A importância das reedições (Chico, Nelson, Jacob e outros)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 03 de novembro de 1974
Quando insistimos na importância das reedições, o fazemos pela consciência que temos de que somente se conhecendo e divulgando [os] importantes períodos de nossa música popular poderemos despertar em novas faixas de público (e gerações), o entusiasmo, o amor, o respeito pelos nossos compositores, intérpretes e instrumentistas - durante anos esquecidos e anônimos em seus trabalhos rotineiros em rádios, estúdios, e orquestras de bailes - mas altamente criativos e que só agora, mercê do trabalho de pesquisadores como Ricardo Cravo Albim, J. L. Ferreti, o radical ramos Tinhorão, Paulo Tapajós (também compositor e cantor) e alguns outros, começam a ser devidamente revalorizados.
Enquanto nos EUA ou na Europa o neófito em estudar qualquer corrente musical tem a sua disposição as obras completas de compositores, intérpretes e instrumentistas - em séries bem organizadas, acompanhadas de completos estudos sobre a [importância] de cada fase, no Brasil, até há pouco, só mesmo em raríssimas coleções bem organizadas (Almirante, Paulo Tapajós, Sérgio Cabral, Tinhorão na GB; Miecio Café, em São Paulo; Luciano Lacerda, Alceu Schwaab e Euclides Cardoso, em Curitiba) poderia se ter a chance de se ouvir a voz de cantores como Orlando Silva, Francisco Alves, Silvio Caldas, instrumentistas como Garoto ou Jacob do Bandolim, ou conhecer algumas composições de Cândido das Neves ou Noel Rosa. Pois, nas lojas, era impossível localizar um disco historicamente importante - pois a famigerada frase "retirado do catálogo", justificava a exclusão de gravações importantíssimas, dignas de serem, preservadas em qualquer catálogo de prestígio.
Hoje, embora ainda timidamente, um trabalho de grande alcance cultural - que merecia, inclusive, atenção do MEC, se ali houvesse pessoas que soubessem amar a música do povo - reedições de bom nível começam a aparecer, satisfazendo não só um público acima dos 40 anos, nostálgico, mas, PRINCIPALMENTE, dando a novas gerações que, honestamente e de forma brasileira, se interessam pela nossa cultura musical, a oportunidade de conhecerem os grandes valores da MPB.
A Phonogram, há 3 anos, reeditou antigas matrizes na importantíssima coleção "No tempo dos Bons tempos" e é intenção de Maurício Quadrio continuar a reeditar discos históricos e importantes (ainda recentemente, na "Série Histórica", relançou "Canção do Amor Demais" com Elizeth Cardoso).A Copacabana também tem feito algumas reedições importantes e a Odeon, dona de um dos mais notáveis arquivos, no extinto selo Imperial, recolocou nas lojas algumas de suas melhores gravações, mas infelizmente parou com este trabalho. Agora, com o fabuloso Aloysio de Oliveira de volta [àquela] produtora, surge a etiqueta 'Evento" - que a exemplo da Elenco (1962/67) deverá se transformar em sinônimo de qualidade. No primeiro suplemento, ansiosamente aguardado, temos ao lado de novas gravações (Maysa, "Sinfonia Paulistana"), também discos históricos como o até então desconhecido encontro de Ary Barroso (1903-1964) com Dorival Caymmi - por sinal o primeiro dos discos da Evento a chegar nas lojas da cidade. Reedições de marcos da Bossa Nova como o fundamental "Não Gosto Mais de Mim" de Sergio Ricardo (que por sinal, de 7 a 7 estará no Paiol) e "Canção de Gente Moça" de Silvinha Telles (1934-1966), também reaparecerão com o selo da Evento.
A RCA-Victor, que entre 1963/67, fez através da Candem importantes reedições - em especial a série "Reminiscências", após um período de paralisação, voltou a dar atenção a relançamentos históricos. Na série "Grandes Intérpretes", com notas do pesquisador J. L. Ferreti, já reapareceram importantes intérpretes e autores - o último dos quais foi Gastão Formenti (1894-1973). O curioso é que para a produção de muitos destes discos históricos, a Victor tem que recorrer a mais bem organizada e cuidada coleção de 78rpm do País - do pesquisador Miécio Café, já que, num crime [inominável], no passado, houve quem decidisse destruir as matrizes originais das históricas gravações da Victor. Mas, felizmente, hoje a gravadora está em boas mãos e pelo visto a atenção para com sua memória musical terá [seqüência], com outros e importantes lançamentos.
Agora a Continental, também reestruturada e em boas mãos artísticas, após ter produzido o fundamental álbum de 3 lps comemorativos aos seus 30 anos de [existência] (1943-1973), decidiu criar uma série histórica, com produção, pesquisa e texto de J. L. Ferrete, que anteriormente (1970/72) já auxiliou a Editora Abril em sua também importantíssima "História da Música Brasileira".
Os três primeiros lps da coleção histórica da Continental já estão nas lojas e dão exatamente a dimensão do quanto há o ser conhecido/divulgado de nossa melhor MPB. O primeiro disco, não poderia deixar de ser uma homenagem a Francisco Alves (1898-1952), que embora tenha muitos lps em catálogo de diversas gravadoras, é apresentado aqui, numa importante fase de sua vida (1939/41), quando gravou na Columbia (etiqueta que seria posteriormente absorvida pela Continental). A primeira gravação de Francisco Alves na Columbia foi feita no dia 16 de agosto de 1939, ou seja, três dias após o artista haver completado 41 anos de idade. Chico, ostentava, então a sua melhor forma vocal e poucos, no mundo inteiro, se lhe comparavam no campo da música popular. Ele próprio escolhe os lados dessa gravação, decidindo fazê-los em dueto com Dalva de Oliveira. Esta, artista em extraordinária ascensão, na época fazia parte do Trio de Ouro, que também era exclusivo da Columbia. De um lado Chico e Dalva gravaram o samba-exaltação intitulado "Brasil", de Benedito Lacerda e Aldo Cabral, e de outro, "Acorda Estela", samba da dupla Benedito Lacerda-Herivelto Martins" (este, um dos membros do Trio de Ouro e então marido de Dalva). Os acompanhamentos foram confiados ao conjunto regional de Benedito Lacerda (9 figuras) e a orquestração do célebre Pixinguinha (Alfredo da Rocha Viana, 1898-1973). E esta gravação abre o lp, seguido de outros registros igualmente históricos: "Fiz um Samba" (José Barbosa), "Dama das Camélias" (João de Barro-Alberto Ribeiro), "Céu e Mar" (Custódio Mesquita-Geisa Boscoli), "Solteiro é Mulher" (Rubens Soares - Felisberto Silva) e, encerrando o lado A, outro samba ufanista, "Onde o Céu Azul é Mais Azul" (João de Barro-Alberto Ribeiro-Alcir Pires Vermelho). Em "A Dama das Camélias" e "Onde o Céu ...", Chico Alves é acompanhado por Radamés Gnattali e Orquestra, enquanto em "Céu e Mar" e "Solteiro é Melhor" podemos ouvir o histórico Fon-Fon (Otaviano Romeiro, 1901-1951) e sua Orquestra.
No lado B, temos acompanhado por Radamés e Orquestra, "Despedida de Mangueira" (Benedito Lacerda-Aldo Cabral) e "Quem Chorou Fui Eu" (da mesma dupla). Com [Fon Fon] e sua Orquestra, Chico gravou as faixas "Ao Ouvir Esta Canção Hás de Pensar em Mim" (José Maria de Abreu/Francisco Matoso) e "Eu Garanto" (João de Barro/Alcir Pires Vermelho); com Carioca e conjunto é o curioso "Poleiro de Pato é no Chão" (Rubens Soares) e, finalmente, com Luciano Perrone e Orquestra, "Adeus Mocidade" (Roberto Martins-Benedito Lacerda).
Um dos mais extraordinários poetas populares do Brasil, imerecidamente esquecido durante mais de 30 ano, Nelson Cavaquinho (Nelson Antonio da Silva, 64 anos completados dia 24 de outubro último), só teve o seu primeiro lp comercialmente editado no início de 1973, quando a RCA-Victor, muito justamente, inaugurou uma série ("Documento") para valorizar os grandes (e esquecidos) nomes da nossa MPB. Posteriormente, Nelson fez outro fundamental lp na Odeon, mas como o mesmo não vendeu o suficiente para cobrir o seu investimento, aquela gravadora, há pouco tempo, o dispensou de seu elenco - não se sabendo assim, quando voltará a fazer um novo disco (atenção, Marcus Pereira!). Mas, há quatro anos, uma pequena etiqueta carioca ("Castelinho") havia produzido o primeiro lp com Nelson Cavaquinho: "Depoimento do Poeta". Tendo como convidados especiais vários e importantes admiradores de Nelson, como a cantora Elizeth Cardoso, a cronista Eneida de Moraes (1903-1972), o flautista Altamiro Carrilho, Sargentelli e o grande amigo do compositor, o jornalista Sérgio Cabral - Os primeiros em rápidas apresentações dialogadas com o artista, e o último fazendo uma pequena entrevista, o disco não chegou a ser editado comercialmente, pois a gravadora faliu. Assim, afora pouquíssimos privilegiados que haviam conseguido o lp, se perdia uma oportunidade de enriquecer a discografia do grande poeta da MPB. Isto faz com que a Continental mereça os maiores elogios pela iniciativa de ter conseguido os direitos para lançar comercialmente, como volume 3 da série "Ídolos MPB", este "Depoimento do Poeta", onde ouvimos Nelson Cavaquinho em 12 de suas obras-primas, enriquecidas com os depoimentos e intervenções de seus bons amigos e admiradores: "Luz Negra" (em parceria com Amâncio Cardoso), "Palhaço" (parceria com Oswaldo Martins/Washington Fernandes), "Notícia" (com Alcides Caminha/Nourival Bahia), "Orgulho e Agonia (com Fernando Mauro), "Aceito o Teu Adeus" (Não Me Olhes Assim) (c/ Luiz Rocha/Amado Regis), "Eu e as Flores" (Com Jair do Cavaquinho), "A flor e o Espinho" (com Alcides Caminha/Guilherme Brito), "Rugas" (com Augusto Garcez - Ary Monteiro), "Caridade" (com Ermínio do Vale), "Pranto de Poeta" (com Guilherme Brito), "Juro" ("Que Caia Sobre Mim" (com Amado Regis) e "Degraus da Vida" (com César Brasil/Antonio Braga).
Historicamente, é difícil afirmar com absoluta certeza quem nasceu primeiro: o bandolim ou o cavaquinho. O bandolim, evidentemente, foi sempre o mais conhecido e chegou, na Europa, a viver momentos de fulgurante esplendor. Já o cavaquinho, tem origens no machete português, instrumento que, por sua vez parece originar-se de alaúdes árabes.
Uma demonstração da (melhor) utilização do bandolim e do cavaquinho no Brasil está nos trabalhos de Jacob do Bandolim (Jacob Bittencourt - 1918-1969) e Waldir Azevedo (Rio, 1923), diferentes em muita coisa e que apesar de terem optado por caminhos diversos (o primeiro, voltando para o tradicionalismo envolvido pelos apelos da raízes mais profundas da música popular brasileira, sem concessões. O segundo, crente do universalismo da música, nada desprezou que lhe figurasse comunicação imediata, pouco importando a origem nacional). Por isto, o volume 2 de "Ídolos MPB", reunindo Jacob do Bandolim % Waldir Azevedo, é uma gravação da maior importância. No lado A, temos Jacob do Bandolim nas principais gravações que fez na Continental, entre 22 de setembro de 1947 a 27 de janeiro de 1949, quando deixaria aquela fábrica e passaria para a RCA Victor, onde permaneceria até o final de sua vida. Dos quatro 78rpm feitos na Continental, temos neste lp, as seguintes [músicas]: "Treme-Treme" (choro, Jacob), "Glória" (valsa, Bonfiglio de Oliveira) e "Flamengo" (choro, Bonfiglio), nas três acompanhadas por Cesar (pai de Paulinho da Viola) e seu conjunto. Em "Remeleio" (choro, Jacob) e "Flor Amorosa" (choro, Joaquim Antonio da Silva Calado - 1848-1880), é o próprio regional de Jacob que participa da gravação.
Já com Waldir Azevedo - hoje residindo em Brasília e afastado da vida artística, temos seis clássicos gravados a partir de 1948: "Brasileirinho" (choro), "Carioquinha" (choro), "Delicado" (baião), "Vê se Gostas" (choro, em parceria com Octaviano Pitanga), "Pedacinhos do Céu" e "Amigos do Samba" (samba).
Enriquecendo estas edições, temos completos textos informativos de J. L. Ferrete, o que faz a série adquirir um completo sentido didático. Aguardemos os próximos volumes.
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