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Aramis

B. B., o King dos Blues com canções do coração

"Um Romance Muito Perigoso" tinha muitos atrativos para o público. Uma trama ao estilo Hitchcook, nomes famosos em pontas, a firmeza do jovem diretor John Landis ("Um Lobisomem Americano em Londres", e vídeo-clip "Thriller" com Michael Jackson). Entretanto, um aspecto atraía, em especial, a faixa jovem: a incrementada trilha sonora com vários solos de B. B. King. Tanto é que a WEA lançou o álbum com a sound track e vendeu como pão-quente. Pode parecer estranho que um coroa de 61 anos tenha tanta empatia junto a instável faixa de curtidores do pop, que substituem seus ídolos com uma rotatividade maior do que as registradoras nas portarias do Labirynthe e Rick nas transas de sábado à noite. Mas o fato é que este crioulo alto, elegante - sempre se apresenta de terno, gravata e colete - consegue ser tão admirado pela geração mais tradicional em termos do jazz como pelos jovens. Assim, públicos integrados lotaram o Palace, em São paulo (2 a 4) o que deve se repetir hoje, em Porto Alegre, no gigantinho e na próxima terça-feira, 10, no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto. Depois de Curitiba, B. B. King, vai ainda ao Rio (11 a 13) e Belo Horizonte (14), retornando na manhã seguinte a Nova Iorque. O CANTO DO SUL Nascido numa fazenda do Mississipi - exatamente em Itta Bena, a 16 de setembro de 1925, de uma família de cinco irmãos - os pais, Albert e Nora Elba Pury, cantores conhecidos na região, separaram-se logo após o seu nascimento. Aos quatro anos, o garoto Riley foi morar em Kiemichael e ali cantava com a mãe nas igrejas e participaria, logo depois de um quarteto vocal. Quando tinha 12 anos, sua mãe morreu e ele voltou para Itta Bena, onde estava o seu pai. anos duros: trabalhava na colheita de algodão e andava seis quilômetros para aprender as primeiras letras numa escola: "Apenas uma sala, um professor e... 86 alunos. Seu primeiro ídolo foi um primo. Bukka White (1906-1977), conhecido como The Singing Preacher, pela emoção de suas interpretações "que amoleciam nas igrejas os mais empedernidos corações" como escrevia, ainda na semana passada, o jornalista Edmar Pereira ("Jornal da Tarde", 16/06/86). A admiração inicial foi pelo primo Bukka White, mas as influências musicais vieram de outros cantores negros, intérpretes do Blues do Sul dos Estados Unidos. Entre eles o "Big" Joe Turner (Joseph Vernon Turner, Kansas City, 18/05/1911), um dos nomes mais respeitados da chamada blues shouter - estilo gritado, vozeirão de peito aberto. A compra da primeira guitarra foi suada. Para conseguir os oito dólares teve que economizar muito. Ajuda do pai, nem pensar. No máximo o que o velho Alberto permitia era música religiosa. aliás, como tantos outros grandes cantores negros, Riley sempre frequentou muito as igrejas para cantar - o que fez regularmente até 1943. LUCILLE, A GUITARRA-MUSA Uma das características de B. B. King é chamar sua guitarra de "Lucille". Por que este nome? Foi durante o Rio-Montreaux Jazz Festival, em São Paulo, há oito anos passados, que B. B. King contou a história para um grupo de jornalistas. - "A gente tem de voltar até 1949, numa cidadezinha chamada Twist. Eu tocava num galpão de madeira, sem aquecimento. Rodearam a sala de latões de querosene, o que deu calor até demais. No meio de um baile, dois homens começaram uma briga, derrubaram um dos latões e botaram fogo em tudo. Todos correram e eu também. Só lá fora me lembrei da minha guitarra, tentei voltar mas o galpão começava a desmoronar. Me preparei para comprar outra guitarra, mas não poderia desenhar nela as letras B. B. Um dos brigões morreu no incêndio. Depois fiquei sabendo que lutavam por causa de uma mulher chamada Lucille. E Lucille passaria a denominar a guitarra de B. B. King - que se teve influências de Charlie Christian primeiro guitarrista a eletrificar seu instrumento, ainda nos anos 30 e posteriormente Django Reinhardt, o belga insuperável no violino, que marcou o Hot Club de France, também influenciaria toda uma geração; a começar pelos Beatles, Rolling Stones, Eric Clapton, Mike Bloomfield, Jimi Hendrix, Ottis, Rush, John Mayal, George Benson e Taj Mahal. NASCE O KING 1949 não foi apenas o ano de "batismo" de Lucille. Há 37 anos, Riley gravaria também seu primeiro disco na cidade de Memphis, e também ganhou os dois B. que substituíram Riley, seu nome de batismo. Em Memphis, morando com seu primo Bukka White, Riley tocava numa churrascaria. Habilidade suficiente para impressionar o pessoal da rádio local - a SWDI, que o contratou para cantar num comercial de remédio para gripe. O anúncio funcionou e os produtores da rádio o convidaram para atuar como guitarrista e disc-jóquei num dos programas. Don Kearan, outro DJ da rádio, o apresentou como The Beale Street Blues Boy (Beale Street era a rua onde ficavam os clubes de blues). Nascia assim o Blues Boy - ou simplesmente B. B. King. O primeiro disco também gravado em 1949 para uma pequena etiqueta - a RPM - continha quatro composições mas o sucesso chegaria em 1950 com "Three O'Clock Blues". Sua voz rouca, seu estilo personalíssmo, começavam a impressionar e nestes 36 anos, ele tocou com Jazzmen como George Coleman, vibrafonista Lionel Hampton e Hank Crawford. Mas mesmo com um público definido, faltava um reconhecimento mais amplo - e isto aconteceria quando os ingleses dos Rolling Stones e dos Beatles começaram a citar B. B. King como uma de suas influências mais positivas. Os Rolling Stones fizeram mais: na tourneé de 1969, por 14 cidades norte-americanas, convidaram B. B. King (e a cantora Tina Turner) para participar dos shows. Aliás, não só King, mas também Muddy Watters, Chuck Berry e muitos outros bluesmen romperam o círculo que os atrelava apenas à platéia negra, foram catapultados com o aval dos superstars ingleses. Que nada mais fizeram do que um reconhecimento a uma das maiores forças da música negra americana - finalmente nestes últimos 15 anos, devidamente internacionalizado e hoje reconhecido em si como um legítimo bluesmen.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
7
06/07/1986

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