Choro (I)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 27 de novembro de 1977
A verdade seja dita: Marcus Pereira, ex-publicitário que há cinco anos decidiu provar que é possível uma gravadora dedicar exclusivamente a música brasileira, foi um dos primeiros a investir e acreditar no choro. Pois esse centenário gênero, que ao longo de sua história tem atravessado crises, descaminhos e principalmente o esquecimento do público - em (conseqüência(, é claro da falta de divulgação - estava há muito tempo precisando de um revigoramento. Marcus Pereira soube investir em discos de instrumentistas (Evandro do Bandolim, Raul de Barros, Abel Ferreira, Carlos Poyares e outros), que embora excelentes virtuoses, não tinham chances de fazerem seus elepes mostrando a sua competência instrumental. Paralelamente, um compositor e cantor da sensibilidade de Paulinho da Viola, filho de um veterano chorão - o Cesar do grupo Época de Ouro, voltou-se ao gênero promovendo o show "Sarau" e estimulando a criação do Clube do Choro, no Rio, que logo teve (seqüências( com outros, em várias cidades, inclusive Londrina (onde de 29 de novembro a 4 de dezembro realiza-se o 1º Encontro Nacional do Choro). Resultado: em 1977, o Choro explodiu com imensa força, surgindo grupos de jovens instrumentistas, dezenas de elepes, festivais (São Paulo), novas produções, aproveitamento de choro em trilhas de telenovelas, etc.. Agora pergunta-se "por quanto tempo o choro vai resistir?"
O implacável J. Ramos Tinhorão, um dos juizes no festival de choros, o Brasileirinho, é pessimista: "O choro só vai ficar em evidência, enquanto as multinacionais do disco não tiverem outro iê-iê-iê para nos massificar". O "Jornal do Brasil" (12/10/77) comentando o fato, acentuou que muitos consideram extremada a opinião de Tinhorão, como é o caso de Sivuca, o acordeonista que morou tantos anos nos EUA: "As multinacionais acabaram com muita coisa, mas não podem acabar com a capacidade de criação de homens conscientes a nossa cultura não morre".
Marcus Pereira, otimista e entusiasmado, acha que a revalorização do gênero "é a própria revalorização do Brasil por parte de um público cansado da imposição da música estrangeira".
Nunca a imprensa, incluindo sofisticadas revistas, deu tanta cobertura ao choro. E o interesse, por enquanto, é crescente. Um dos maiores perigos que alguns vêm na massificação do choro seria a repetição daquilo que acabou prejudicando o samba em seu boom comercial há 4 anos: a queda da qualidade, aparecendo o "sambão-jóia". O argumento tranquilizador é que o choro requer muito mais sensibilidade e técnica, tanto de quem toca como de quem ouve. Ou seja, é difícil aparecer um Benito Di Paula no choro.
Em compensação, as gravadoras estão esvaziando seus baús, relançando velhas matrizes, muitas vezes sem maiores critérios. Assim, a Chantecler, se por um lado, prestigia o saxofonista Domingos Pecci ("um saxofone no choro", Rosicler, 2-12-407-265, outubro/77), que estava esquecido há anos, criou também uma série ("Chorinhos e Chorões") para reedições, que atinge pontos graves em seu volume 3, onde o acordeonista Mario Zam, a banda da Guarda Civil de São Paulo, Rosário de Caria e outros artistas menores aparecem como "chorões". Respeitamos tais artistas, mas querer impo-los como chorões é confundir o ouvinte. Há, evidentemente, neste lp algumas faixas de alguma decência chorística ("Chorinho na China", com Carlinhos Mafasoli; "Suave Murmúrio", com Joãozinho do Cavaco), mas no geral o resultado é falho.
Para compensar, o saxofonista Domingos Pecci, que há muitos anos andava esquecido, mostra sete composições próprias em "Um Saxofone no Choro" - "O Pandeiro do Alaor", "Dadá", "Meigo", "Mágoas de um Chorão", "Flor de Abóbora","Um Chorinho para Dois" e "Teu Sorriso". Para completar o elepê, gravou o clássico "Saxofone, Por Que Chora?" de Ratinho "Chorando" (Atanázio D. Lima), "Este Choro é só (meu(" (Moacyr Braga), "Que Noite Estrelada" (Victor Sangiorgio) e "Tico-Tico no Fubá" (Zéquinha de Abreu).
Bem significativo é a edição do primeiro lp do Grupo de Choro paulistano ("Na Glória do Choro", Chantecler/Alvorada, 2-10-407-205, outubro/77), uma espécie de cooperativa musical, formada por bons instrumentistas. O que torna diferencial esse elepê, entre tantos discos de choros que tem aparecido e o destaque dado ao bombardino, instrumento de sopro executado por Felpudo e Galhardo (vice-presidente da Ordem dos Músicos do Brasil e integrante da Sinfônica de São Paulo), os quais se somam ao som do pistão e floog de Buda, as cordas de Natal e Miranda, nos violões e cavaquinhos. Uma faixa, especialmente, "Bombardinando", de Geraldo Auriene, permite Felpudo e Galhardo mostrarem seu virtuosismo neste instrumento. Auriene é autor de outras faixas interessantes - "O Chorão", "Paulistano", enquanto Mirando mostra os seus "Adriana" e ("Teimosinho"(; de Gilberto Gagliardi são "Cara de Pau", "Bem Temperado"; e de Buda é "Centenário do Choro". As demais faixas foram reservadas para choros já conhecidos, mas em arranjos valorizados pelo talento dos intérpretes: "Flor Amorosa" (Catulo - Joaquim Antonio da Silva Callado), "Brasileirinho" (Waldir Azevedo); "Tico-Tico no Fubá" (Zéquinha de Abreu), "Na Glória" (Ary dos Santos/Raul de Barros) e "Murmurando" (Fon-Fon-Mário Rossi).
Outro ótimo disco de choro, lançado há poucas semanas é o do Grupo Chapéu de Palha (Beverly/Som AMCLP-5467, setembro/77), Hermínio Bello de Carvalho, o poeta, produtor e brasileiro que tanto tem feito pela nossa música, acentuou na contracapa do disco que o Chapéu de Palha - que os curitibanos puderam aplaudir acompanhando Carlinhos Vergueiro e Carmem Costa, durante o Projeto Pixinguinha, é mais do que um grupo de chorões. O grupo liderado por Waldir "Sete Cordas" Silva, um dos instrumentistas mais disputados para gravações, "tem a mesma fisionomia do grupo que toca em fundo de quintal, sob mangueiras ou jaqueiras frondosas, com batidinha de limão e cervejinha gelada servindo de fundo pros improvisos que nascem dos músicos que o público das gerais vem pedindo com sofreguidão". O Grupo Chapéu de Palha é formado por Waldir, no violão de 7 cordas; Toco-Preto, cavaquinho (autor da maioria das músicas deste lp), Zé da Velha, no trombone: Josias Nunes dos Santos, flautista; Rubens dos Santos, pistonista e maus Parada (José Henrique), na percussão e Jairo, violão de 6 cordas. Na temporada curitibana, o grupo veio com uma formação um pouco diferente: o excelente Pitanga no clarinete e sem o Zé da Velha. Das faixas gravadas neste PL, há pelo menos 5 temas novos: "Mineiroso" (Geraldo Barbosa), "Chorinho Apaixonado" (Neuza Paula), "Tema Chapéu de Palha" (Toco-Preto), "Gingadinho" (Toco-Preto / Valdir de Paula), "Peça Bis (Toco Preto / Valdir de Paula) e "Espinha de Bagre" (Humberto Rubin), de Pixinguinha - Benedito Lacerda, são "Ingênuo", "Sofres Porque Queres" e "Proezas do Solon"; de Ernesto Nazareth, "Matuto"; de Catulo-Callado, "Flor Amorosa".
Mas se os discos do grupo de Choro Paulistano e Chapéu de Palha já merecem a classificação de bons, ótimo é o álbum duplo "Choro Na Praça" (WEA BR 22005/6, outubro/77), produção da sempre admirável Gaby Leib e Julio Cesar Costa, reunindo os melhores momentos dos três shows que Waldir Azevedo (cavaquinho), Zé da Velha (trombone), Abel Ferreira e Paulo Moura (clarinete), mais Copinha (flauta) e Joel Nascimento (bandolim) fizeram no Teatro João Caetano dias 23 a 25 de junho de 77. Além do virtuosismo dos instrumentistas - sobre os quais é desnecessário falar - louve-se o fato de serem apresentados novos choros, o que achamos fundamental, pois para que esse gênero, em extraordinário revigoramento não venha a fracassar é importante que não se fique apenas nos temas tradicionais - muito embora os choros dos grandes mestres possam sempre serem revalorizados. A seleção é primorosa, enriquecida com diálogos entre os instrumentistas, fazendo deste álbum duplo - em seu calor e entusiasmo, seguramente um dos dez melhores álbuns de choros do ano. Copinha, o mago da flauta, sola, por exemplo, duas composições próprias ("Amolador" e "Margarida"), Abel Ferreira mostra "Sai da Frente", Joel do Nascimento com o seu já conhecido - mas sempre admirável "Ecos" e Waldir Azevedo com se "Vê Se Gostas", parceria com o bom Pitanga. As demais faixas são choros clássicos, mas que ganham nova dimensão, através da competência de seus intérpretes. Um álbum magnífico, documento maior do melhor choro neste ano em que a guisa do seu centenário, ele atinge o consumo.
Há dois anos, - "Arthur Moreira Lima Interpreta Ernesto Nazareth" entrou em todas as listas dos melhores discos do ano. Após o álbum duplo do ano passado, interpretando Beethovem, Moreira Lima retorna a Nazareth, com o volume 2, lançamento de Marcus Pereira e que, é claro, também está entre os grandes álbuns do ano. Pouco é preciso dizer sobre Arthur Moreira Lima, o pianista brasileiro que, ao lado de Eudoxia de Barros, mais se tem preocupado em divulgar a obra de Ernesto (Nazareth( (1863-1934). E no momento que o choro é, finalmente, aceito, nada mais do que justo a referência a Nazareth - que embora intitulando suas músicas de "tango", "tanto brasileiro" e até "valsas", fazia, há mais de sessenta anos, muito do que de melhor existe no gênero. Ouvir o piano perfeito de Moreira Lima, um virtuose como poucos, é mergulhar num mundo musical único. Não tenho dúvidas de colocar já "Arthur Moreira Lima Interpreta Ernesto Nazareth" (Nª 2), como um dos discos do ano. Gravado em Londres, num Steinway, eis um dos mais brasileiros registros de todos os tempos, com 24 temas de (Nazareth(: "Bambino", "Crê e Espera", "Tenebroso", "Favorito", "Perigoso", "O Futurista", "Plangente", "Dirce", "Subtil", "Quebradinha", "Reigo", "Espalhafatoso", "Carioca", "Escorregando", "Adieu", "Sustenta A ... Nota", "Yolanda", "Elegantíssima", "Expansiva", "Janota", "Ouro Sobre Azul", "Improviso", "Dora" e "Pinguim".
O clarinetista Abel Ferreira, que há pouco mais de um ano fez um elepê na Marcus Pereira, produzido com entusiasmo por Marco Aurélio Borba, havia gravado há alguns anos um elepe na CID, que agora é reeditado na série "Talento Brasileiro" (CID 4034, outubro/77). Apesar da genialidade de Ferreira em seu instrumento, o elepe não é apenas de choros: inclui partes vocais, sambas e até um "Tango da Meia Noite". Mas a competência do mestre Abel compensa tudo e faz deste um documento que também vale a pena ser adquirido. Melhores faixas: "Brejeiro", "Tatu Subiu no Pau", "Rato Rato" e "Limpa Banco".
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