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Aramis

Os sambas da anistia

Como todo o assunto da atualidade, a anistia não poderia deixar de inspirar nossos compositores populares. E duas das melhores duplas criaram sambas dos mais belos e comunicativos a respeito, que nas vozes de um excelente e novos grupos vocal - Viva - Voz - já estão se fazendo ouvir nas rádios do País, num compacto simples que antecipa o primeiro elepe do conjunto. Numa linguagem simbólica - de imagens belíssimas - João Bosco e Aldir Blanc, que voltaram a trabalhar juntos após uma separação temporária, em "O Bêbado e a Equilibrista", dizem "Caía/ a tarde feito um viaduto/ e um bêbado trajado luto/ me lembro Carlitos/ A lua/ tal qual a dona do bordel/ pedia a cada estrela fria Um brilho de aluguel/ E nuvens/ lá no mata-borrão do céu/ chupavam manchas torturadas/ Que sufoco (Louco / e bêbado com chapéu-coco / fazia irreverências mil / pra noite do Brasil (Meu Brasil)...) Que sonha / com a volta do irmão do Henfil / com tanta gente que partiu / num rabo de foguete / Chora / a nossa pátria - mãe gentil / chora a nossa pátria-mãe gentil / choram Marias e Clarises / no solo do Brasil / mas sei / que uma dor assim pungente / não há de ser inutilmente / a esperança dança / na corda bamba de sombrinha / em cada passo dessa linha / pode se machucar / Azar / a esperança equilibrista / sabe que o show de todo artista / tem que continuar". *** Maurício Tapajós, arquiteto, compositor e produtor, que assumiu a produção Nacional da Continental, agora reciclando suas atividades no Rio de Janeiro, é quem descobriu e lançou o grupo Viva Voz. E, Maurício, em parceria com Paulo César Pinheiro, é o autor de "Tô Voltando", cuja letra, pelo seu significado, merece também ser transcrita - e complementa as imagens poéticas do samba de Bosco/Blanc. Em "Tô Voltando", a linguagem é mais descontraída, com um misto de ironia e malícia - mas profundamente sentimental e política: "Pode ir armando o coreto/ e preparando aquele feijão preto / eu tô voltando / põe meia dúzia de brahma pra gelar / muda a roupa de cama / eu tô voltando / leva o chinelo pra sala de jantar / e é lá mesmo que a mala eu vou largar / quero te abraçar / pode se perfumar / porque eu tô voltando / dá uma geral, faz um bom defumador / enche a casa de flor / que eu tô voltando / peça uma praia aproveita tá calor / vai pegando uma cor / que eu tô voltando / faz um cabelo bonito pra eu notar / que eu só quero mesmo é despentear / quero te agarrar / pode se preparar / porque eu tô voltando / põe pra tocar na vitrola aquele som / estréia uma camisola / eu tô voltando / dá folga pra empregada / manda a criançada pra casa da vó / que eu tô voltando / diz que eu só volto amanhã se alguém chamar / telefone não deixa nem tocar / quero lá lá ia / porque eu tô voltando". Uma das poucas gravadoras formada exclusivamente por capital nacional, fundada há 40 anos, a Continental, passa a representar agora uma nova fronteira em favor da MPB. Sob a coordenação artística de Maurício Tapajós e Paulo Albuquerque, com a supervisão musical de Dori Caymmi e a eventual (e valiosíssima) colaboração do maestro Oscar Castro Neves (fazendo uma espécie de ponta aérea entre Rio e Los Angeles, para atender os compromissos em ambas as cidades), a Continental deslancha agora uma nova fase - Música Popular Brasileira Moderna. O primeiro lançamento foi o compacto simples do sexteto vocal "Viva Voz", com estes dois chamados "sambas da anistia". Neste mês de abril, sai o lp de Lourenço Baêta, compositor, cujo "Meio Termo" (parceria com Cacaso) já tinha sido incluída no lp-show "Transversal do Tempo", de Elis Regina. Em maio, um evento histórico: Sérgio Ricardo, que começou como pianista e cantor no período da Bossa Nova, com 2 históricos elepes "Não Gosto Mais de Mim" e "Depois do Amor"), Odeon), e teve seu primeiro sucesso nacional na voz de Maysa ("Bouquet de Isabel"), volta com um elepe, quatro anos após sua última experiência musical-fonográfica: o filme "A Noite do Espantalho", cuja trilha saiu também pela Continental. Homem de preocupações sociais desde "Zelão", Sérgio tem hoje como assessor o curitibano Carlos Mazza, e instalou uma espécie de estúdio na favela do Vidigal, de cuja associação de moradores é diretor cultural. Só a validade e seriedade da MPBM, idealizada por Tapajós e Albuquerque, o convenceu a gravar. Marlui Miranda, que tem uma belíssima voz e acompanhou Egberto Gismonti em sua última temporada (e que teve o premiado multiinstrumentista e compositor como produtor de seu elepe) também terá seu elepe lançado em maio. *** Enquanto Maurício dá força total a produção desta nova fase da MPB - também se prepara para se lançar como cantor, através da Mocambo, fabrica de Recife, adquirida da família Rozemblite, por um grupo de artista, entre os quais Paulinho da Viola, Chico Buarque, MPB-4, o Quarteto em Cy (do qual faz parte sua irmã, Dorinha). Maurício ainda é um dos diretores do Projeto Pixinguinha, iniciado há 2 anos e para cuja nova fase, sugeriu ao coordenador executivo, Luís Sérgio Nogueira, que nos próximos espetáculos a percorrerem o Brasil, com duplas nacionais, sejam criadas "janelas" para apresentação de artistas locais. Argumenta Tapajós que é justo que os artistas locais o que vêem os teatros de suas cidades ocupados durante 2 a 3 meses por artista de fora, no movimento musical mais importante realizado no Brasil desde a chamada "fase dos festivais", participem também do projeto idealizado por Herminio Bello de Carvalho e que teve como lema "ocupar os espaços ociosos sem invadir os existentes". Em Curitiba, onde a terceira fase do Projeto Pixinguinha deverá chegar em agosto próximo, uma comissão vai começar a estudar nomes que deverão ocupar as "janelas" a serem abertas para que os nossos valores também tenham sua chance de projeção nacional. FOTO LEGENDA- Viva Voz
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
05/04/1979

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