Um conto de amor com as cores da juventude
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 14 de junho de 1980
As primeiras imagens são daquilo que se pode chamar de << cinema dentro do cinema >>: Robert Redford e Paul Newman numa das seqüências mais dramáticas de << Butch Cassidy >> (1970). No interior do cinema, um adolescente cinemaníaco, Daniel (Thelomious Bernard) olha, deslumbrado, o sexto longa-metragem de George Roy Hill (e o seu primeiro grande sucesso de bilheteria). Nas seqüências seguintes, as referências continuam no ritmo da << curtição >> cinematográfica. Ao assistir as filmagens onde Kay King (Sally Kellerman) levou sua filha, Lauren (Diane se apresenta à garota dizendo: pode me chamar de Boggie >>, numa referência ao << nikname >>, com que os amigos de Humphrey Bogart (1898-1957) o chamavam, especialmente sua esposa Lauren Bacall. Outras referências cinematográficas marcam todo o desenrolar de << Um Pequeno Romance >> (cine Rivoli, ao menos até amanhã em exibiçã), um dos mais líricos e belos filmes do ano. Talvez quando um cineasta pode fazer uma espécie de catarse na tela, colocando um pouco de sua vivência de cinemaníaco na adolescência, os resultados são tão positivos. François Truffaut, ao estrear na longa-metragem, aos 27 anos, em << Os Incompreendidos >> (Les 400 Coups, 1959), após três curtas-metragens rodados entre 1954-58 - período em que também exercitou a crítica, no << Cahiers du Cinema >> ( em sua melhor fase) - colocava já o seu personagem Antoine Doinel (Jean Pierre Leaud) - que retornaria em 5 outros filmes (o último dos quais recém-lançado em Paris) com motivação cinematográficas. Truffaut, como Godard, seu companheiro de geração na explosão criativa da << nouvelle vague >>, atingia justamente o público e a crítica pela espontaneidade de seus personagens, a linguagem despojadas e sinceridade - e o tema cinema, retornaria no premiado << A Noite Americana >> (la Nuit Americaine, 73). As referências a Truffaut - como a outros cineastas que tenham procurado, com honestidade, a simplicidade em seus filmes, justifica-se frente ao êxtase e felicidade que a visão de << A Litle Romance >> provoca.
George Roy Hill, aos 58 anos, é um jovem realizador americano de Minneapolis, estudou música em Yale e na Irlanda, lutou na II Guerra Mundial e na Coréia e teve sua formação via televisão escrevendo, atuando e dirigindo especiais, inclusive adaptações premiadas que, posteriormente, chegaria ao 35mm, com outros diretores (<< Judgement at Nuremberg >> e << Helen Morgan Story >>, por exemplo). Passou ainda pela Broadway e ao estrear na direção escolheu um dos bons textos de Tennesse Williams, << perdido of Adjustment >> (<< Contramarcha Nupcial >>, 62), com Jane Fonda (em início de carreira) e Tony Franciosa, peça que ele mesmo já havia dirigido no palco. Nos 18 anos seguintes, a filmografia de George Roy Hill variou do melodrama (<< Na Voragem das Paixões/Toys in the Attic >>, 63) ao musical (<< Positivamente Millie >>, 67), sem deixar de incluir um vigoroso drama de guerra (<< Matadouro 5/Slaughterhouse 5 >>, 71), um dos melhores filmes da década de 70.
<< Um Pequeno Romance >>, rodado em Paris, Verona e Veneza, tem a grandeza dos filmes simples: o romance << E=Mc2, Mon Amour >>, de Patrick cauvin, tem um toque de conto de fadas ou de um << love story >> sem a demagogia de Erich Segal: um casal de adolescentes que se conhece em Paris e decide se beijar debaixo da Ponte dos Suspiros, em Veneza, para serem felizes para sempre. A menina é solitária, devido à futilidade de sua mãe, enquanto o rapaz entre o mundo mágico do cinema a uma disponibilidade de quando se tem 13 anos. Julius (Laurence Olivier), aparece como um velho anjo da guarda, um cupido da maturidade, em seu encanto de personagem extremamente bem construído - e que pode ajudá-los a realizar o seu sonho. Tudo em << Um Pequeno Romance >> tem a marca da simplicidade: antes mesmo dos créditos serem projetados, com os minutos de introdução ao filme, o espectador já está << fisgado >>. Numa época em que o erotismo, a violência e a contestação dominam o cinema (e as outras formas de arte/comunicação), a ternura que Roy Hill buscou colocar em << Um Pequeno Romance >> pode até soar como falsa frente << revolucionário >> (sic) << inteligentzia >> (sic, sic) que costuma << curtir >> os cinemas de arte (???) e freqüentar sessões paralelas (Museu Guido Viaro, etc). Mas para quem tem suficiente inteligência para reconhecer que a suavidade, o romântico, o sonho também devem (sobre)viver, << A Little Romance >> é um programa indispensável. Em alguns momentos, o roteiro de Allan Burns nos remete a um filme que Gene Kelly dirigiu em 1957 e que passou totalmente desapercebido (em Curitiba, exibido uma única semana no Ópera): << Todos a Paris >> (The Happy Road, com Kelly e Barbara Laage). Naquela fita, um casal de adolescentes também se encontrava em sua juvenil solidão e tentavam uma caminhada - no caso, num roteiro inverso, em direção a Paris (no filme de Hill, eles deixam Paris rumo a Veneza).
A violência de nossos dias, a solidão da multidão aprisionada na selvageria das cidades, a concorrência de cada um, faz com que pareça estranha uma estória de amor, simples, terra, de dois adolescentes, os adultos que os rodeiam e um idoso ex-vigarista que decide ajudá-los. Tudo isso fotografada com máxima perfeição, valorizando ao máximo os exteriores rodados em Paris, Verona e Venezuela - e embalado por uma das mais belas trilhas sonoras dos últimos anos, composição do francês Georges Delerue (e que foi indicado ao Oscar por este trabalho).
Assim como Godard buscou colocar, muitas vezes, diretores e atores, com seus nomes reais, em suas fitas aqui também há a presença do veterano Broderick Crawford, um dos melhores coadjuvantes do cinema americano (mas que também atuou na Europa, como em >>A Trapaça/II Bidone >> 55, de Federico Fellini) vivendo ele próprio: um ator que nem sequer se lembra dos filmes que fez, tantos foram e que se surpreende com a << enciclopédia >> de informações sobre cinema que é o garoto Daniel. É natural que a identificação de Daniel Michon em sua juventude e paixão pelo cinema com uma geração de cinemaníaco faça com que << Um Pequeno Romance >> extrapole a sensibilidade de sua simples história. Mas é inegável que a competência de George Roy Hill, os excelentes intérpretes e, especialmente, o << timing >> exato de cada seqüência, façam de << Um Pequeno Romance >> o exemplo do filme que tem cada vez mais público - e por isso, seria incompreensível que a partir da primeira semana no Astor não retornasse para que mais algumas milhares de pessoas pudessem assisti-lo. De certa forma, esta produção da Warner é uma espécie de reconciliação do cinema com o público que nos últimos anos passou a ver nesta forma de criação/entretenimento apenas imagens de sexo & violência. << Um Pequeno Romance >> é um conto de fadas misturado a uma << love story >> que todos gostariamos de ter tido no pais maravilhoso que é a adolescência. Onde todos já namoramos um dia - e dele conservamos um pouco em nossas retidas.
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