Airto e Flora ganham Grammy mas o Brasil fica sem saber
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 27 de fevereiro de 1992
Nem Milton Nascimento ("Txai"), nem Dory Caymmi ("Brazilian Serenade"). Quem levou o Grammy de "Best World Music" foi o quase curitibano Airto Moreira.
O que? Por certo muitos indagarão. Afinal, toda a imprensa nacional só falou em Milton e Dory como os candidatos brasileiros à esta premiação máxima de indústria fonográfica americana e mesmo quem acompanhou atentamente as três horas em que durou a festa no Rádio City Music Hall, via Rede Globo, não viu o percussionista Airto ser mencionado entre os vitoriosos.
Entretanto, às 22h30 - 17h30 na Costa Oeste nos Estados Unidos, de sua mansão em Santa Monica, Airto nos telefonava para, naturalmente excitado, informar:
- "Acabo de saber que recebemos o Grammy na categoria World Music.
Estamos comemorando, pois é uma vitória das mais significativas, já que a imprensa americana dava como favorito o grupo Gypsy Kings, que está trazendo uma música cigana, de grande penetração na mídia".
Insistindo em utilizar o pronome nós, Airto traduzia o trabalho de equipe que representou o trabalho vencedor do Grammy: "Planet Drum". Conforme comentamos, em primeira mão nacional - na edição de O Estado do Paraná, no domingo, 20 de outubro de 1991 - este álbum, lançado nos Estados Unidos por uma pequena etiqueta justamente chamada The World/Ryko, foi um trabalho que embora tendo como líder o também percussionista Mickey Hart, foi concebido e desenvolvido com intensa participação de Airto Moreira e sua esposa, a cantora e compositora Flora Purim. Uma proposta sonora avançadíssima - dentro da linha de trabalhos criativos na área de percussão e voz que Airto vem desenvolvendo nos últimos anos - "Planet Drum" teve a participação de instrumentistas que o produtor e músico Mickey Hart buscou em várias partes do mundo, "para realizar um sonho que tinha há muitos anos" como escreveu no texto da capa deste álbum - lançado nos EUA em fita e CD - obviamente, inédito no Brasil.
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Apesar de todos os méritos de Milton Nascimento - cujo "Txai", gravado em 1990, no interior da Amazônia, com a participação de autênticas vozes indígenas (e que lançado pela Sony, nos EUA, no ano passado, esteve entre os discos mais vendidos em sua categoria) e de "Brazilian Serenade" que Dory Caymmi, 49 anos, desde 1989 radicado nos EUA, gravados na Warner - que tiveram indicações ao Grammy, na categoria criada a partir de 1990 - "World Music" (para reunir trabalhos vindos de outros países, com suas características), o "esquecimento" da imprensa brasileira em lembrar a participação dos brasileiros Airto e Flora no álbum "Planet Drum" - que acabou vitorioso - é injustificável.
Afinal, Airto Guimorvan Moreira, catarinense de Itaiópolis, 50 anos completados no dia 5 de agosto do ano passado, desde 1968 nos Estados Unidos, já acumulou dezenas de premiações nos Jazz Pool da Down Best e Playboy (quando a revista de Hugh Haffner promovia este evento), participou de centenas de gravações, tem uma discografia das mais respeitáveis e passa quase 10 meses por ano viajando pelo mundo. Igualmente sua esposa, Flora Purim, 50 anos a serem comemorados no próximo dia 6 de março, chegou a desbancar Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan no Jazz Pool da "Down Beat" em 1974, quando foi eleita a melhor cantora de jazz. Com muitos álbuns gravados, Flora acaba de fazer um novo disco - "Queen of the Night", pela Warner, com lançamento na segunda semana de março (*), com lançamento dentro de duas semanas, antecipando a nova tournée que ela e Airto, com o atual grupo Fourth World - da qual fazem parte o baixista brasileiro José Neto e o tecladista Garry Meek - iniciam pelo Japão. No final da excursão, Airto e Flora virão novamente ao Brasil, "apenas para rever parentes e amigos" nos dizia na noite de terça-feira Airto, cuja mãe, dona Zelinda, reside no bairro do Boqueirão.
Em 24 anos de Estados Unidos - onde nasceu a única filha, Diana, 20 anos, começando também sua carreira de cantora (entre suas amigas e fãs, a atriz Jane Fonda), Airto e Flora tem se mantido numa pole position musical raras vezes alcançados, por tão longo período, por artistas brasileiros.
A premiação do Grammy a um álbum de cuja criação e realização Airto e Flora foram fundamentais é mais uma consagração a este casal que em quase um quarto de século nos Estados Unidos não perdeu suas raízes brasileiras. Tanto é que o último projeto de Airto - um álbum com o título "The Other Side of This", a sair ainda neste semestre, foi em grande parte registrado com sons naturais - ruídos de rios e cachoeiras dos arredores de Curitiba, cantos de pássaros no pomar da casa do compositor Reinaldo Godinho, em Santa Felicidade e outras manifestações da natureza (chuva, raios, trovoadas), que Airto, com seu DAT, por duas diferentes ocasiões em que esteve em Curitiba (1990/91), fez questão de capturar numa série de fitas. Com profundo envolvimento espiritual, dentro de uma fase de grande energia criativa que marca o Airto Moreira hoje cinquentão - bastante diferente do jovem crooner dos tempos da Orquestra do Osval e do King's Club, no virar da década de 50 para os anos 60, quando chegou de Ponta Grossa, onde passou sua infância.
Nota
(*) Sempre atenta a grandes talentos, Filó incluiu neste novo disco, "Queen of the Nights", nada menos que três composições de Filó (José Sérgio Machado, Ribeirão Preto, 3/3/1951), um dos compositores brasileiros de maior criatividade, mas totalmente ignorado no Brasil. Nunca obteve data para se apresentar no Paiol na atual administração e sua única apresentação aconteceu numa barulhenta noite no "Lancelot", botequim do Largo da Ordem. Não é sem razão que há quase dois anos Filó passa a maior parte de seu tempo em Paris, onde começa a ser devidamente reconhecido.
LEGENDA FOTO - Airto e Flora: na criação e interpretação de "Planet Drum", premiado com o Grammy na categoria "World Music". A imprensa lamentou a derrota de Dory Caymmi e Milton Nascimento - que concorreriam na mesma categoria - e esqueceu de lembrar a presença dos brasileiros no disco premiado.
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