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Aramis

Crônica Familiar

"Sonho e realidade são uma só coisa... Tudo pode acontecer. E tudo é sonho e verdade... O tempo e o espaço se confundem sobre a base frágil de uma frágil e fugitiva realidade... A imaginação tece a sua tela e cria novos desenhos... novos destinos..." (August Strindberg) xxx Uma crônica familiar. Ao invés do Bergman psicanalitico, de águas profundas e reflexões herméticas de uma obra tão notável quanto desafiadora ao entendimento do espectador comum, "Fanny e Alexander" é uma abertura para a luz, para o claro e simples compreensão do mais comum dos espectadores. Sem deixar de ser o cineasta requintado e estimulante que ao longo de 40 anos construiu uma das obras mais impressionantes no cinema, este filme de Bergman que obteve quatro Oscars na noite de 9 de abril último é realmente aberto a todos os públicos - desde os que buscam apenas uma estória bem contada, quase em tom de folhetim televisivo (e não foi sem razão que originalmente foi realizada, com 8 horas de duração, para a televisão sueca) até os mais exigentes, que não dispensam o uso de símbolos, signos e mergulhos na mente humana - que durante tantos anos reservaram a obra do cineasta sueco para uma elite privilegiada. Aliás, a crítica cinematográfica paulista teve o mérito de, há 30 anos passados, ser a primeira a reconhecer o talento de Ingmar Bergman, que fazendo cinema já há dez anos ( "Crise", seu primeiro longa-metragem é de 1945), era ainda pouquíssimo conhecido e valorizado na Europa. Através de "Juventude"(Sommerlek, 1950), "Quando As Mulheres Esperam"(Kvinnors Vantan, 52), "Uma Lição de Amor" (En Lektion I Karlek, 1954) e, especialmente, "Noites de Circo"(Gycklarnas Afton, 1953), critico como Walter Hugo Khouri (que depois se tornaria cineasta e seria acusada de realizar toda uma obra calcada em cima de Bergman), então escrevendo no suplemento literario d` "O Estado de São Paulo" passaram a insistir na importância do cineasta escandinavo. Mas foram necessários quase 20 anos para que Bergman chegasse a platéia maiores, pois mesmo com o Oscar (1959, por "A Fonte da Donzela") e premiações em festivais de Veneza e Cannes ("Morango Sil vestres", 1957), suas obras continuaram difíceis para uma grande faixa de espectadores. É bem verdade que na década de 60, isolado na ilha de Faro, realizou os filmes mais difíceis, verdadeiros ensaios visuais da psicologia humana, como "O Silêncio"(1962), "Quando Duas Mulheres Pecam" (Persona, 1966), "A Hora do Lobo" e "Vergonha", ambos de 1968 - sem citar outros que permanecem inéditos ("O Rito", também de 1968). A partir de 1969, com "Paixão de Ana" parece ter começado um novo processo de visão do mundo, deixando uma visão tão claustrofóbica e neurótica de seus personagens - embora "A Hora do Amor" (1970) e, especialmente, "Gritos e Sussuros" (1972), não passam serem considerados filmes de fácil consumo. Há 10 anos, quando "Cenas de um Casamento"- também realizado originalmente para a televisão sueca, chegava em sua redução de 180`nos cinemas - já haviam um público mais preparado para aceitar o cinema bergmaniano, garantindo assim aceitação a seus filmes seguintes - "Sonata de Outono"(1978) e ao surpreendente "O Ovo da Serpente"(1979, rodado em Munique). Depois de "Da Vida das Marionetes"(1980), vem este "Fanny e Alexandre", rodado em 130 dias, entre setembro de 1981 a março de 1982, com 140 atores e mil figurantes - numa produção de US$ 7milhões - uma soma alta para padrões da Suécia embora razoável se comparada aos custos americanos). De toda a filmografia de Bergman, "Fanny e Alexandre" é um filme claro, iluminado e aberto a fáceis leituras pelo público. Catipultuado com quatro merecidos Oscars - melhor filme strangeiro, melhor fotografia (Sven Nykvist, que em 1972 já havia recebido prêmio por "Gritos e Sussuros") ; direção de arte (Anna Asp) e figurino (Marik Vos). Realmente; independente dos (muitos) méritos que tem, "Fanny e Alexandre" é um filme da maior beleza visual. Poucas vezes houve uma cenografia tão integrada a uma época, figurinos tão ajustados e a fotografia em cores de um mestre de imagens que nos últimos anos passou a ser disputado pelos mais importantes realizadores cinematográficos. Entretanto, o encanto de "Fanny e Alexandre" não fica no estético, e no visual. Um grande painel de uma época - da noite de Natal de 1907 a aproximadamente dois anos depois, através da família Eknaset, da cidade de Upsala - o filme descreve os sentimentos, angústias, alegrias e tristezas de vários personagens - sempre buscando o olhar de duas crianças, justamente as personagens que dão título ao filme. Um filme que desde sua estréia internacional - há dois anos passados - vem merecendo inúmeras interpretações e análises ( como todos os filmes de Bergman), mas que não deixa de ser, basicamente, uma crônica familiar - semelhante a tantas outras já vistas nos palcos e telas, mas una e indivisível na criação de seu autor. Inclusive um final feliz, no qual as palavras de Strindberg, da peça "O Sonho "(colocadas na epígrafe desta coluna) emolduram o familiar afeto da avó Helena, acariciando seu neto Alexandre - como um significado otimista e esperançoso, de assim caminha a humanidade - sem qualquer analogia ao filme de Stevens.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
25/07/1984

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