Cinema, eis um tema dos homens que fazem cinema
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 07 de dezembro de 1989
Na mostra competitiva do VI FestRio, pelo menos quatro dos 19 longas participantes se voltaram ao cinema: "Minas-Texas", do brasileiro Carlos Alberto Prares (ou Charles Stone, como prefere assinar este filme) - que já registramos em colunas anteriores - "Na Lista Negra" (Fellow Traveller), do inglês Philip Saville; "Jogo do Massacre", do italiano Damiano Danin e "Mr. Universo", do húngaro Gyorgy Szombja.
Indiretamente, citações,homenagens e reverências em vários outros filmes (e vídeos), como o que Alexandre Rockwell fez ao dedicar o seu belo "Sons - em buscado amor perdido" (concorrente dos EUA) a John Cassevetes, falecido em 3 de fevereiro deste ano, aos 60 anos, quando ele se preparava para rodar este filme - em cujo papel principal há outra homenagem explícita: Samuel Fullerm 77 anos, diretor cultuado pela crítica européia pelos seus filmes classe "B" mas de intensa vitalidade, e que, em atuações especiais, já havia aparecido em fitas de Godard ("Pierot le fou/ O Demônio das 11 horas") e Win Wenders ("O Amigo Americano").
A premiação de Fuller como o prêmio ator do FestRio foi a grande homenagem a este diretor de uma obra tão marcante e cujo penúltimo filme "Ladrões do Amanhecer" (Les Voleurs de la Nuit), mesmo dispondo de cópia no Brasil permanece inédito em Curitiba (atenção adormecida Fucucu!, que tal aproveitar para exibi-lo no Groff? ).
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Prejudicado pelo fato da cópia enviada não ter legendas em português (e somente em alguns momentos em inglês), "Mr. Universo", do húngaro Gyorgy Szonjas, também volta-se ao mundo do cinema: três húngaros chegam na América sonhando com a glória e a fama conquistada por um compatriota, Mike Hargitay que, em sua juventude foi Mr. Universo e casou em 1958 com um dos sex-appel de Hollywood dos anos 50 - Jayne Mansfield (1932-1967), ao lado de quem fez alguns filmes (depois passando para medíocres pseudo-históricos e bang-bang spaghetti). Mas os húngaros se dão mal: caem na estrada, têm problemas e quando encontram o envelhecido Mr. Hargitay, ao lado de seus filhos, ouvem seu pessimismo sobre a usina dos sonhos.
Apesar da experiência adquirida ao longo de quatro décadas de cinema - desde que começou como roteirista de Zavattini e fazendo mais de 30 curtas-metragens, só em 1960, com "O Baton/Il Rosetto", estrearia no longa-metragem, o italiano Damiano Damiani, 67 anos, foi uma decepção com uma espécie de versão Kitsch do clássico "Assim Estava Escrito" (um dos grandes momentos do cinema fazendo sua autocrítica): "Giocco al Massacre", o título ("Jogo do Massacre") parecia até um filme sobre a Máfia, como nos dizia o jornalista Pepe Escobar (afinal, alguns dos melhores momentos de Domiani foram sobre esta temática - "O Dia da Coruja", "Confissões de um Comissário de Polícia e um Procurador da República".
O reencontro na iluminação Capri, de dois cineastas que começaram suas carreiras juntos - um de sucesso (interpretado por Elliot Gould), outro fracassado (o ator cubano Thomas Millian, careca e envelhecido) deságua num teatro de cobranças, reclamações, chantagens sentimentais, mas não consegue passar a mínima emoção ao público. O mundo (falso?) do cinema, as premiações, o equilíbrio com os produtores, as concessões para se obter êxito poderiam ensejar um belo trabalho que, infelizmente, não é alcançado.
Ao contrário, o concorrente inglês "Na Lista negra" (Fellow Travelller), toca num assunto que tem permanecido tabu para o cinema: o maccarthismo em Hollywood. Ambientado em Londres, 1954, onde um roteirista comunista se exilou, para fugir das perseguições do Comitê das atividades anti-comunistas, criado pelo senador Joe MacCarthney (e que tinha Richard Nixon como secretário), "Fellow Traveller" discute o posicionamento dos membros da comunidade cinematográfica americana em relação ao Partido Comunista, e o colaboracionismo de muitos. Um filme corajoso, sincero (lembrando "Testa de ferro por acaso/The Front", 1976, de Martin Ritt - primeiro a tocar no assunto em termos de cinema) e que, para muitos deveria ter valido a Ron Silver, como roteirista a Asa Kaufaman, o prêmio de melhor ator. "Na Lista Negra", pelos fatos que aborda (e que merecem ser reanalisados) justifica que se volte a comentá-lo e a esperança é que encontre distribuição comercial para que o público conheça um dos melhores momentos levados ao FestRio.
LEGENDA FOTO - Ron Silver em "Na Lista Negra": o macchartismo do cinema, revisto num corajoso filme inglês que foi uma das surpresas do FestRio.
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