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Aramis

De João a Wagner, os lps que valem o que custam

Desde que estreou como cantor-compositor, em duas faixas ("Mulher Valente é minha Mãe" e "Homem de Um braço Só"), no histórico"... Quem Samba Fica" (Odeon, 1971), produção do paranaense Adelzom Alves, o carioca João Nogueira, 40 anos - a serem completados no dia 12 de novembro deste ano, mostrou que veio para ficar. Compositor dos mais inspirados, com a linguagem dos grandes mestres vindos do povo, Nogueira não deixou de merecer elogios a cada um de seus novos discos com parcerias das mais importantes ou trabalhos isolados. A exemplo de Paulinho da Viola, não ficou apenas no sambão mas, sim, mostrou vôos maiores, como no belíssimo "Albatrozes". Depois de quase meia dúzia de lps na Odeon, João passou para a Polygram, onde agora faz um álbum dos mais belos do ano. Isto porque aquilo que João vinha mostrando espersamente em discos anteriores - sua admiração pelos três grandes mestres do samba carioca - Wilson Batista de Oliveira (1913-1968), Geraldo Theodoro Pereira (1918-1955) e Noel de Medeiros Rosa (1910-1937), solidifica agora numa esmeradíssima produção de Homero Ferreira. Com arranjos e regências distribuídos entre Geraldino Vespar, Nelsinho, Paulo Moura e Cristóvão Bastos, excelentes acompanhamentos, João gravou uma selesção de cada um destes mestres de sua forma, mas respeitando a forma com que os sambas antológicos foram criados. Cuidadosamente, João procurou músicas menos conhecidas dos mestres homenageados, como "Louco" (Batista/Henrique de Almeida) e "Samba do Méier" (Batista/Dunga), "Você Está Sumindo" (Pereira/Jorge de Castro), "Pedro do Pedregulho"(Pereira), além de Noel Rosa não faltar com uma emocionante recriação do "Feitio de Oração" (com Vadico) ou o sempre irônico "Psitivismo" (com Orestes Barbosa). Um disco brasileiríssimo, lindo valorizado pela cuidadosa apresentação, com capa dupla e ilustração de Elifas Andreato. "Passagem", Ariola, 1981) é a confirmação definitiva que o jovem Carlinhos Vergueiro, 29 anos, precisava para se incluir entre os grandes de sua geração. Filho de um admirável hpmrm de rádio e teatro Carlos Vergueiro, desde 1958 diretor da Rádio Eldorado, de São Paulo, e agora voltando aos palcos (como os Curitibanos puderam ver na semana passada, em sua segura atuação do personagem Carl Gomm em "O Homem Elefante"), Carlinhos compõe e toca violão desde adolescente. Se "Como Um Ladrão", lhe deu o primeiro lugar no festival "Abertura", da Globo, há seis anos, seria do encontro com J. Petrolino pseudônimo do letrista, produtor, jornalista e publicitário Aluízio Falcão, diretor artístico dos Discos Eldorado - que encontraria a "outra parte" para retratar em músicas de muita felicidade o quotidiano do amor & desamor, numa linguagem que não deixando de ser paulista consegue ser universal. Carlinhos tem tido outros parceiros - não se pode esquecer, o antológico "Por Que Será?", que fez com Toquinho e Vinícius, uma bem-humorada brincadeira com João Nogueira e Noveli ("Samba Menor", com a participação de ambos neste disco), com o múltiplo Cacaso ("Refém"), Artur Gebara ("Tudo que Faltou") ou Gribaldi Otávio ("Baque"). Mas, para nós, é com Petrolino que estão seus melhores trabalhos neste cuidadoso "Passagem": "Camisa de Força", "Bandida"e "Morena". Acumulando também a letra, Carlinhos fez "Melhor Pros Dois´ e "Vendaval" e, para o irmão, o excelente pianista Guilherme, agora tocando no Chico's Bar, no Rio e que ano passado produziu seu lp independente "Afinal...", Carlinhos letrou o "Samba do Breque". Um tema tão forte e vibrante que nem necessitava ganhar letra. De qualquer forma, ouvir "Passagem" com Carlinhos e os excelentes amigos músicos que o acompanham neste lp é um prazer. Prazer idêntico que provoca a audição dos discos de Nogueira e Vergueiro, é a dupla audição de "A Festa", lp com o qual a RCA comemorou os 40 anos dos mais respeitável nome de seu elenco - grande Luiz Gonzaga, álbum, aqui já comentado, e "Coisa mais maior de grande - Pessoa" (Odeon, 1981) com Luiz Gonzaga Jr. No emocionante "A Festa", entre os convidados especiais, o velho Lua teve o filho Gonzaguinha em "Não Vendo, nem Troco", parceria da dupla e Milton Nascimento em emocionante recriação de "Luar do Sertão" de Catullo da Paixão Cearense. Em "Pessoa" álbum que Gonzaguinha classifica como o mais completo desta sua carreira marcada por uma admirável coerência, temos um compositor-intérprete que, desde os duros anos da repressão de 1968 vem provando que é importante ser coerente e que se pode ser romântico (e até insinuantemente erótico) sem deixar de ser político e acre. Assim a dualidade romantismo-crítico está presente em todos os seus discos e, mais do que nunca, sente-se neste álbum belíssimo. "Eu Entrego a Deus", "Pacato Cidadão", "A Fábrica de Sonhos", "Fala Brasil", "Trabalho e Festa", "Geraldinos e Arquibaldos ll", e, especialmente, "O saco cheio de Noel", são músicas onde Gonzaguinha coloca toda sua ironia, seu deboche, sua maneira de fazer com que o público cada vez maior - que o admira, se conscientize de que nem tudo está bom, de que é necessário pensar e (re)pensar o valor, as verdades ditas como oficiais. Mas Gonzaguinha, apesar de seu aparente amargor (para muitos aparentemente até confundido com um mau-humor permanente) é também um homem que aos 36 anos acredita ainda na humanidade, como diz nos belíssimos versos de "Pessoa", a faixa título deste álbum indispensável de ser ouvido e preservado como um momento marcante de nossa MPB: "Enquanto eu acreditar que a pessoa é a coisa mais maior de grande Pois que na sua riqueza revoluciona e ensina Pois pelas aulas do tempo,aprende, revolta por cima Eu vou cantar... Por aí". Depois de Heraldo do Monte, chegou, finalmente, a vez de Theo de Barros fazer o seu disco-solo na Eldorado. Dentro da excelente programação que Aluízio Falcão traçou para fazer do Estúdio Eldorado a gravadora mais brasileira possível, Teófilo Augusto de Barros Neto, carioca de nascimento, 38 anos - completados dia 19 de março último, mas filho de um compositor pernambucano e uma vivência de 27 anos de São Paulo - não poderia ficar apenas num disco. Assim "Primeiro Disco" é um álbum duplo, ao longo do qual, nas quatro faces, é sintetizada um pouco do muito que este violonista, compositor, arranjador etc., tem feito. Espaço houvesse, todo um ensaio seria desenvolvido para mostrar as várias fases de Theo de Barros, que integrou grupos instrumentais, participou de dezenas de elepês importantes, dividiu com Airto, Hermeto e Heraldo o histórico Quarteto Novo, fez música para montagens do teatro de arena, sentiu a influência da melhor fase da Bossa Nova e, nestes últimos anos, tem se dedicado a arranjos e a música publicitária. Assim, no lado A do disco 1, temos aquilo que se pode chamar de "fase agreste" de Theo, com "Chegada", "Vim de Santana", "Disparada" (parceria com Vandré, que muitas vezes esqueceu de dividir os méritos desta música que, há 16 anos empatou com "A Banda", de Chico, no ll FMPB-Record), "Oxala", além de uma interessante "Festa de Touros", de raízes folclóricas e "Maria do Carmo", um dos temas que Theo compôs para o filme "Quelé do Pajeú", de Anselmo Duarte. No lado B estão as músicas da fase do Teatro de Arena, quando Theo musicou "Bolivar", "Doce América latino-americana" e "Arena Conta Tiradentes". A única faixa deste lado fora desta fase é: "Estória", parceria com Paulo Cesar Pinheiro, letrista que volta em "Ando Te Amando tanto", música que abre o lado A do disco dois onde Theo mostra sua face romântica, com positivas influências da Bossa Nova. Pessoalmente nos parece extremamente emocionante este período de Theo, com músicas como "Pra Não Ser Mais Tristeza", "Mar Sereno", "Orbita" e "Nena". Finalmente, na última face, 4 músicas de um período mais recente, mostrando que Theo não parou - ao contrário, está com uma produção da melhor forma: "Praça da República", ": Parte do Leão", "História de Uma Vitória", e "Partida". A única música conhecida desta face - e que não poderia faltar é "Menino das laranjas", que há 12 anos foi o maior sucesso na voz de Elis Regina. xxx Neste pacote de registros de lançamentos excelentes - todos sérios candidatos à lista dos melhores do ano, não poderia faltar ao menos uma citação de "Trem Mineiro", terceiro elepê instrumental de Wagner Tiso, Maestro, arranjador, tecladista e sobretudo compositor, este mineiro de 36 anos, uma larga quilometragem musical, identificado com Milton Nascimento desde sua adolescência, é hoje um dos arranjadores mais diasputados. Como instrumentista compositor já revelou na série de 3 elepês do Som Imaginário toda uma extraordinária versatilidade. Mas tem sido nestes últimos três anos, em álbuns da Odeon, onde tem tido liberdade para colocar todas suas idéias e concepções, que tem atingido os pontos mais altos. Ao contrário dos dois discos instrumentais anteriores, "Trem Mineiro", por razões econômicas, não teve a ampla secção de cordas que Tiso tão bem sabe utilizar. Em compensação, a integração com músicos como Mauro Senise (sax alto), Cidinho (percussão), Luisão (baixo), Roberto Silva (bateria), Ricardo Silveira (guitarra - violão - ovation), Serginho (trombone), Leo Gandelman (sax alto), faz com que cada uma das oito faixas se ouça com uma imensa emoção. Classificar em gêneros e graus, procurar descrição de palavras para transmitir a beleza, a harmonia e as cores sonoras com que Wagner marca este seu trabalho, é, em nosso entender, quase impossível. Com exceção de "banda da capital", parceria com Nivaldo Ornellas e uma regravação de "Os Pássaros" (Milton Nascimento) as outras composições são exclusivamente de Wagner. E em todas sente-se como um trabalho perfeito quando lhe dão condições: "Cello Caribe", "Sobe Serra, Desce Serra", "Mata Burro", "Trem Torto" e "Trem Mineiro", são temas instrumentais que sem deixarem de serem brasileiríssimos, podem emocionar pessoas de qualquer parte do mundo. Sem falar em "Armina", composição dos tempos do Som Imaginário, que volta em nova roupagem. Um disco emocionante e antológico, o mínimo a dizer...
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Jornal da Música
25
31/05/1981

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