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Tenentes e revoluções do Brasil

Fortaleza - João Baptista de Andrade, 47 anos, é um dos mais políticos cineastas brasileiros. Quando lhe perguntam sua idade, diz, brincando, que "em 64 eu tinha 24 anos" e o golpe de 1º de abril o marcou profundamente, tanto é que, ainda este ano, pretende publicar um livro de contos em que refletirá o que sofreu na época, cujo título é sintomático: "Perdido no Meio da Rua". João Baptista de Andrade exorciza mais um pouco de seus fantasmas em "O País dos Tenentes". É o seu oitavo longa-metragem, e que teve neste II Festival de Fortaleza do Cinema Brasileiro uma de suas primeiras projeções. Como em todos os seus filmes - incluindo nisto desde sua estréia, no longa, há 18 anos, em "Gamal" (1969) - João Baptista coloca as idéias do político militante, para quem o cinema é uma forma de comunicar e refletir o pensamento ideológico. "O País dos Tenentes" é, portanto, um filme pessoal e passional, que, como diz, "exigiu, mais do que qualquer outra de minhas realizações: foi o maior desafio que até hoje enfrentei como cineasta e que marca uma nova preocupação: a de perscrutar mais profundamente o que se passa por dentro das pessoas, suas crises numa sociedade tão voraz como é a brasileira". O filme abre com um idoso general (Paulo Autran, voltando a fazer cinema após 20 anos de ausência: seu último filme havia sido "Terra em Transe", de Glauber Rocha) chegando a sede de uma multinacional, da qual é presidente, para ser homenageado pelos seus 80 anos de idade. A partir deste momento, o velho militar que havia participado de vários momentos do tenentismo na vida política e militar brasileira, entra em crise e começa a rememorar sua vida, seu passado de derrotas e conquistas, os movimentos que participou - em sua vida. Apesar de ter a consultoria do mais bem informado historiador brasileiro, Hélio Silva - inclusive associado a produção - Baptista insiste em frisar que se preocupou em fazer um filme que partindo de alguns fatos históricos, não pretende, em absoluto, ser uma crônica fiel ou didática. Apesar disto, é, pela primeira vez no cinema, mostrada a história do Brasil. Quatro primeiras décadas neste século que surge em seqüências em que são lembrados episódios como os "18 do Forte de Copacabana" (5 de julho de 1922), a revolução de 1924, a Coluna Prestes (1925/1926), a vitória de Getúlio Vargas (1930), as revoluções de 1932/35/37). Irritado com o comentário que o cronista político Villas-Boas Corrêa, do "Jornal do Brasil", fez em relação a suposta dificuldade do público entender o filme, do ponto de vista histórico, Baptista desabafou no debate ocorrido na manhã de quarta-feira. - "Na verdade, são raras as pessoas que conhecem o que foi de fato o tenentismo. E justamente os que tem pretensões de conhecer os fatos, terão maiores dificuldades de entender o filme. Felizmente, Luiz Carlos Prestes viu e gostou da forma com que desenvolvi o roteiro". Personagens como Luís Carlos Prestes (Cassiano Ricardo), general Monteiro de Barros, coronel Xavier de Brito, Juarez Távora, Siqueira Campos, João Alberto Neves da Fontoura, Eduardo Gomes, general Isidoro Dias Lopes e o presidente Getúlio Vargas interpretado por Leon Cakoff (crítico de cinema da "Folha de São Paulo), aparecem em algumas seqüências - mas sempre de forma fragmentada, já que a ação do filme alterna a ação contemporânea com as memórias do velho general Gui. Há muitos anos, antes mesmo de realizar a "Céu Aberto" - documentário sobre as diretas e a eleição, doença e morte de Tancredo Neves - João Baptista já vinha pensando num filme sobre o tenentismo. Em 1982, ao fazer um documentário sobre os 50 anos da revolução de 1930, para a TV Cultura, de São Paulo, sentiu o amargor dos velhos militares sobreviventes daqueles episódios, "que mesmo tendo participado de fatos históricos sentiam-se deslocados, sem entender o conjunto dos fatos determinantes". Mergulhado na leitura de tudo que se escreveu sobre o tenentismo e as revoluções brasileiras, João Baptista chegou a um roteiro enxuto, que numa linguagem em que alterna passado e presente, reconstrói este Brasil de certa forma tão ignorado e desconhecido em termos de memória. A partir do velho general Gui, que na crise provocada a partir da festa de seus 80 anos e de um aparente seqüestro de seu bisneto, o garoto André, mergulha em melancolia, o filme coloca outras condicionantes sociais - inclusive uma clara crítica as multinacionais, que sempre buscaram militares, de grande prestígio para servirem aos seus imensos interesses no Brasil. O tom do filme não deixa de ser pessimista, em relação, inclusive, aos ideais dos jovens tenentes que acreditavam na revolução capaz de mudar o Brasil há 60 ou 50 anos passados. Diz Baptista de Andrade: - "Pode até parecer contradição, mas os militares dentro do meu filme não chegam a ter um papel revolucionário. Eles procuram mudar as estruturas, mas a frustração é grande. Ao escrever a história eu tinha em mente um grande sentimento de perda, de uma espécie de fim de ciclo revolucionário, fim das certezas, dos que como eu, foram tomados na juventude por ideais muito parecidos com o de vários tenentes. Justamente, pela sinceridade com que "O País dos Tenentes", enfoca aspectos da história do Brasil - mas num tratamento livre, houve a preocupação de desenvolver a história a partir de um tenente que participando dos episódios dos heróis dos 18 do Forte de Copacabana, da revolução Prestes, e unindo-se a direita, terminando por servir aos interesses estrangeiros". Assim, diz o diretor Andrade, "meu personagem - o general é um homem que viveu a história e não se conhece no país que ajudou a construir. Um personagem que parecia ter tanto poder e vê, na velhice, que sua vida passou como um bólido e ele não teve qualquer poder sobre ela". Produção de US$ 700 mil, com um grande elenco - Autran como o velho general, Carlos Gregório, Ricardo Petraglia, Cássia Kiss, Buza Ferraz, Antônio Petrin, a bela novata Giulia Gam. O filme tem, especialmente, um cuidadoso tratamento técnico. A fotografia de Adrian Cooper é preciosa, a cenografia e figurinos de Luiz Fernando Pereira são primorosas e a música de Almeida Prado, marcante. João Baptista que teve seu "O Homem que Virou Suco" premiado em Moscou em 1981 e merecida atenção por obras profundas como "Doramundo" (1977) e "A Próxima Vítima" (1983), sempre com colocações políticas, acredita que o público entenderá o seu filme. Por isto, ficou satisfeito quando a historiadora e pesquisadora de cinema Nelie Sá Pereira, pediu a palavra e afirmou: - "Seu filme é tão rico e claro, que gostaria de exibi-lo para meus alunos e desenvolver duas semanas de aulas a respeito". João Baptista, não esconde, entretanto, que o final é pessimista, ao menos sem esperança: - "O filme termina num estado de crise. Se o Brasil está assim não é mera coincidência... e eu não tenho culpa disto". LEGENDA FOTO 1 - Flávio Antônio e Buza Ferraz em "O País dos Tenentes", de João Baptista de Andrade. (Foto de Vinícius Andrade). LEGENDA FOTO 2 - João Batista de Andrade.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
07/08/1987

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