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Aramis

"Planet Drum", uma ONU percussiva e criativa

Apesar de Mickey Hart, ex-integrante do histórico Grateful Dead, ter seu nome destacado na capa de "Planet Drum", este álbum - premiado com o Grammy - foi resultado da fusão de talentos vindos da Nigéria a Nova York City, num encontro que ultrapassou a simples arregimentação profissional. O primeiro destaque que Hart faz é para Airto Moreira, seu amigo de muitos anos, com quem já havia trabalhado no histórico "Apocalypse Now Sessions" (*). Da Nigéria, veio Bobatunde Olatunji, com seus instrumentos de nomes estranhos como djémbe. Também da Nigéria, é Sikiru Adepoju, com seus dundun e gudugudu. Zakir Hussain trouxe muitos instrumentos de uma distante província do norte da Índia, onde nasceu mostrando o som não só da tabla, mas também do duggi tarang e madal. Em algumas faixas - como "Dance of the Hunter's Fire" juntaram-se outros instrumentistas como Frank Colon (Shekere), Giovanni Hidalgo ("Shekere" e congas), Caryl Ohrbach ("Shaker"), e T. H. "Vikku" Vinaykram ("Gatham"). Como única mulher - e especialmente vocalista - integra ao projeto, a sonoridade da garganta de Flora flui como um especialíssino instrumento. Verdadeiro ONU terceiromundista sonoro, "Planet Drum" reuniu composições coletivas, em sua maioria, embora o nigeriano Babatunde apareça como único autor de "Jew" ("You Are the One") e "Ijanu" ("Surprises"). Airto e Zakir Hussain são os autores e intérpretes de "The Dancing Sorcerer", no qual o brasileiro faz longos solos de berimbau - instrumento que o fez popularíssimo em sua escalada musical nos Estados Unidos. "Planet Drum" - com o substituto de "A Celebration of Percussion and Rhythm", teve uma produção executiva de Hart, com apoio de Frederic Lieberman e D. A. Sonneborn, capturando a crônica fascinante do som percussivo e primal em diferentes partes do mundo" como consta na informação que acompanha sua edição em cassete-cromo. Longe porém do simples exotismo sonoro - primitivo em sua forma - as 12 faixas que compõe este álbum fascinante refletem instrumentistas criadores com a visão mais lúcida de um som de raízes, de diferentes partes do mundo, mas que se identificam de uma forma única e especial. Méritos que os 7 mil membros da National Academy of Recordings Arts Sciences reconheceram para dar a esta produção o maior troféu da indústria fonográfica americana, que há 34 anos vem galardeando - hoje em 74 diferentes categorias - a música gravada que acontece nos Estados Unidos. Um projeto que hoje tem uma edição assemelhada, no Brasil, graças ao idealismo de José Maurício Machline: o Prêmio Sharp de Música, já em sua 6ª edição - e de cujo júri temos, desde 1987, a honra de fazer parte. Nota (*) Em 1979, Francis Ford Coppola convidou Airto e Mickey Hart para criarem parte da trilha sonora de "Apocalypse Now", sua mais famosa super-produção. O trabalho de Airto e Hart, com destacada participação de Flora Purim, acabou reduzido na mixagem final - consta que por um pouco de ciúme profissional do falecido Carmino Coppola (compositor e pai de Francis), de forma que só no encerramento do filme ouve-se a percussão de Airto, Hart e outros músicos - e um gutural canto de Flora. Irritado com o desperdício do material produzido, Mickey produziu o álbum "Apocalypse Now Sessions" (RCD 10109/RACS, 1980), que se tornou um collector's iten, por trazer a "outra trilha" musical do mais famoso filme do final dos anos 70 - e que não foi aproveitada. Desde esta época, nasceu uma grande amizade entre Hart, Airto e Flora que, juntos, na casa do percussionista brasileiro, comemoraram terça-feira a vitória de "Planet Drum".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
27/02/1992

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