Curtição baiana
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 06 de julho de 1976
Renovar, como navegar, é preciso. Assim pensam os musicais baianos da MPB que, pelas vozes de um de seus arautos, Gilberto Gil, também proclamam a necessidade de "aperfeiçoar o imperfeito" em busca da meta que é a perfeição. Assim, não se poderia esperar da união de quatro artistas inquietos - Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethania e Gal Costa - um recital bem comportado. Doze anos depois de terem inaugurado o Teatro Vila Velha, em Salvador, com o musical "Nós, Por Exemplo", participado de pelo menos dois movimentos musicais que balançaram o coreto da emepebe pós-Bossa Nova (da qual se consideram filhos queridos), os quatro artistas baianos reúnem-se novamente no palco, para um roteiro nacional (dia 7 em Florianópolis, 10 e 11 em Porto Alegre, a partir do dia 13 no Rio de Janeiro e depois Recife, Salvador, Brasília e Belo Horizonte), onde mais do que a visão crítica, há uma evidente preocupação com as caixas registradoras das bilheterias.
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Para muitos (inclusive críticos respeitáveis de São Paulo, onde o espetáculo estreou), "Doces Bárbaros" decepcionou. Para a garotada que acha "jóia" qualquer coisa" que Gil ou Caetano componham ou Bethania cante, o espetáculo visto pelos curitibanos no último longo fim-de-semana foi "maravilhoso". Mas a renda foi bem menos do esperado (embora superior a Cr$ 300 mil), mas para isso há à desculpa da temperatura glacial e da pouca promoção em veículos de comunicação. E também os aplausos acompanhariam as condições climatéricas: ao menos no sábado, em raras ocasiões, ouviram-se os aplausos delirantes que a união dos quatro baianos tão famosos poderiam provocar.
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A renovação pretendida por Gil e Caetano está nas músicas inéditas lançadas no espetáculo. Cada vez mais preocupados com as palavras, num puzzle verbal (e com isso, muitas vezes, pouco musical), Caetano e Gil desenvolvem suas experimentações (principalmente com a música de um amigo, o poeta hippie Waly Salormão ("Taraska Guidon"), embora "Peixe" (Caetano) também utilize basicamente um jogo de palavras Peixe/ Deixe eu te ver peixe/ Verde/ Deixa eu ver o peixe/ Vi o brilho verde/ Peixe prata". Para compensar uma dispensável e supérflua homenagem a Chuck Berry, com "Chuckberry Fields Forever", há quatro musicas novas bastante interessantes: "O Seu Amor", construída por Gil a partir da frase "Ame-o ou Deixe-o", "Pé Quente Cabeça Fria", também de Gil, "Genesis" e "Um Índio", estas de Caetano.
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Maria Bethania, bastante controlada no palco, feminina e até bonita, não tem momentos maiores de estrelismo, a não ser quando, em solo, canta "Um Índio" - a melhor música e o grande momento do espetáculo. Gal Costa, revelando toda sua beleza e mostrando que é realmente a grande vocalista, não tem, entretanto, nenhuma música a altura de sua voz. Sente-se nas duas cantoras um hiato - pois, em nenhum momento, o quarteto conseguiu uma precisão vocal. Ao contrário, cantando juntos (no início e final, com "Os Mais Doces Bárbaros"), quase não se conseguem fazer entender. E, numa prova de que o que é bom jamais desaparece, um clássico de Herivelto Martins ("Atiraste Uma Pedra") é, ao lado do recentíssimo "Fé Cega, Faca Amolada" (Milton Nascimento/ Fernando Brandt), outro dos grandes momentos deste show desigual e no qual faltou timing - tanto é que o sono chega depois dos 40 primeiros minutos - o que é inconcebível num espetáculo que pretende tanta força.
Instumentalmente, uma banda elétrica propõe um som duro e pesado em alguns solos, e entre os músicos, o grande destaque é o mineiro Djalma Corrêa, sem dúvida hoje o mais criativo percussionista brasileiro.
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