Unanimidade Buarqueana?
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 13 de janeiro de 1990
Nelson Rodrigues dizia que a unanimidade é burra. Por isto é bom que não exista (mais ) tanta unanimidade em torno de Chico Buarque. Afinal, ele não é burro! Ao contrário, uma das mais lúcidas inspiradas, honestas e coerentes cabeças deste Brasil de poucos ídolos que resistem ao tempo.
Aproximando-se dos 50 anos, uma obra que comporta inúmeros ensaios, livros e biografias - como a recém-lançada ("Letra e Música"), de Humberto Werneck, edição MPM/Companhia das Letras), Francisco Buarque de Hollanda sabe o que custa suportar o prestígio de ser, há quase três décadas, o número um da música popular brasileira. Acrescido do fato de que pelo menos por 20 anos carregou ainda o estigma da resistência político-ideológica. Não é sem razão, portanto, que Chico é arisco, discreto, temeroso de envolvimentos com pessoas que não conhece o suficiente para merecer sua amizade/atenção.
Sua obra é indiscutível. Não satisfeito em criar algumas das mais belas imagens poéticas da canção verde-amarela, Chico tem freqüentam o teatro, cinema e até o ballet - este último, por arte e estímulo de Marcelo Marchioro, atualmente estudando alemão em Berlim, que quando diretor artístico da Fundação Teatro Guaíra, insistiu para que Chico, unido ao parceiro Edu Lobo (que já havia realizado "Jogos de Danças", para o Ballet Guaíra) também fizesse a música para um novo ballet de nossa companhia oficial: "O Grande Circo Místico". Com libreto de Naum Alves de Souza, a partir de um poema de Jorge de Lima (cujos herdeiros cobram os tubos para autorizar o uso do texto), o ballet demorou mas resultou num espetáculo primoroso. Tanto é que os sucessores de Marchioro no Guaíra, voltaram à mesma forma: encomendaram a Edu/Chico um novo bailado. Só que este demorou tanto, que só acabaria estreando quase três anos depois. Se no palco a beleza de "Dança da Meia Lua" foi menor que o "Grande Circo Místico", musicalmente resultou em alguma canções que agora podem ser melhor apreciadas no 15o. disco de Chico (BMG/Ariola): "A Permuta dos Santos", "Valsa Brasileira" e "Na Ilha de Lia", "No Barco de Rosa" - todas, naturalmente, parcerias com Edu.
Chico fugiu do óbvio neste disco. O ciclo de protest songs está esgotado, a era das esperanças aguarda resultados (?) concretos e assim, poeta de seu tempo, sem ismos e comprometimentos acadêmicos, o nosso compositor maior prefere a simplicidade da palavra trabalhada como na própria "Uma Palavra", uma das faixas do lado B:
Palavra prima
Uma palavra só a crua palavra
Que quer dizer tudo anterior ao entendimento, palavra...
...Não de fazer literatura, palavra
Mas de habitar fundo
O coração do pensamento, palavra
Paixão maior, o "Futebol" - tema tão pouco (re)visitado na musicografia brasileira, merece uma bela música, enquanto "Morro Dois Irmãos" é naturalmente o momento alto. A ironia fica no sambafoxé "Baticum", parceria com Gil, enquanto a voz suave de Bebel - filha de João Gilberto e Miúcha, sua sobrinha - enternece "A Mais Bonita". Arranjos perfeitos de Luiz Cláudio Ramos - o grande arranjador de 1989, mais Djavan, Cristóvão Bastos, Gilberto Gil e Celso Fonseca.
Chico unanimidade nacional! É o maior! (ah! existem, alguns mal-humorados que discordam. Ainda bem, pois citando Nelson Rodrigues, a unanimidade é burra).
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