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Aramis

Memórias de Bakum

Ironias do destino: na mesma sala da Biblioteca Pública onde há 18 anos o pintor Miguel Bakum (28 de outubro de 1909-3 de fevereiro de 1963) sofria um dos mais terríveis golpes profissionais de sua vida, na noite de quarta-feira, merecia uma homenagem póstuma: a inauguração com uma mostra retrospectiva da Sala Miguel Bakum, idealizada por Ênnio Marques Ferreira e Fernando Velloso, dois artistas que sempre souberam reconhecer o talento de Bakum. Artista da maior sensibilidade, Bakum vinha colecionando medalhas desde 1947 - quando recebeu a de outro, no I salão oficial do Clube Concórdia - e, em 1962, após ter merecido sucessivamente as medalhas de prata em dois salões paranaenses (1950; 1961), esperava receber a de ouro - a grande láurea da época. Ao invés disto, lhe foi dado um prêmio de aquisição, representado por uma caixa de tintas oferecido pela firma Arno Iwersen S/A. O choque foi grande. E recorda Adalice Araújo, crítica de artes visuais hoje de renome mundial, no catálogo da mostra aberta na Biblioteca Pública: << Além da sensibilidade aguçada e do espirituallismo mórbito, Bakum sofre muito com a sua situação econômica que se agrava na década de 60, mediante a marginalização imposta aos pintores figurativos. Acredita que, com a chegada do abstracionismo, sua arte não teria mais vez, inclusive junto aos artistas da nova geração, por quem sentia mais afinidade do que com os acadêmicos. Sente-se lamentavelmente só. Para seu mundo em crise, um pequeno detalhe poderia ser a gota d`água. Efetivamente os resultados do XIX SPBA de 62 desgostaram-no profundamente. Seu estado depressivo acentua-se cada vez mais, até que, numa tarde quente de 3 de fevereiro de 1963, o fim trágico... Bakum suicida-se, enforcando-se em seu ateliê. Além de seu próprio estado e das múltiplas pressões, até que ponto teria sido influenciado em sua admiração por Van Gogh e Getúlio Vargas? No meio de seus pápeis, foi encontrada uma cópia da carta de adeus de Vargas e, paradoxalmente, as páginas de um diário, impregnadas de convulsões místicas: << Hoje, dia 29 de maio de 1960, implorei ao Papa Pio XII para me conceder o poder de externas a Deus em minhas telas. O sinal foi dado de imediato, um grande estrondo, que chegou a abalar o atelier, em seguida, o visível, a luz apagou totalmente, terminada a oração >>. Apagou-se como a vida de Bakum se apagaria 3 anos mais tarde. O banquete antropofágico em que nossos mitos vem sendo paulatinamente devorados faria mais uma de suas vítimas... >> Nos 105 quadros reunidos por Fernando, Teca e Enio da Coordenadoria do Patrimônio Cultural, praticamente todos cedidos por particulares (hoje as telas de Bakum valem de Cr$ 50 mil para cima), está um pouco do mundo deste homem que, há 20 anos, dizia: << Eu sou um abstracionista atualizado >>.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
23/05/1980

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