Festival de Gramado ( IV )
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 02 de abril de 1985
Intérpretes do romancista Graciliano Ramos em " Memórias do Cárcere ", o autor Carlos Vereza foi quem leu na noite de encerramento do XIII Festival do Cinema Brasileiro, em Gramado, o documento que provocou as maiores polêmicas. Antes que o ator Fernando Torres aninciasse o grande premiado da noite - "Marvada Carne ", que obteve 10 " kikitos " - Vereza, em nome do júri dos filmes de longa metragem , leu uma curta declaração de 18 linhas que provocaria violentas discussões nas horas seguintes : o júri , " consciente da importância e integridade da mostra ", antes de nominar os premiados, salientou que o filme em competição "foram um reflexo das presentes dificuldades do cinema nacional ".
Quiais sejam : queda de produção, limitação temática, complacência a fórmulas pseudocomerciais e falência de um modelo de população concentrador e desvinculado das reais carências do mercado ". Asinado por Ligia Fagundes Teles, presidente do júri ; Vereza ; deputada e atriz Beth Mendes ; roterista Leopoldo Serran ; fotógrafo Lauro Escorel ; diretor João Batista de Andrade ( o mais forte candidato a presidência da Embrafilme ) e os críticos Sérgio Augusto e Híron Goidanich ( o "Goia " da " Zero Hora " ), o documento encerrou dizendo : " neste quadro de dificuldades ficou porém evidente a excepcional qualidade de alguns profissionais cujo trabalho e uma prova eloquente de que a crise atual deve e pode ser superada ".
A incisiva declarão foi tomada como uma censura pela baixa qualidade de muitos dos filmes em competição. O produtor Luis Carlos Barreto, que chegou somente na quinta- feira no festival , era um dos mais irritados e, no coquetel que se seguiu a festa do cinema Embaxador, esbravejava seu protesto. João Batista, diretor de " A Próxima Vítima " e membro do júri , explicava que esde o inicio do festival, nas reuniões, se discutiu muito a questão da mediocridade de alguns filmes em competição - o que refletiu a queda na produção na indústria cinematográfica brasileira em 1984/85. Assim , por uma questão de coerência, o júri decidiu torna pública sua inquietação. Mas se cineastas, artistas e técnicos - além de produtores - acharam, no minimo, inoportuno o posicionamento do júri, muitos concordaram integralmente com o documento . Entre eles, o jornalista Carlos Eduardo Lourenço Jorge, crítico da " Folha de Londrina ", diretor da Casa da Cultura e programador do cine Ouro Verde, da Uiversidade de Londrina . Acompanhando todas as edições do Festival de Gramado há 10 anos, Lourenço Jorge viu como fundamental a declaração do júri " e só lamentei não ter sido um dos signatários " ( no ano passado, Carlos Eduardo integrou o júri do Festival ).
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Com dez premiações, "Marvada Carne " foi o grande premiado do Festival - numa agradável surpresa ao revelar o talento de um novo cineasta , André Klotzel 29 anos, vindo da área do curta - metragem. Em compensação , " Patriamada " de Tizuka Yamazaki (estréia no cine São João, a partir do dia 18 ), foi praticamente massacrado na premiação : apenas um solitário " kikito " de melhor som, dividido entre os técnicos Romeu Quinto e Licio Marcos de Oliveira. Tizuka Yamazaki, que há 5 anos, com seu filme de estréia , " Gaijin , Caminhos da Liberdade " foi a grande revelação em Gramado ( cinco Kikitos, incluindo o de melhor filme ), foi uma das presenças nais ativas do Festival - participando dos debates, concedendo muiitas entrevistas, mas o seu filme foi recebido com restrições por grande parte do público , e imprensa . Alguns críticos paulistas - como Rubens Ewald Filho, o "Jornal da Tarde " também fizeram restrições ao excesso de premiação a " Marvada Carne " ,
mesmo reconhecendo seus méritos, em detrimento de outros filmes. Ewald, por exemplo, era um dos defensores de " Espelho da Carne ", do carioca Antonio Carlos Fontoura, pornô-chic com Daniel Filho , Denis Carvalho e Maria Zilda, que já havia concorrido no FestRio em novembro último.
Enquanto eram projetados os filmes hors-concours no encerramento do Festival - o média-metragem " Auto Retrato de Miguel Bakun " e " Cabra Marcado para morrer " - alguns artistas, jornalistas e cineastas deixaram a sala, preferindo formar rodas no hall do cine Embaixador e mesmo bares vizinhos, a espera do momento em que os apresentadores do Festival - Tânia Carvalho e Clóvis Duarte - começariam a anunciar os premiados. Afinal, a expectativa era grande e embora fosse previsivel o destaque a " Marvada Carne " esperava-se também premiações a " Patriamada " e " Estrela Nua ", dos paulistas Icaro Martins e José Antonio Garcia, que acabou valendo apenas um prêmio especial do júri a atriz Carla Camuratti e o " kikito " de melhor atriz coadjuvante a Cristina Aché , também intérprete de " Noite ", que Gilberto Loureiro / José Louzeiro realizaram com base numa novela de Érico Veríssimo.
Rodado em Porto Alegre , "Noite " - lançado também no FestRio , no ano passado - acabou também valnedo uma merecida premiação a Otavio Augusto como ator coadjuvante. Entretanto , sua bela trilha sonora ( de Sérgio Sarraceni ) foi preferida, assim como a banda sonora que o carioca David Tygel ( ex-Boca Livre ) fez para " Espelho da Carne ", Rogério Dutra, premiado pela trilha de " Marvada Carne ", merecia a premiação na categoria de música adaptada ( já que utilizou músicas e a participação de Tonico e Tinoco e Passoca ), e não na classificação de música original . Como música adaptada foi premiado o desconhecido mineiro Eid Ribeiro, por " Ela e os Homens ", filme de Schubert Magalhães ( cineasta mineiro falecido em agosto de 1983 ) um dos mais fracos da mostra.
" Marvada Carne " venceu nas seguintes categorias - melhor filme - na escolha do júri popular ( com média de 9,17 dos votos computados ) edição ( Alain Fesnot ), cenografia ( Adrian Cooper )
música original ( Duprat ), fotografia ( Pedro Farkas ), atriz ( Fernanda Torres ) roteiro e direção ( André Klotzel ) - além do prêmio especial para o ator Dionisio Azevedo. Além dos trofëus, garantiu Cr$ 20 dos Cr$ 6l milhões da premiação. E " Marvada Carne " merecia ainda uma outra premiação - de melhor ator para Adirson de Barros ( que os Curitibanos viram há 3 semanas, interpretando Rubens Paiva em " Feliz Ano Velho " , no Guaira ), que como o cabloco Quin , teve uma atuação esplêndida . Entretanto o kikito ( e o cheque Cr$ 2.500.000 ) de melhor ator foram para Paulo Cesar Pereio, por seu trabalho em " A Noite " - numa interpretação , aliás, bastante discutível e que os espectadores poderão julgar quando o filme chegar nos circuitos comerciais.
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Se os seis longas- metragens em competição este ano em Gramado espelharam as curtas-metragens - tanto os gaúchos como os produzidos em outros Estados - deram uma mostra vigorosa da criatividade de novos cineastas. No último painel de debates, realizado na manhã de sábado, no Hotel Serra Azul, os realizadores de curtas se queixavam de pouca divulgação de seus trabalhos - reconhecidos, entre tanto, pelo público que nas, várias sessões os aplaudiu demoradamente.
Um total de dezoito curtas participou do festival, tendo o júri formado por Moisés Weltman, Milton Barragos, críticos José Carlos Avellar, Tuic Becker e Maria do Socorro Caetano , mas o cineasta gaúcho Carlos Gerbase e a atriz Ana Maria Maglhães, feito as prêmiações.
Um belo filme de 25 minutos ( projetado originalmente para a TV Educativa de São Paulo ) realizado por Francisco Botelho Jr. ( diretor de '" Janete " , rodado em parte em Curitiba e Piraquara , há 3 anos ) - " A longa Viiagem " foi o premiado como melhor curta-metragem. Um sincero e crítico painel de juventude dos anos 60/70, " A Grande Viagem " estabelece grande empatia com as pllatéias jovens e foi, merecidamente, premiado. Arthur Omar, carioca , realizador do complexo e hermético " O Som " , foi premiado como melhor diretor. Um delicioso filme de animação, com o grupo de bonecos Cem Modos, de Porto Alegre - " O Bom Pastor ", de Roberto Carvalho ( técnico de som , dono do Studio Rob, no Rio ) foi premiado pelo júri popular. Ainda Marques pela montagem de " Principe do Fogo " - documentário sobre o mais velho presidiário do Brasil, falecido no ano passado - venceu na categoria de montagem, emquanto o prêmio de fotografia foi para José Rodolfo Eliezer por " Folguedos no Firmamento ", curta - metragem sobre uma pioneira da aviação no Brasil . Dois curtas de temas politicos tiveram menção especial : o emocionante " Frei Tito ", de Marlene França e o filme de animação " Eclipse ", de Antônio Moreira.
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Valorizando a produção gaúcha, o Festival de Gramado atribui anualmente nove prêmios aos curtas realizados por cineastas daqueles Estado. " Cone Sul ", politico documentário de João Guilherme Reis da Silva, e uma interessante experiência de Otto Guerra Neto, José Maia e Lancast Moia em transpor para o desenho animado " As Cobras ", de Luis Fernando Verissimo, dividiram a premiação de melhor filme curta gaúcho. O diretor premiado foi Nelson Nadotti, com " Madame Cartô " , que valeu ainda " kikitos " a atriz Claudia Meneghetti ( intérprete também de " Colombina Forever ", ator ( Pedro Santos ), fotografia ( Norberto Lubisco, fotógrafo também de dois outros filmes participantes : " Carrossel " e " Ano Novo Vida Nova " ) e montagem ( Vera Freire ). " Colombina Forever " , deliciosa sátira definida por seu diretor David Quintans como " apenas uma Piada " , valeu as premiações de cenografia ( Sérgio Silva ) e roteiro - assinado por Quintans e Sergio Silva , mas da qual também participou Antonio de Jesus Pefeill . Jesus, o mais inquieto dos cineastas gaúchos, concorreu com " O Último Reduto de Minha Virgindade ", um filme de montagem à respeito do qual já nos referimos na semana passada.
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