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Aramis

Alvorecer Nativista (VI)

Durante quatro anos, Nelson Coelho de Castro viveu em Curitiba. Morou na Vila dos Bancários e estudou no Colégio Rio Branco. Num bar da Avenida Iguaçu, conviveu com outros jovens que gostavam de música e ali fez as primeira composições. Filho de um representante comercial, retornou a Porto Alegre (onde nasceu, há 31 anos), em 1972. Hoje, 12 anos depois, vive de sua música, já tem dois elepês gravados e é requisitado para shows em todo o Estado. No ano passado, por insistência de uma das melhores cantoras gaúchas, Berê (Berenice Bianche, Caxias do Sul,1959), compôs "No Sangue da Terra Nada Guarani", que, levando ao I Musicanto, em Santa Rosa, obteve o primeiro lugar. Berê foi consagrada como a melhor intérprete. Hoje, ela mora no Rio e, enquanto não obtém o merecido espaço que procura, no mundo musical, em escala nacional, trabalha como assessora de Miguel Proença, pianista gaúcho que dirige a Sala Cecília Meireles. XXX Nelson Coelho de Castro abriu o Musicanto, na noite de 10 de outubro, com a música "Vivente". Interpretada em duo com uma das mais gratas revelações que já vimos, a encantadora Suzana Maris, a canção surpreendeu ao público pela letra moderna e criativa, embora calcada num tema bem atual: a soja, a bolsa de cereais de Chicago e a exploração do lavrador. No final daquela noite, composto dos músicos Osvaldo Gaona (paraguaio, radicado em São Paulo), Daniel Morales (uruguaio, radicado em Santa Maria), Geraldo Falch (pianista e arranjador, ex-diretor artístico da Isaec), compositor e cantor Leonardo (Jader Moreci Teixeira), publicitário Jesus Iglesias e poetas Gilberto Carvalho e Luiz de Miranda, o júri desclassificou a música de Nelson.Descepções e protestos. No primeiro número do boletim do festival, editado com competência por duas simpáticas jornalistas (Mariluza Cdosta e Rosa Mancheski), já houve uma violenta crítica à "injusta desclassificação". Airton Ortiz, jornalista, diretor da Tchê Edições, lamentou o fato de Nelson Castro (escolhido como a personalidade musical gaúcha de 1983 e "o nome mais importante de nossa música") não ter ficado para a finalíssima. Mas outros compositores jovens, que, sem abandonar as raízes, buscam uma renovação, também foram desclassificados: Mário Barbará, com "Gaucho-Bronze" e "Chamado"; Galileu Arruda, com "Brujas Y Brujos" (que voltaria a cantar em dois outros shows, sempre com muitos aplausos); Pery Souza ("Haragano") e Bebeto Alves ("NovoPaís"). Galileu tem já um elepê pela Continental e Bebeto, grande destaque no prêmio Playboy 84 (primeiro lugar, como compositor-revelação) está deixando a WEA, pela qual fez um elepê ao vivo e um compacto simples de boa vendagem. Durante os cinco dias do festival muitos cobraram a desclassificação dessas músicas. Nelson Coelho, ao fazer um show na noite seguinte à sua participação como competidor, fez mais: cantou a música que havia sido desclassificada, agradeceu os aplausos e chamou os jurados de "pelegos insensíveis". XXX Em dezembro de 1982, na XII Califórnia, Bebeto Alves, apesar de filho de Uruguaiana, teve sua apresentação ameaçada pela explosão de uma bomba. É que, em entrevista a um jornal "Tchê", afirmou seu desprezo pelo nativismo. Tentou, posteriormente, esclarecer sua posição, mas ficou mal colocado, ao voltar para sua cidade, uma espécie de Nashville crioula em termos musicais. Uma nova geração de compositores, intérpretes e instrumentistas gaúchos tem procurado o seu espaço nacional. Se Kleiton & Kledir, ex-almôndegas, já obtiveram uma grande projeção, o irmão mais novo, Victor, após um primeiro experimental disco na Polygran, há três anos, fez há pouco o mais vanguardista elepê do ano. "A Paixão Segundo V" custou mais de Cr$ 100 milhões - uma soma altíssima mesmo considerando toda a inflação - e de retorno impossível. Apesar de seus méritos vanguardistas - como já destacamos há algumas semanas - dificilmente o disco de Victor Ramil venderá mais do que cinco ou seis mil exemplares. Em compensação, o elepê instrumental do acordeonista Renatinho Borghetti passa logo das 100 mil cópias, quebrando uma maldição: até agora, nunca um instrumentista obteve um disco de ouro. Custou menos de Cr$ 2 milhões e com ele a Sigla?RSB, associados no projeto fotográfico, estão tendo um lucro de mulhões. Airton dos Anjos, produtor executivo, lamenta: -"Se tivesse comissão já teria embolsado Cr$ 8 milhões. Pelão (João Carlos Botezelli), 41 anos, um dos mais respeitados produtores fonográficos brasileiros (fez os [discos] de Carlota, Adoniran Barbosa, Carlos Cachaça, a série das histórias de Samba do Rio, Cururu, etc), acompanha a maioria dos festivais nativistas. Em relação ao custo do disco de Victor Ramil é crítico: -"Gastando Cr$ 100 milhões em seu disco, Ramil cortou a chance de uma dezena de outros colegas fazerem também seus elepês". Realmente, há uma fila de espera de talentosos compositores, intérpretes e cantores para gravarem. O sucesso do disco gaita-de-ponto de Borghettinho vai abrir lugar para [virtuosos] que ainda não chegaram a gravação. É o caso de Gilberto Monteiro, gaiteiro e halterofilista, gaúcho de Santiago do Boqueirão, inédito até agora em discos, mas um fenômeno artístico, um inovador e que na opinião de dois dos maiores acordeonistas do Cone Sul, os argentinos Raulito Barbosa e Tarrago Ros, "um fenômeno que só aparece de tempos em tempos". O Rio Grande do Sul tem excelentes gaiteiros - em diferentes gêneros. Por exemplo, os irmãos Bertussi, da chamada zona da Serra, já fizeram muitos elepês na Copacabana, etiqueta que abriga outros bons acordeonistas do Rio Grande do Sul: Tió Bilia, Moraezinho, Arnóbio Bilia, Os 3 Xirus, Horneyde Bertussi, entre outros. Aliás, agora saiu o novo disco de Aldelar Bertussi, gravado em Porto Alegre, no estúdio Isaec. A vitalidade do gênero é tamanho que até a multinacional WEA não despreza o campo e contratou o popular Gaúcho da Fronteira (Herbert Artigas), cujo novo elepê ("Gaita Companheira") traz 12 músicas das mais animadas. FOTO LEGENDA - Nelson, premiado em 83; desclassificado em 84
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
24/10/1984

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