David Carneiro, o que construiu o Cine Ópera
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 07 de agosto de 1990
Nos necrológicos que a morte do professor David Carneiro, 86 anos - que havia completado a 29 de março, mereceu nas edições dominicais da imprensa, um aspecto foi esquecido: o seu lado de empresário cinematográfico e também cinéfilo, paixão que o fez sempre ser um dos mais regulares espectadores - e que só interrompeu devido a idade e às sucessivas enfermidades que sofreu.
O esquecimento deste aspecto na multifacetada personalidade de Carneiro - em tantos setores nos quais se destacou ao longo de uma vida intensa - não ficou apenas nos breves registros jornalísticos. Também no vídeo que, com tanto afeto, a cineasta Berenice Mendes realizou há quase dois anos sobre o professor David não houve qualquer menção as suas ligações com o cinema e, na monografia que lhe valeu o Prêmio Gralha Azul, "David, o Gigante", editado este ano numa pobre publicação do Banestado (109 páginas, sem ilustrações), também o historiador Wilson Boia só faz uma brevíssima referência, mas sem entrar em detalhes.
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O ingresso do professor David Carneiro na cinematografia se deu em conseqüência da iniciativa que teve, na segunda metade dos anos 30, em construir um "arranha-céu" (como eram chamados os prédios com mais de 3 andares) na Avenida João Pessoa (depois Luiz Xavier), na qual já existiam os edifícios Garcez, Avenida e, em obras, o do Braz Hotel.
Uma área de 2.600 metros quadrados, com fundos para o largo que, futuramente, viria a receber o nome de Frederico Farias de Oliveira, foi adquirido por 260 contos de réis da viúva Ida Hauer Groetzner (1880-1962). Na área, no início do século, Paulo Groetzner (1869-1933) havia tido uma grande padaria, que em 1912, daria origem a fábrica de biscoitos Lucinda, no bairro do Cabral, mas o imóvel ficou com a família até ser adquirido por Carneiro.
Na construção do prédio de 6 andares, com recursos próprios, David Carneiro investiria um milhão e duzentos contos de réis, "uma fortuna", conforme nos diria, em entrevista, há 15 anos passados.
O projeto foi do próprio arquiteto que supervisionou as obras, o carioca Lucas Meurhofer, cujas ligações com Curitiba eram bastante grandes devido ao fato de sua esposa, a cantora lírica Alice Recicaro, ter muitos parentes paranaenses.
Destinado, inicialmente, a ser apenas residencial, o edifício acabaria tendo seu térreo dividido para a entrada de um grande cinema e também uma luxuosa confeitaria - explorada pela Sra. Elsa, filha de alemães e famosa por seus doces.
O nome do edifício, "Eloísa", foi a homenagem que o professor David Carneiro fez a sua primeira filha, Eloísa Eliodora Alice Carneiro Lacerda (12/08/1933-18/03/1938), falecida devido a doença crônica.
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Construído o edifício, o professor David Carneiro arrendou o cinema - cujo luxo e conforto vinha rivalizar com o Cine-Theatro Avenida (inaugurado 12 anos antes, por Ferez Mehry) à um jovem de Ponta Grossa, Leôncio Aranoski, que desejava entrar no mercado cinematográfico curitibano - então dominado por Antônio de Mattos e já disputado por Henrique Oliva. A inauguração do Cine Ópera foi em julho de 1947, com "Tudo Isso e o Céu Também", com Bette Davis no auge de sua carreira - e, durante quase 30 anos, seria a sala mais movimentada da cidade, pois mesmo não tendo sido projetada como cineteatro, ali aconteceram concertos, recitais (como o do tenor italiano Bienamino Gigli) e eventos como o I Festival do Cinema de Curitiba (1957, quando Ney Braga era prefeito) e sediado 3 das 6 edições do "Tribunascope de Ouro", organizadas por Júlio Neto, João Feder e Henrique Lemanski, da "Tribuna do Paraná".
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A inexperiência de Leôncio Aranoski o fez, entretanto, fracassar como exibidor, e, acumulando dívidas, o Cine Ópera acabou sendo assumido pelo professor David Carneiro, que, mais tarde, entregaria a sua administração a um jovem que ajudou muito, Ismail Macedo. Anos depois, se afastaria da empresa - transformada em Orcopa, com outros sócios, e que em julho de 1965, seria vendida - já então como circuito de exibição ao comerciante Jorge Miguel Azuz, também de Ponta Grossa, que, em poucos meses, o passaria para o grupo Verde Martinez. O grupo Zonari (Vitória Cinematográfica) foi o último proprietário do cinema, antes de seu fechamento.
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Entretanto, nos anos em que esteve na direção da Empresa Cinematográfica David Carneiro, o historiador acreditou no mercado cinematográfico ao ponto de, em 1955, ter investido na construção de um segundo cinema, no terreno defronte ao largo Frederico Faria de Oliveira.
Um dos seus filhos, Fernando, recém formado pela Escola Nacional de Arquitetura, do Rio, de volta a Curitiba, fez justamente o seu primeiro grande projeto enfrentado o desafio de criar um cinema mignon num terreno irregular. Com uma belíssima decoração - murais nas paredes da artista carioca Nely Bezerra de Menezes, com a temática Arlequim / Colombina / Pierrô, e uma programação de primeira categoria, o Arlequim foi, na época, um cinema classe A - só decaindo, melancolicamente, em seus últimos anos. Foi inaugurado com um dos primeiros filmes a abordar a saga dos primeiros pilotos de aviões supersônicos - "Sem Barreira no Céu" (The Sound Barrier), 1952, do inglês David Lean (o mesmo diretor de "Lawrence das Arábias", 1962, em reprise no Ritz) com Ralph Richardson e Ann Todd.
Ainda sob comando do professor David Carneiro, a empresa se voltou à construção de bons cinemas de bairro: o Guarani, no Portão, e o Marajó, no Seminário, foram as primeiras salas confortáveis, amplas, numa época em inexistindo televisão, o cinema era não só a opção de lazer e cultura, mas, sobretudo, um bom negócio.
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O edifício Eloísa foi o primeiro edifício de Curitiba a ter um duplex - que o professor David reservou para sua residência. Ali morou entre 1943/1949, quando construiu sua casa, anexa ao Museu, na Rua Brigadeiro Franco. Durante muitos anos, somente familiares - ou pessoas muito amigas - ocuparam os amplos, luxuosos e confortáveis apartamentos do edifício Eloísa - que só a partir dos anos 50 passaram a ter utilização comercial.
Na década de 70, oprimido por dívidas e compromissos advindos de um empreendimento empresarial mal sucedido de seu filho, David Júnior, o professor Carneiro vendeu o edifício ao comerciante libanês Husseiam Hamdar que o negociaria, de uma forma muito lucrativa, com o grupo Mesbla, para ali ser instalada uma grande loja de departamentos.
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