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Aramis

Alvorada Nativista (VIII)

A partir da primeira edição da Califórnia - Canção Nativa de Uruguaiana, há 14 anos passados, a música gaúcha começou a se transformar. Não poderia mais ser erroneamente confundida com a música rural ou mesmo sertaneja, já que há características diversas em cada região. O estilo caipira de parte do Centro Oeste, Interior de São Paulo e Norte/Noroeste do Paraná, difere, completamente, da música regionalista do Rio Grande do Sul. Escrevendo sobre a importância do renascer nativista, Gilmar Eitelvein disse na "Zero Hora": "Tinhamos Teixeirinha como garoto-propaganda e alguns grupos regionais com projeção estadual, na maioria ofuscados pelo caipirismo que inundava o Interior do País. Embalados pelas trilhas sonoras das telenovelas, no auge da repressão política e do verde-amarelo pendão da esperança, a figura do gaúcho estava em extinção apesar do sucesso das paradas patrióticas de 20 de setembro". Assim, a consolidação da Califórnia da Canção Nativa, hoje de importância internacional e, agora, o surgimento do Musicanto - que já em sua segunda edição (10 a 14 de outubro),igualou-se ao evento de Uruguaiana - vieram comprovar a força de toda uma cultura que busca temas ligados à terra,a o povo, seus usos e costumes regionais. XXX Não existe ainda um calendário preciso de todos os eventos nativistas que ocorrem no Rio Grande do Sul. Mas pode se imaginar que há uma média de 2 a 3 promoções importantes a cada mês. Fala-se em 40,50 e até 60 festivais nativistas. O jornalista Juarez Fonseca, editor de música popular da "Zero Hora" e que atualmente trabalha num livro sobre o que vem correndo na música gaúcha nos últimos dez anos, não concorda com estes números.Diz o experiente profissional: -"De repente, se espalhou uma prosa sobre a inflação de festivais nativistas no Rio Grande. O primeiro levantamento dava 31 ou 32, e logo a coisa aumentou e já eram mais de 40, e por aí foi, até que começou a discussão sobre se cabia tudo no Estado. Uns defendendo a proliferação porque seria chance de gente nova aprecer e, afinal, a "seleção natural" se encarregaria de, com o tempo, fazer desaparecer os fracos e ficarem os fortes. Outros, argumentando que tanto festival assim diminuiria o nível de qualidade de todos, porque os compositores juá começavam a se repetir, e porque a inflação sempre é ruim e aquela coisa toda". Exageros a parte, o fato é que os festivais de música do Rio Grande se multiplicam e obtêm projeção. São batizados com nomes interessantes e, como já frisamos, registrados emdiscos. Isto os diferencia dos que acontecem em outros Estados. No Paraná por exemplo, há também muitos festivais de música popular em cidades do Interior (e mesmo em Curitiba), mas que ficam isoladas em suas comunidades e jamais tiveram qualquer gravação das músicas finalistas ( a exceção seria o promovido pelo Grupo Positivo, mas este abriga apenas alunos de seus colégios). XXX Depois da Califórnia - e excluindo o Festival da Barranca, devido suas características especiais- o segundo grande festival nativista que surgiu no Rio Grande do Sul é a Tertúlia Musical Nativista, promovido há cinco anos pela Associação Tradicionalista Estância do Munuano, de Santa Maria. Amauri Dalla Porta, 63 anos, fisioterapeuta aposentado e presidente da comissão que organiza o festival, explica: -" Tertúlia Nativista surgiu para concorrer com a Califórnia. E em cinco edições já provamos nossa força". Realmente, sediada numa das principais cidades do Rio Grande do Sul - importante antrosamento ferroviário e sede de uma das maiores universidades do País - a Tertúlia vem crescendo a cada não. Em 1985, deverá acontecer no primeiro semestre - já que o mês de maio, quando tradicionalmente ocorreria, é demasiadamente frio na região. Os prêmios não são altos. "Não queremos inflacionar a competição" explica Dalla Porta, acrescentando: - Entretanto, procuramos dar o máximo de ajuda de custo aos compositores e intérpretes que participam. O jornalista Juarez Fonseca atribui a uma lista elaborada pelo Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore a confusão da proliferação dos festivais. Diz ele: - "Na lista do IGTF, por exemplo, há festivais anunciados e que acabaram não acontecendo, festivais que se realizaram apenas uma vez, e há bastante tempo. Há também festivais que ainda não aconteceram". Consagrados já estão além da Califórnia, da Tertúlia de Santa Maria e,naturalmente, o Musicanto (desde sua primeira edição, no ano passado), a Ciranda teuto-Rio-grandense, de Taquara; a Vindina da Canção de Flores da Cunha, o Festival da Música Crioula, de Santiago do Barracão; a Coxilha Nativista, de Cruz Alta; a Seara da Canção, de Carazinho (todos estes com mais de 4 anos). Agora, entrando em suas terceiras edições, a "Ronda, de Alegrete; a Gauderiada de Rosário do Sul; o Sinuelo da Canção, em São Sepé. Outros festivais - embora, mais recentes - se secedem: a Recluta da Canção Nativa, em Guaíba (que tem a originalidade de oferecer um cavalo de raça como primeiro prêmio); a Jornada Nativista, de Taubaté; a Carreira da Canção Nativa, de Passo Fundo; o Pastoreio da Canção Nativa, em Novo Hamburgo; o Acampamento da Canção Gaúcha, de Campo Bom; a Vigilia da Canção Nativa, de Cachoeiro do Sul; o Chimarrão da Canção Missioneira,de Coronel Bicaço; o Festival da Música Gaúcha, em Santa Bárbara do Sul. Há também o festival de Santo Augusto, enquanto que em Uruguaiana além da Califórnia, existe outro importante evento nativista: um festival exclusivamente para poetas e declamadores - a chamada Charqueada da Poesia", com premiações em várias linhas (folclórica, campeira, etc). Em Caibaté, aconteceu este ano a I Jornada Nativista Estadual, enquanto que paralelamente ao Rodeio Crioulo, em Vacaria, já em 15 edições, há também um Rodeio da Música Gaúcha, instituído a partir deste ano. XXX Gaúcho adora contar causos, E por isto já existe, há três anos, o Encontro de Contadores de Causos, promovido em São Gabriel, paralelamente à Semana do Carreteiro, em fevereiro de cada ano. Os assuntos são dos mais abrangentes - caçada, campereada, carreteada, carreira de cavalos, costumes, doma, fandango, heróis, amor e, especialmente, assombrações. Gravados em fita, os causos permitem interessantes análises folclóricas. Antonio Augusto Fagundes, 49 anos, professor de História do Folclore nos cursos de pós-graduação na Faculdade Palestrina, em Porto Alegre, acompanha cuidadosamente estes encontros. Afinal, publicou há pouco tempo um delicioso livro ("Causos do Galpão", Martins Livreiro Editor, Cr$ 4 mil), nos quais reúne deliciosas e hilariantes estórias. Preparando-se para fazer doutorado em Folclore na Sorbonne, em sua interessante tese de mestrado, chamada "As Santas Prostitutas", analisa três causos de mulheres da chamada "vida fácil", que após serem assassinadas por militares, tornaram-se motivos de veneração e aos quais se atribuem milagres: Maria Degolada, Maria Isabela e a Irmazinha do Carmo. Ao saber de Maria Bueno - também assassinada por um amante militar - "Nico", como Fagundes é chamado, se entusiasmou: -"Isto fecha na minha tese: mulher de vida irregular que se transforma em santa junto ao povo após ter sido assassinada".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
26/10/1984

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