Udegrudi Bressane faz o filme sobre Os Sermões
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 03 de novembro de 1989
Brasília
Júlio Bressane, um dos cineastas mais controvertidos do chamado cinema udegrudi, realizador de filmes mais cuidados (especialmente pela imprensa) do que vistos pelo público - como "Matou a família e foi ao cinema" (que Arnaldo Jabor prepara-se para refilmar), é um cineasta inventivo e que tem recebido premiações em festivais. Assim, é com natural expectativa que se espera para "Os Sermões", programado para ser exibido hoje à noite, sábado, como 4º filme em competição nesta XXII Festival do Cinema. Aqui, seu "Tabu" - obteve premiações que ajudaram a chegar ao circuito comercial e recuperar o investimento, atingindo o expressivo mercado (para uma obra experimental) de 150 mil espectadores. Em 1986, com "Brás Cubas", livremente adaptado da obra de Machado de Assis (1839-1908), levado ao festival de Gramado, também ganhou simpática repercussão e chegou a ter 35 mil espectadores (a crise de público já se acentuava) e por serem produções baratas, os seus filmes se apagaram.
Agora, numa produção igualmente modesta é filmada em duas semanas, Bressane se volta, em seu 20º filme, a um outro personagem fascinante - "Os Sermões - a história de Antônio Vieira". Só que desta vez, após sua apresentação em Brasília (de onde poderá sair com algumas premiações), seu filme atingirá um público fantástico: de 3 a 5 milhões de espectadores. Obviamente não no cinema - onde estes números só são atingidos pelos Trapalhões & Xuxa, Rambo e Batman, mas na televisão. Exatamente em cadeia nacional de 26 emissoras da TV-E, que exibirá o filme entre 7 e 14 de novembro. Uma pré-estréia do filme ocorreu em 19 de outubro, no Cineclube Estação Botafogo. No circuito comercial, este filme - que promete Bressane, "permitirá comparar o português falado por nossos candidatos à presidência com a beleza da língua portuguesa segundo um de seus criadores, o padre Antônio Vieira, com corpo e voz do ator Othon Bastos" - só começará a ser exibido no primeiro trimestre de 1990.
Em entrevista a Susana Schild, do "Jornal do Brasil", Júlio Bressane antecipava antes da primeira exibição pública de "Os Sermões", que o filme poderá cair como "uma pedrada na boca" daqueles que andam utilizando o vernáculo com "faquirismo verbal", passando ao largo de qualquer possibilidade de forma e conteúdo.
No mínimo aumentaria o nível de exigência do ouvinte - diz Bressane, que por isto decidiu estrear o filme na TV, um casamento ainda experimental, mas que atende a ambição, necessidade e urgências antigas. As negociações entre a TV-E/Embrafilme foram bem sucedidos e assim parte do custo do filme (entre US$ 90 a US$ 100 mil) será amortizada pela compra. Quanto o restante do que custou, Bressane confia em seu reduzido mas fiel público.
Tratando-se de um filme de Bressane, naturalmente que não é uma narrativa convencional. Rodado durante apenas 13 dias entre Rio e Salvador, Bressane filmou "Os Sermões" do padre Antônio Vieira (1608-1697) escritos nos seus três últimos anos de vida. A inventividade de Bressane vai ao ponto de raciocinar que se Vieira "botou a língua portuguesa em sintonia com o mundo", ele colocará o filme sobre Vieira em sintonia com o cinema brasileiro e mundial. Assim, 18 trechos de obras-primas como "Cidadão Kane" e "Joana D'Arc" são trazidos para o universo do padre, e os lábios em close de Orson Welles (1915-1985) murmuram "Vieira" e não mais "rosebud" na cena de abertura de "Cidadão Kane" (1940). O "estalo de Vieira" é representado por uma cena de "o homem da cabeça de borracha", de Georges Meliés 91861-1938) e Vieira criança é representado pelo filho de Othon Bastos. Caetano Veloso, que em "Tabu" já havia representado Lamartine Babo, está no elenco, ao lado de sua atual (Paula Lavigne) e ex (Dedé Veloso) esposas, mais Eduardo Tornaghi, Bia Nunes, Guará Rodrigues e até a participação especial do poeta concretista Haroldo de Campos lendo um trecho de "galáxias". Enfim, um filme com todas as propostas de vanguarda, na linha da invenção - termo que um de seus admiradores, o crítico Jairo Ferreira, cunhou para ajudar o público menos intelectualizado (mas aberto ao inusitado) a aceitar o seu cinema extremamente pessoal. Mesmo antes de ser exibida, Bressane já provoca discussões que elevam a temperatura do Festival.
LEGENDA FOTO - Othon Bastos é o padre Vieira em "Os Sermões", de Júlio Bressane, que concorre hoje em Brasília.
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