente da Fundação Teatro Guaíra, tinha a primeira reunião com Sérgio Ricardo para tratar dos detalhes - a serem ultimados nos próximos dias, quando ele retornará a Curitiba. A produção de "Estória de João-Joana" com o Ballet Guaíra e a Orquestra Sinfônica do Paraná para abrir a temporada artística de 1988 não poderia ser mais oportuna. Afinal, o ballet "O Romance de Quatro Luas", com música de Chico Buarque e Edu Lobo, libreto de Ferreira Gullar - contratados na administração anterior por quase um milhão de cruzados, apesar de pagos antecipadamente, ainda não foi concluído. Originalmente, aquele ballet deveria ter siso encenado no primeiro semestre deste ano, mas encontra-se em compasso de espera. "Estória de João-Joana" está concluído há mais de 3 anos e a sua montagem será também uma homenagem a Carlos Drummond de Andrade, já que esta foi a única experiência de se levar um de seus textos ao palco, em forma de dança. xxx A partir de uma notícia publicada num jornal de Brasília, sobre João-Joana, "um sucedido em Lages do Caldeirão", com um camponês, musculoso e esquivo a quem o povoado só descobre o verdadeiro sexo no momento do parto ("João deixara de ser João/por força da natureza/a mulher surgia nele ao mesmo tempo que o filho/tal qual se brotassem junto/a espiga com o pé de milho") Drummond escreveu o belíssimo cordel. Sérgio exultou com a árdua simplicidade do poema, que revelava um Drummond ferrenho feminista: "E forma de escravidão/a infinita pobreza/pois duas vezes escrava/é a mulher com certeza/pois, escrava de um escravo, pode haver maior dureza?"). como diz Sérgio, essa é a chave do cordel que explica uma tardia Diadorim em plenos 60 (referindo-se ao personagem que João Guimarães Rosa criou em "Grandes Sertões: Veredas"), criada como homem para fugir a miséria mais ampla destinada às mulheres. Publicada em setembro de 1966, "Estória de João-Joana", foi musicada por Sérgio, com instrumentistas da Orquestra Sinfônica Brasileira, orquestrações de Radamés Gnatalli e regência de seu irmão, Alexandre. Originalmente, seria um grandioso espetáculo programado para o corpo de baile do Teatro Municipal de São Paulo, para celebrar o 1º de Maio de 1984. Estusiasmado com esta possibilidade, contratada com o então secretário da Cultura de São Paulo, Gianfranciesco Guarnieri, Sérgio trabalhou "trancado durante todo o carnaval de 84", enviando página por página para Radamés fazer sua parte. Na última hora, a Secretaria de Cultura voltou atrás e a "Estória de João-Joana" teve a apresentação suspensa. Sérgio pagou de seu bolso o trabalho de Radamés, recusou a sugestão de processar o governo paulista ("como eu poderia entrar na Justiça contra o meu amigo Guarnieri?" diria, na época, ao jornalista Tarik de Souza, do "Jornal do Brasil") e deu a volta por cima. Outro grupo de balé, Nós da Dança, dirigido por Sônia Dias, do Rio de Janeiro, bancou a primeira parte dos 250 milhões (antigos) gastos na gravação da fita e a "Estória de João-Joana" estreou no dia 8 de maio de 1985 no Teatro João Caetano, com uma temporada de três semanas. xxx Agora, a montagem deste ballet-cordel será mais amplo. A Orquestra Sinfônica do Paraná somar-se-á um grupo básico de instrumentistas, escolhido pelo próprio Sérgio, para dar a base rítmica "A Estória de João-Joana", que é explicada como uma ópera contínua narrada por um cantador mais sofisticado, no caso o próprio Sérgio. Como nenhuma gravadora se interessou, na época, em editar a obra, o próprio Sérgio Ricardo produziu um disco independente, através da Trinca, sua firma. De uma tiragem de 5 mil exemplares, vendeu duas mil cópias e guardou o restante. "Se quisesse, agora com a morte de Drummond, colocaria este disco nas lojas e venderia em poucos dias. Mas jamais faria esta exploração". Entretanto, quando da encenação de "Estória de João-Joana", com o Ballet Guaíra - em suas temporadas em Curitiba, Rio, São Paulo, Salvador, Porto Alegre e Belo Horizonte, conforme já se pensa - por certo esta gravação se esgotará em poucas semanas - justificando até uma reedição, já com a participação da Secretaria da Cultura do Paraná.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
15/10/1987

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