Um quase musical com sabor de milk-shake
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 20 de setembro de 1990
Há filmes que reúnem elementos de agrado para o público que faz com que se lamente o momento em que ele acabe. "Susie os Baker Boys" (Lido II, 5 sessões, hoje último dia em exibição) é um exemplo deste cinema que consegue ser popular, inteligente, agradável e chegar a várias faixas de público razoavelmente informado.
Poderia ser um musical. Aliás, parte da crítica lamentou que o estreante diretor-roteirista Steve Kloves, 30 anos - vindo de bons trabalhos como roteirista (como "Adeus à Inocência/Racing With the Moon", 84, de Richard Benjamin) não tenha transformado-o num musical assumido - que há anos falta ao cinema. Afinal, elementos para tanto não faltam! Os irmãos-pianistas Frank e Jack Baker (Beau e Jeff Bridges, irmãos também na vida real, filhos do ator Lloyd (Bridges) tocam juntos há 15 anos. Apresentam-se em restaurantes de hotéis, pianos-bares mais (ou menos) sofisticados com um repertório de fácil agrado. Mas quando o mercado começa a ficar mais exigente decidem ampliar para um trio, procurando uma cantora de boa voz e presença. Já estão quase desistindo quando surge Susie Diamond (Michele Pfeiffer), que esconde no início sua sensualidade atrás de trajes meio hippie mas surpreende vocalmente. A fórmula dois pianos e uma voz dá certo e os contratos melhoram.
Só que a química com um a bela mulher traz alguns conflitos existenciais: Frank, casado, 2 filhos, monógamo, é fidelíssimo à mulher (que não aparece em nenhuma cena). Jack, solteirão, mais talentoso, mas frustrado músico de jazz - que freqüentando bares na madrugada faz então a música que não pode desenvolver com o mano - no início evita maior relacionamento com Susan - inclusive porque seu irmão, Frank, acha que isto traria problemas. Mas é inevitável que acabem indo para a cama e a relação profissional começa a se deteriorar para um rompimento entre os três. No final, não chega a existir um happy end embora fique uma proposta aberta e imaginação do espectador.
Mais do que o roteiro bem desenvolvido e a luminosa (nos dois sentidos) fotografia do alemão Michael Bauhaus (que Martin Scorcese soube tão bem aproveitar em seus filmes, especialmente "Depois das Horas") utiliza bem os cenários - de Seatle a paradisíacos hotéis 5 estrelas nos quais o trio se apresenta. Os irmãos Bridges são bons atores e Michelle Pfeiffer - que o público só descobriu em "Ligações Perigosas" mas que antes mesmo já vinha fazendo bela carreira - está belíssima, com uma sensualidade que alcança a maior voltagem, por exemplo, quando num tentador vestido vermelho, deitada sobre o piano dedilhado por Jack canta "Making Whoope". Depois, desde do caro piano, com salto alto, pisando nas teclas. Pianistas de concerto se horrorizariam com tal sacrilégio.
A trilha sonora (GRD, que a CBS brasileira ainda não se animou, infelizmente, a editar) é esplêndida: uma coleção de hits marcantes, mais temas incidentais e duas referências brasileiras - "The Girl From Ipanema" dedilhada pelos manos Bakers e "Feelings" do carioca-americano Morris Albert, citado ao logo de uma longa discussão - e depois cantado por Susan. Dave Grusin, responsável pela montagem desta trilha, também dublou Jack ao piano.
Indicado a 4 Oscars - inclusive de melhor atriz para Michele Pfeiffer - "Susan e os Bakers Boys" é o filme que tem o sabor de milk shake temperado com champagne auditiva. Com algumas gotas do melhor Shervas Regal visual. Ou seja: um filme gostoso de se ver. E escutar.
LEGENDA FOTO - Susie (Michele Pfeiffer) e os irmãos Baker (Jeff e Beau Bridges) num filme delicioso em ritmo musical: hoje, últimas exibições no Lido II.
Enviar novo comentário