Depois de Burt, Berenice sonha em filmar Carneiro
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 06 de julho de 1986
Há 25 anos o professor David Carneiro recebeu uma consulta, não oficial mas através de fonte digna de crédito, sobre a venda dos direitos para o cinema de seu romance "O Drama da Fazenda Fortaleza". Quem estava interessado na história era nada mais, nada menos, que o autor Burt Lancaster, então no vigor de seus 38 anos e que vinha fazendo bem sucedidas experiências como produtor dos filmes que estrelava - associado a Harold Hecht. além de sucessos como "O Último Bravo" (Apache, 54), "Vera Cruz" (ambos de 1954, direção de Robert Aldrich), "Trapézio" (1958), "A Embriaguez do Sucesso" (57), "Mesas Separadas"(1958), "O Discípulo do Diabo" 91959) e "O Passado Não Perdoa" (1960), o próprio Lancaster havia se lançado na direção, com "Homem Até o Fim" (The Kentuckian, 55).
Através de um amigo que havia vivido no Brasil, Lancaster conheceu um resumo do romance do professor David Carneiro e, voltado sempre a grandes temas, se interessou pela história. entretanto, por aquelas mil razões que fazem tantos projetos não caminharem, ficou tudo num plano não realizado - e outros filmes surgiram.
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Hoje, uma jovem cineasta de 23 anos, Berenice Mendes, que com "A Classe Roceira" vem obtendo elogios nacionais e integra agora o conselho do CONCINE - representando os documentaristas, não esconde seu grande sonho: levar a tela o romance que o professor Carneiro escreveu há 46 anos e que numa edição do dr. Dicesar Plaisant saiu publicado no inverno de 1941 (impresso na empresa Gráfica Paranaense, 274 páginas, capa e ilustrações de Theodoro de Bona).
Berenice sabe que é um sonho distante. Afinal, a dramática história do pioneiro José Félix da Silva (1760) - Castro, 22/abril/1822), colonizador da região de Castro e Tibagi, é repleta de lances dramáticos, envolvendo muitos personagens, batalhas sangrentas com os índios caingangues, que viviam nos Campos Gerais e especialmente, a crueldade com que tratou sua esposa, Onistarda, e a filha Ana Luiza - que manteve como prisioneiras nas masmorras da Fazenda Fortaleza.
José Félix da Silva foi um colonizador cruel, responsável pela morte de milhares de índios e que dirigia com mão de ferro um imenso latifúndio nas sesmarias de Tibagi e do Iapó. Chegou a possuir 86 mil alqueires, conforme o professor David Carneiro descrevia em 1941, numa palestra no Rotary Clube de Curitiba, ao falar sobre a vida deste homem - publicada como apêndice de seu romance. Por duas vezes Félix da Silva foi atacado em sua fazenda por assassinos brancos - a segunda das quais contratados por sua mulher, Onistarda e pela filha Ana Luiza que o odiavam mortalmente. Félix escapou dos dois atentados.
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Foi na fazenda Fortaleza que o pesquisador francês Saint-Hilairé, quando de sua viagem pelo Sul do Brasil, passou várias semanas - ali recebendo um tratamento gentil, o que fez o sábio europeu a lhe dedicar páginas de elogios em um de seus livros - referencial importante para a pesquisa que o professor David Carneiro fez há quase 50 anos e que resultou no romance "O Drama da Fazenda Fortaleza".
O ódio que sua mulher e filha dedicavam a José Félix da Silva, pode ser medido pela descrição feita pelo professor David Carneiro, ao relatar sua morte, a 27 de abril de 1822: "Sobre seu cadáver jogou-se Ana Luiza, para dele arrancar a chave da prisão materna. Vestido pelos vizinhos mais próximos e pelos milicianos subordinados, esperou na capela que se aprontasse a condução para o enterro em Castro. Dona Onistarda não deixou de elevar com a mesquinheza de um gesto, a figura do infeliz Sargento mór. Ela foi até o cadáver, levantou o lenço que lhe cobria o rosto e nele escarrou, rindo de prazer. E satisfeita, retirou-se, calma e fria, a passos largos, tendo ofendido menos, porém, à matéria inanimada do cadáver que devia respeitar, do que a sua própria condição feminina".
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"O Drama da Fazenda Fortaleza" é uma história baseada em fatos reais que, como romance, havia sido sugerido pelo próprio professor Carneiro, ao paulista Paulo Setúbal, autor de vários livros baseados em fatos da história do Brasil. Entretanto, Setúbal embora interessado pelo tema, morreu antes de poder trabalhar no texto, de forma que o próprio professor David Carneiro acabou escrevendo o romance - gênero que tentou poucas vezes em sua imensa presença na bibliografia paranaense.
Capaz de atrair o interesse de um ator como Burt Lancaster e com elementos dramáticos que parecem dignos do melhor ficcionista, "O Drama da Fazenda Fortaleza" tem condições para motivar uma superprodução cinematográfica, uma telenovela ou - que parece ser o caminho mais econômico - um filme reflexivo sobre o poder e a relação homem x mulher no século XVIII. Este talvez seja o caminho que a cineasta Berenice Mendes opte no primeiro tratamento do roteiro que vai começar a preparar.
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