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No festival de Césio e Candangos, O Beijo ficou como melhor filme

Brasília Se a unanimidade é burra, os resultados do 23º Festival do Cinema Brasileiro, encerrado na noite de terça-feira, com o público superlotando a sala oficial de exibição da Fundação Cultural do Distrito Federal, foram inteligentes. O júri da categoria 35mm procurou um equilíbrio na distribuição dos 23 troféus Candango, mas, ao menos numa categoria cometeu uma injustiça: ao atribuir o prêmio de melhor coadjuvante a Joel Barcelos, 54 anos, que aparece apenas na seqüência final de "Beijo 2348/72", só pode ter assim agido por generosidade para com um ator egresso dos tempos do cinema novo, que nunca esteve entre os mais brilhantes - mas que, em compensação, é uma figurinha carimbada em todos os festivais que se realizam no Brasil. Integrando oficialmente o júri de 16mm - embora tenha deixado para assistir aos filmes concorrentes nesta bitola nos últimos dois dias (o que provocou protesto dos concorrentes), Joel estava sempre, copo de cerveja na mão, à beira da piscina do Kubitschek Plaza e, talvez por seu aspecto de órfão rejeitado do cinema brasileiro, acabou tendo a mais injusta premiação do Festival - uma vez que havia bons atores coadjuvantes em pelo menos três dos longas que aqui concorreram - como os irmãos Cláudio ("Beijo 2348/72") e Sérgio Mamberti ("Barrela", prêmio especial no Festival de Natal, em setembro/90), o curitibano Ari Fontoura ("Beijo"), ou, se fosse o caso de homenagear artistas por tempo de serviço o prêmio poderia ir para o veteraníssimo Wilson Grey ("O Escorpião Escarlate"), que se encontra gravemente enfermo no Rio de Janeiro ou o pianista Benê Nunes, 70 anos, que acompanhou o Festival desde o início, simpático e comunicativo - mas que acabou doente e tendo que permanecer em seu quarto - sem poder comparecer à festa de encerramento, Benê, diferente da figura de galã dos teclados, dos tempos dos musicais da Atlântida, faz uma ponta em "O Escorpião Escarlate". xxx Duas razões levaram a "Beijo 2348/72" receber o Candango de melhor filme: o fato de "Césio 137" já ter sido premiado com a Estrela do Mar de melhor filme em Natal (ficando assim impossibilitado de disputar uma nova premiação principal) e, principalmente, porque o filme de maior impacto - "Conterrâneos Velhos de Guerra", de Vladimir Caralho, com seus 165 minutos retratando o lado não oficial da história do distrito Federal - sua construção, seus gravíssimos problemas e a falta de perspectivas para os nordestinos que aqui chegaram, a partir de 1956, para concretizar o sonho de JK, ter disputado apenas a mostra em 16mm. Todos que viram este notável documentário - que estará no Festival Livre de Cinema de Havana em novembro e que seu realizador deseja ampliar para 35mm (como fez Tetê de Moraes, com "Terra para Rose", que aqui também provocou grande impacto há três anos) - lamentaram que não tivesse entrado na competição em 35mm. Assim mesmo Vladimir, que chegou a vender até seu apartamento para concluir a única cópia existente até agora do filme, projeto que vem desenvolvendo desde 1970, quando veio aqui residir - como professor da área de cinema da Universidade Federal - acabou tendo quatro premiações: troféu "Jornal de Brasília" (que dá uma notável cobertura ao cinema nacional, dedicando suplemento inteiro e diário ao Festival), prêmio da crítica, direção e filme. "Césio 137", o atualíssimo documentodrama que reconstitui a tragédia do acidente nuclear ocorrida há exatamente três anos, em Goiânia, e que já havia obtido sete premiações em Natal, há um mês, também saiu com bastante premiações: som - Cesar Pires (um dos nove filhos de Roberto Pires), fotografia (Walter Goulart, irmão de Vladimir, também fotógrafo de "Círculo do Fogo", que esteve em competições: roteiro (Pires); atriz coadjuvante (Denise Milfont, brasiliense, ausente da festa, pois está filmando na Espanha); atriz - Joana Fomm e mais um prêmio especial do júri. Roberto, 60 anos completados no último dia 12, do grupo original do cinema Novo na Bahia dos anos 50/60 e que há 10 anos reside em Brasília, entre agradecimentos repetiu uma denúncia apocalíptica sobre os riscos da contaminação nuclear: "As 19 gramas de Césio 137 que estavam no aparelho aberto em Goiânia produziram nada menos do que 13.700 toneladas de lixo atômico, para cujo destino as autoridades ainda não encontraram uma solução e que se encontra num dos bairros da capital de Goiás". Apesar de um público nervoso - às 19h30, 90 minutos antes do início da festa (com exibição de "Arabesco" e "Stelinha", curta e longa premiada em Gramado-90) uma multidão quase derrubou as portas de vidro do Cine Brasília - a noite de encerramento transcorreu tranquila, com Eduardo Conde e Nidia de Paula evitando maiores enganos na chamada dos premiados (ver relação completa no texto abaixo). A primeira homenagem da noite foi a Sra. Maria Elvina Tavora Silva, viúva do pioneiro cinegrafista Salvio Silva, que teve um dos cine jornais rodados em Brasília - em setembro de 1959, no aniversário de Juscelino Kubitschek, exibindo na abertura da noite. Salvio faleceu há duas semanas. O diretor gaúcho Sérgio Silva, de Porto Alegre, leu um manifesto aplaudindo a mostra competitiva em 16mm (patrocinada pela Kodak e Curt Laboratórios, que ofereceram filmes virgens aos premiados), mas pedindo que os filmes passem a serem exibidos, a partir de 1991, no mesmo cine Brasília - e não no asfixiante auditório Alberto Nepomuceno, junto ao Teatro Nacional. Francisco César Filho, o premiado diretor do curta "Hip Hop SP", leu a carta encaminhada ao secretário Ipojuca Pontes, da Cultura, pedindo que seja mantida a lei de reserva ao curta-metragem (projeção obrigatória de um curta em cada sessão que tiver um longa estrangeiro) mas que foi recebido com frieza pelo poderoso senhor da cultura oficial, que teria dito aos cineastas que lhe entregaram o documento, que como "eles" votaram em Lula, não prometia. O público urrou em suas vaias ao diretor de "Pedro Mico". Em clima de confraternização, premiados com seus troféus e cheques (no total, quase CR$ 5 milhões distribuídos em 33 categorias, longas e curtas), todos confraternizaram no coquetel à beira da piscina do Kubitschek Plaza. Acabou o Festival, mas, se houver filmes, em 1991, ocorrerá um novo encontro. Se não tiver filmes suficientes para competição, um evento retrospectivo cultural, que a exemplo do que pensa Esdra Rubin, diretor do Festival de Gramado (com a esposa, a bela e simpática Mônica, também presente no evento) será realizado, pois o show não pode parar. Nem a exibição interrompida.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
24
18/10/1990

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