Saiu a barriga, entrou o Corpo e Frankenstein revive novamente
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 05 de abril de 1991
O melhor filme da temporada - mesmo com a concorrência das produções oscarizáveis - saiu de cartaz. Inexplicavelmente, o programador (sic) da Fucucu substituiu "A Barriga do Arquiteto" (The Belly of an Architect), 1987, de Peter Greenaway, por "Corpo em Delito", que com todos os méritos poderia esperar mais uma semana. Aliás, o lançamento de um filme brasileiro - coisa rara nestes tempos colloridos - mereceria ter uma programação especial. Por certo, o próprio realizador deste longa-metragem que saiu do III Festival de Cinema Brasileiro de Natal com sete premiações, Nuno César Abreu, estaria disposto a vir a Curitiba para discutir seu longa-metragem de estréia.
Abordando, de forma ficcionada, um fato claramente inspirado no "Caso Harry Shibita", "Corpo em Delito" enfoca os conflitos de um médico legista, com o apropriado nome de Dr. Athos Machado Brazil (Lima Duarte), que falsifica laudos para encobrir crimes cometidos pelos órgãos da repressão. A crise de consciência é grande, e "ao mesmo tempo que assume a função de burocrata da morte, Athos Brazil transpira, através de um comportamento visivelmente neurótico, medo e culpa", como escreveu o crítico Ricardo Cotta. A válvula de escape de Athos, é a dedicação obsessiva à realização de uma biografia do pai, um integralista.
O roteiro (do próprio Nuno em colaboração com Sérgio Vitela), torna a história um pouco confusa, nas relações do médico e sua amante, Tana (Regina Dourado, atriz cearense vista em "Tigipió" e "Luiza Homem"), que o acompanha numa temporada na praia, onde surge uma vizinha, Vera (Dira Paes) envolvida com um guerrilheiro. O filme, entretanto, resiste e neste momento em que o cinema brasileiro praticamente desapareceu, merece ser prestigiado. Os poucos longa-metragens concluídos nos últimos anos, levados a festivais, continuam inéditos por falta de distribuição. No Festival de Natal, "Corpo em Delito" obteve os prêmios de melhor filme, direção, roteiro, ator (Lima Duarte), cenografia (Vânia Guiomar), prêmio da crítica e ainda uma menção honrosa para atriz coadjuvante (Dedina Bernardelli).
Nuno César Abreu define seu filme como "de narrativa elaborada: trabalha com sutilezas de linguagem, com mensagens cifradas, recorrências. Como num puzzle que vai se completando, suas peças vão se encaixando fragmentadas como a memória".
Prossegue o diretor:
- "Eu pensei em fazer um filme sobre o corpo. Corpo com identidade pessoal, a rigor o único patrimônio de cada um, e do corpo como entidade social. Existencial e político, reconhecendo a delicadeza do assunto. No período em que se passa a narrativa (final dos anos 60 e década de 70), estes conceitos parecem entrar em transe. Nesse pesadelo, as forças em conflito são de vida e de morte. Ou Athos e Tana. Transformações ou inércia. Essas forças, é lógico, estão sempre em jogo. Mas nesse período histórico, se exacerbam, seja pela história do planeta, do país, do processo cultural ou porque poderiam ter sido os melhores anos de nossas vidas".
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Numa semana em que ocorrem apenas estréias - "Corpo em Delito" (Cine Groff, 5 sessões) e "Frankenstein - O Monstro das Trevas" (São João, 5 sessões), os filmes em cartaz, especialmente os catapultados pelo marketing do Oscar, continuam com excelentes bilheterias.
No Cine Guarani, graças à inteligente promoção que Rose Giglio, a competente curadora do Museu que funciona no Centro Cultural do Portão idealizou, trazendo duas esculturas de August Rodin, a reprise de "Claudine Claudel", de Bruno Nuytten, continua em exibição. Mesmo com pouquíssimo público (na noite de segunda-feira, nenhuma sessão, no Ritz, apenas dois espectadores), o denso "Uma Vida Perdida" (Wired), 1990, de Larry Peerce, biografando de uma forma original a descida do ator Joe Belush (1950-1983) ao inferno das drogas, continuam em exibição. O roteiro calcado no livro do jornalista Bob Woodward (que transforma-se em personagem, interpretado por J. T. Walsh), inclui inúmeras citações e detalhes que nada significam aos que não estejam bem informados sobre o mundo do show business americano, tornando assim este filme de interesse restrito a uma faixa mais bem informada. Há, entretanto, originalidade no roteiro, boas atuações de Michel Chiklis como John Belush e Gary Groomes como seu parceiro Dan Aykroyd (juntos faziam o programa de TV "Saturday Night Live" e interpretaram alguns filmes de sucesso como "Os Irmãos Cara de Pau" (The Blue Brothers).
Um filme inteligentíssimo, merecedor de revisões e apreciações à parte - "Gêmeos - Mórbida Semelhança", de David Cronberg - com o inglês Jeremy Irons numa dupla interpretação que mereceria o Oscar de melhor ator há dois anos passados (ganhou agora, por "Reverso da Fortuna", de Bert Schroeder, que talvez estréie hoje no Palace Itália). Longe de ser um filme de terror, "Gêmeos" é uma obra indicada para platéias especiais, psicólogos e especialmente, ginecologistas.
Já os fãs do mais popular dos monstros criados pela imaginação de uma romancista inglesa, Mary Shelly, têm a oportunidade de conferir uma nova versão em " Frankenstein - O Monstro das Trevas". Um filme que promete, pois tem roteiro e direção de um dos mais cultuados cineastas americanos, especializado em produções baixo custo e que se tornam filmes cult: Roger Corman. Desta vez é a história de um cientista do século XXI, Joseph Buchanan (John Hurt) que viaja pelo tempo e vai ao século XIX, onde encontra o Dr. Viktor Frankenstein (Raul Julia), Mary Sheley (interpretada por Bridget Fonda), os poetas Lord Byron (Jason Patric) e Peter Sheley (Michael Hutchence), que estavam juntos na Suíça, quando a primeira teve a idéia de escrever a estória do "Prometeu Revivido", baseado num livro de Brian Aldiss que tem fotografia dividida entre uma mulher (Laura Medina) e Jacy Cassidy. A conferir, pois!
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P.S. - Em substituição de última hora, a CIC decidiu interromper a carreira de "O Poderoso Chefão III" no Condor (continua só no Lido II) e lança um filme importante, polêmico e que mereceria um tratamento especial: "Henry e June", de Philip Kaufman ("A Insustentável Leveza do Ser"), que aborda, sem meias imagens, as relações do menage a trois entre o romancista americano Henry Muller (Fred Ward), sua mulher, June (Uma Thurman) e a amante dos dois, a escritora Anais Nin (Maria de Medeiros). Belíssima fotografia de Philippe Rousselot, ambientação notável na Paris dos anos 20/30, num filme quatro estrelas que merece registro especial na próxima semana.
LEGENDA FOTO - Sessões superlotadas no Cinema I e Astor: "Dança com Lobos", produzido e interpretado por Kevin Costner, permanece em cartaz.
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