Burro Brabo, o avô dos nossos motéis
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 15 de outubro de 1989
Condições para merecer tombamento pelo patrimônio histórico não tem. Entretanto não deixa de ser, dentro da outra história curitibana um prédio com valor sentimental e lembranças alegres para a faixa de quem tem mais de 50 anos.
Destelhado em parte, abandonado e aguardando apenas a decisão de uma venda do amplo imóvel, o casarão estilo italiano, com suas telhas goivas, construído no início do século que por muitos anos sediou aquilo que se poderia classificar de avô dos motéis logo estará totalmente desaparecido - o Burro Brabo é apenas uma lembrança dos circunspectos (hoje) curitibanos que, em suas mocidades, ali viveram momentos de amor clandestino.
Avenida Prefeito Erasto Gaertner, 2.035 - uma quadra adiante da Aeronáutica. Eis o endereço do Burro Brabo, um dos endereços originais da vida boêmia entre os anos 40/50, dos quais não existem maiores referências do que a memória daqueles que o frequentavam.
Um casarão amplo, cercado da curiosidade popular por ele elevados muros e cedros frondosos - alguns ainda resistindo. Em seu interior, salas individuais, compartimentalizadas, nos quais os casais ficavam em completa tranqüilidade. Após o garçon - em elegante smoking, discretíssimo - servir as bebidas solicitadas, as portas eram fechadas e só se fosse utilizado a campainha (com um suave som) o garçon voltava para reabastecer as doses. Não havia propriamente camas nas pequenas salas-compartimentos, mas poltronas ofereciam conforto para enlevos amorosos. "O que fazia falta era um banheiro individual" reclama um velho jornalista, hoje afastado da profissão, mas que passou muitas horas de sua juventude no Burro Brabo.
Quem fala com nostalgia do Burro Brabo - para muitos, Burro Brabo - é o advogado José Cadilhe, 67 anos a serem completados no dia 5 de novembro, paranaense de Ponta Grossa mas há 45 anos em Curitiba. Solteirão, carnavalesco e homem da noite durante muitas décadas, numa gravação para a série Memória Histórica do Paraná, patrocinada pelo Bamerindus, Cadilhe - entre deliciosas estórias curitibanas, lembrou os seus tempos de estudante, quando frequentava não só o Burro Brabo, mas outros endereços vistos, preconceituosamente, pela conservadora sociedade da época.
Qual a razão do nome de Burro Brabo para a casa de prazer da avenida Erasto Gaertner - que na época, aliás não tinha ainda o nome do ex-prefeito de Curitiba?
- Não sei - diz Cadilhe. Consta que no local, antes de ser um espaço para o amor havia um grande armazém, defronte o qual eram amarrados burros trazidos de regiões vizinhas a Curitiba. E eram animais indomados, que ameaçavam os que deles se aproximavam.
Embora o prédio localize-se às margens da avenida, o terreno ocupado pelo Burro Brabo era imenso, espalhando-se por milhares de metros quadrados do verdejante bairro do Bacacheri. Distante aproximadamente 7 km da Praça Tiradentes, chegar ao Burro Brabo era difícil. Não havia caminhos pavimentados e muito menos linhas de ônibus regulares. "O que trazia mais privacidade aos homens que o procuravam, justamente os que possuíam veículos próprios ou podiam pegar táxis, que na época chamava-se de carros-de-praça" explica Cadilhe de Oliveira, acrescentando um dado importante:
- O Burro Brabo não era um cabaré, um rendez-vous ou casa de tolerância como as que existiam em outras ruas de Curitiba. Ao contrário, os cavalheiros ali levavam suas companhias, sempre com discrição, para tomar um aperitivo, jantar - havia um bom restaurante - e fazer aquilo que hoje a garotada chama de "amassos". Ou seja, uma cruza de drive-in com motel, mas sem maldade...
Na história da noite curitibana - ainda a espera de quem a pesquise e escreva - o Burro Brabo constitui um bom tema. Quem foram seus proprietários, quantos anos durou, os personagens que ali passaram? O imóvel - mesmo em fase de decadência, abandonado há anos - ainda existe, mas até agora foi difícil localizar a quem pertence. Considerando a valorização imobiliária da região - e o amplo espaço existente o seu valor é de muitos milhões de cruzados. Mais dia, menos dia, ali se erguerá um novo prédio cujo nome não será Burro Brabo, com toda certeza. Afinal, no folclore imobiliário de Curitiba existe o edifício Graças a Deus, monumento kitsch, cujo nome teria sido dado por uma das proprietárias, ao terminar a obra e poder anunciar sua aposentadoria da madrugada.
No muro branco da velha construção do Burro Brabo há hoje apenas um romântico grafitte, identificação dos novos tempos que fazem com que o amor clandestino que ali tinha guarida, hoje seja apenas recordação:
Vanessa: de tudo no mundo o que eu mais quero é ter Você!
(E Vanessa, convenhamos, não era um nome comum há 40 anos passados...).
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