O palácio, o centro & a morte (I)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 19 de abril de 1979
Dentro de 12 dias, a Avenida Luiz Xavier perde o seu bar-restaurante mais antigo - o Guairacá, junto com o café Tiradentes, pois o coração firmado pelos comerciantes Miguel Martins Corrêa e Olímpio Andrade, proprietário desde 1967 daqueles dois estabelecimentos, com os advogados da Bamerindus-Corretora de Seguro S/A, prevê a entrega das chaves para o dia 1º. De maio - por coincidência, a mesma data em que há 50 anos houve a primeira sessão do Cine Avenida, com o filme "Moulin Rouge" (como teatro começou a funcionar a 9 de abril de 1929, com a revista "Rio-Paris", com a companhia Tro-lo-ló). A indenização que os comerciantes Miguel e Plimpio receberão e quase que simbólica: apenas Cr$ 1.500.000,00, suficiente para a compra de qualquer outro ponto comercial na Avenida Luiz Xavier ou Rua XV de Novembro - o que os obrigará a se deslocar para alguns bairro da cidade. Mais do que o fechamento de duas casas comerciais, isto significa novo golpe contra a Cinelândia curitibana, agonizando, em seus aspectos de ponto-de-encontro há muitos meses, e cuja morte definitiva acontecerá tão logo o batalhão de procuradores do grupo Bamerindus consiga vencer aos advogados Paulo Vitola e João Barros Filho, representantes da Fama Filmes, que como sucessora dos primeiros arrendatários do Cine Avenida, mostra-se disposta a lutar até as últimas decisões do Supremo Tribunal Federal. Outro comerciante a resistir as investidas é Sigismundo Mazurek da Thai Lanches, mas cuja munição legal, como noticiamos anteriormente, é pequena - já que há poucos anos ocupa uma loja na travessa Cândido Lopes - a última aliás, ainda funcionando no térreo do Palácio Avenida, que a firma Bergonsesen & Bergonsen construiu há 52 anos passados para o empresário Ferez Mehry (1874-1946) é que em 22 de fevereiro de 1974, foi vendida pelos seus herdeiros, por apenas Cr$ 13.500.000,00, a Bamerindus - Companhias de Seguros S/A - tendo como interveniente a Fundação Bamerindus.
Até ontem, o prefeito Jaime Lerner ainda não havia conseguido progressos nos entendimentos com a alta cúpula do Bamerindus, única fórmula de salvar o Palácio Avenida de ser totalmente demolido, para dar lugar a área de mais de 2 mil metros quadrados, a um prédio de apenas 2 pavimentos, mais subsolo, e que servirá exclusivamente as atividades da seguradora. Depois do entardecer, a menor avenida do mundo fica vazia - entregue às raras pessoas que ainda se atrevem por ali a circular - já que a exemplo do que ocorre no Rio, São Paulo e outras grandes capitais - também o centro da cidade, apenas de todas as tentativas em contrário, foi praticamente assassinado em termos de pontos de encontro humano - que exige, obviamente, para tanto, cinemas (que estão fechando suas portas em Curitiba: 5 cerraram suas atividades nos últimos 3 anos e dois - incluindo o Morgenau, o mais antigo da cidade, também vivem seus (últimos meses), restaurante, confeitarias e cafés - estabelecimentos que, em termos comerciais/financeiros , parecem ser incompatível com a voracidade de lucros e espetaculação imobiliária que tomou conta da parte mais de nossa cidade.
Justificativas à parte - tais como a de negar qualquer valor estético ao Palácio Avenida, "entender" o esvaziamento humano dos centros das cidades como fenômenos naturais etc., podem ser levantadas, mas não convencem a quem acredita que, mais do que nunca deve-se resistir - e por isso, ao menos como registro, aqui fica a notícia, mais uma vez, da morte inexorável da Guairacá, inaugurada há 50 anos passados, pelo alemão Willi Winkel (que posteriormente explorou por muitos anos a Caverna Curitibana, o primeiro "taxi-dance da cidade, no Clube Curitibano) e que passando por vários outros proprietários teve momentos significativos para várias gerações de curitibanos.
Entre as muitas propostas feitas para salvar o Palácio Avenida reciclando-o obviamente de forma mais lucrativa, mas preservando-o em sua estrutura básica, está a de transformá-lo num centro de convenções - cuja necessidade há muito se faz sentir em Curitiba. A idéia de utilizar o futuro (e sabe Deus quando a ser concluído) super-conjunto de "torres" a ser edificado na praça Rui Barbosa é a longo prazo - e sujeira a muitas modificações.
Levá-lo para o Parque do Barigüi, como defender outros, também é proposta polemica, inclusive porque como diz o próprio secretário da Industria e Comércio, Fernando Fontana, empresário de larga visão e muita vivência no exterior, os centros de convenções devem preferencialmente, ser colocados - próximos aos hotéis e demais estabelecimentos que formam a infra-estrutura de uma cidade. As experiências da construção de centros de convenções distantes dos centros, em projetos faraônicos, tem fracassado, conforme, em oportuna hora, o "Jornal do Brasil" denunciou em reportagem de duas páginas, domingo passado, dia 15. Mesmo o Anhembi, construído pela iniciativa particular (Caio de Acantara Machado), em São Paulo. Com toda sua intensa programação, tem nas costas uma dívida no exterior acima dos Cr$ 111 milhões. O centro de Fortaleza - que custou em 1974, Cr$ 14 milhões - está abandonado, seu teto rachou, tem goteiras e só funciona para shows. O centro de convenções do Piaui, em Teresina, nas margens do Rio Poty; inaugurado a 5/11/1976, é utilizado apenas ocasionalmente e o de Centro de Convenções, Exposições Feiras da Bahia, inaugurado no dia 2 de março último, precisa pelo menos mais Cr$ 100 milhões para funcionar plenamente e até agora teve dois únicos eventos: a solenidade de inauguração e uma reunião do secretário da Indústria e do Comércio, sr. Manoel, Castro, com empresário, para explicar-lhes que a obra não teria condições de abrigar a Feira Nacional da Infância e Juventude, marcada para março e transferida para agosto. Em Pernambuco, a situação é mais ridícula: "no meio do caminho de Recife a Olinda", como diz o folheto promocional, o Centro foi inaugurado há poucas semanas pelo ex-governador Moura Cavalcanti, sem estar pronto e na área de 308 mil metros quadrados (onde um grande manguezal teve de ser aterrado obrigando a um superestaqueamento) quase mil operários trabalham para concluir afinal o centro, cujo diretor-presidente, sr. José do Rego Maciel Jr., irmão do novo governador de Pernambuco, está em viagem pela Europa, "para observar o funcionamento de similares no Exterior, entre eles o George Pompidour, na França".
Os exemplos levantados pelas sucursais do JB em várias capitais - sem incluir qualquer referência a Curitiba - devem contar quando os defensores da construção de super-centros comerciais - em Curitiba ou em Foz do Iguaçu - tentarem justificar seus projetos. E, em compensação, podem ajudar na argumentação de quem vê, com realismo, as possibilidades de reciclando um prédio como o Palácio Avenida, transformá-lo num prático centro de convenções, ao lado de manter atividades culturais e mesmo recreativas. Para isso basta que haja bom senso, honestidade nos propósitos e, principalmente, rapidez. Pois, caso contrário, 60 segundos após sair a sentença definitiva que obrigue os últimos inquilinos a deixar o palácio cinqüentenário, batalhões de operários, armados de picaretas iniciarão a demolição. Se não for utilizado até um método mais sofisticado, como a implosão - para que do palácio que Ferez Mehry construiu há meio século não reste tijolo sob tijolo.
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