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Aramis

Blues, o canto azul e sofrido

Memphis Slim, cujo verdadeiro nome era Peter Chatman, morreu dia 24 de fevereiro em Paris. Quem foi Memphis Slim? Foi um pianista e cantor de blues, nascido em 1915 e cujo maior sucesso foi "Everyday I Have the Blues", popularizada pela orquestra de Count Basie (1904-1984) nos anos 40. Normalmente, a morte de um bluesman como Memphis Slim nem mereceria registro na imprensa brasileira. Entretanto, hoje o interesse pelo blues faz com que as notícias a respeito comecem a ocupar espaços cada vez maiores. Estamos longe, evidentemente, de que este gênero musical seja ainda considerado popular - mas que há um interesse crescente, não resta dúvida! Como a palavra jazz, o nome blues também é flexível e generoso ao abrigar múltiplas definições e intérpretes. Desde a sua tradução - que vai do azul ao sentimento - até a abrangência de estilos que se desenvolvem ao longo de sua história. Alguns fatos indicam que o blues está em alta - nos Estados Unidos, na Europa e, agora também no Brasil. No ano passado, a WEA, utilizando o excelente acervo da Atlantic, lançou quatro álbuns duplos que valem por um verdadeiro curso de introdução ao blues. Como declarou, na ocasião, o presidente da WEA, André Midani, "o objetivo é tornar o blues mais conhecido e familiar ao público brasileiro, através de seus nomes mais marcantes". Depois veio uma nova série, com mais seis elepês - desta vez fazendo destaques individuais (John Lee Hoker, Muddy Waters). A CBS, que também dispõe de um excelente acervo, lançou uma fundamental "The Story of the Blues" - álbum duplo, que em quatro faces e ao longo de quase 50 faixas traça um roteiro do blues - do primitivo Fra-Fra Tribesman ("Yarum Praise Songs") até trabalhos contemporâneos. Nestes onze álbuns - dez da WEA e mais o da CBS, já há possibilidades de se conhecer o fundamental da música que tem suas origens nos campos de trabalho do Sul dos Estados Unidos, evoluindo dos work songs cantados pelos escravos vindos da África, tangenciando os spirituals e gospels e ganhando uma autonomia dentro das múltiplas correntes do jazz vocal. O MARKETING DO BLUES O blues conservou-se em uma relativa pureza por muitas décadas por ter sido uma espécie de gênero marginal - curtido especialmente pelos negros americanos, mas que também apaixonaria os franceses e ingleses. A tal ponto que em Londres existem duas lojas - pequenas, modestas, de difícil localização - mas especializadas em gravações de bluesman, onde é possível encontrar preciosidades, a maior parte de pequenas etiquetas, independentes, quase sempre do Sul - e com artistas que não são famosos - mas esplendidos em suas vozes fortes e pesadas, quase chorando nas palavras, num inglês cujo entendimento é um desafio até para os teachers training da Cultura Inglesa. A linguagem do blues - tanto vocal como instrumental, é extremamente individual. Triste, como o próprio nome indica, o blues exige uma identificação muito grande para a sua compreensão. Entende-se que só agora, com o mercado fonográfico sofisticando-se, gravadoras como a WEA e a CBS animem-se a trazer registros históricos de bluesman que, como instrumentistas-compositores-intérpretes marcaram a evolução desta música cujas imagens lembram negros velhos às margens do Mississipi river ou, no caso de mulheres, pretas gordas, bêbadas e sofredoras... TESOUROS RESGATADOS Os blues foram resgatados nestes últimos anos a partir da influência que vários nomes - Muddy Waters, Bo Didley, Chuck Berry, para só citar três exemplos - passaram a ser lembrados por superstars do rock. Dos Beatles a contemporâneos de sucesso, nomes importantes do pop souberam ver em guitarristas e cantores do blues, do old south, aquela carga extraordinária de emoção - numa revitalização desta música essencialmente negra em suas raízes. Assim, tanto nos quatro álbuns duplos da Atlantic Records/WEA ("Blue Anthology", lançada no ano passado), como neste mais recente "The Story of the Blues", é possível localizar fonogramas históricos, com os chiados dos tempos pré-históricos da fonografia, mas trazendo as autênticas roots desta canção negra. Por exemplo, a face "The Origen of the Blues", da CBS, abre com a documental "Yarum Praise Songs", de domínio público, numa gravação com o Fra-Fra Tribesman - seguida do "Stack O 'Lee Blues" que Mississipi John Hurt fez desta canção - repleta das características de uma música cujas origens são remetidas aos séculos XVIII e XIX. Dos oito fonogramas que mostram as origens do blues não há nenhum nome, longinquamente, que se possa dizer conhecido no Brasil a não ser por estudiosos muito especiais: Blind Willie McTell, Charley Lemmon Jefferson, Texas Alexander ou Peg Leg Howell. Já no segundo segmento ("Blues and Entertainment"), aparece ao menos uma cantora que agora, 50 anos após a sua morte, passa a ter suas gravações editadas no Brasil: Bessie Smith (1895-1937), com quem outra lendária cantora, esta de um jazz mais urbanizado, Billie Holiday (1915-1959), seria a grande discípula. Se de Bessie Smith (de quem a CBS lançou três álbuns duplos no ano passado, com co-edição com a Breno Rossi), temos a faixa "In The House Blues", fica faltando aquela que foi a legítima pioneira - "Ma" (Gertrude Melissa Nix Pridgett) Rainey (Georgia - 1886 - 1939). Duas outras bluesingers dos anos 20/30 aparecem também neste segmento - Lilian Glinn ("Shake It Down") e Bertha "Chippie" Hill ("Pratty City Blues"). No terceiro segmento - "The Rhristies, Urban and Rural Blues" a "The Story of the Blues" engloba aquelas vozes que começaram a marcar mais profundamente o ritmo - como Leroy Carr ("Midnight Hour Blues"), Faber Smith/Jimmy Yancey ("East St. Louis Blues"), Bo Carter ("Sorry Feeling Blues"), Memphis Minnie ("Me and My Chauffeur Blues") - e, o lendário Robert Johnson (Clarksdale, Mississipi, 1913 - San Antonio, Texas, 1937), com seu "Little Queen of Spades" - que ao lado de "Heldhound on My Trail" e "Me And the Devil Blues" se constituíam numa trilogia clássica. Bluesman antológico - ponto referencial no roteiro do filme "A Encruzilhada" (ver boxe, nesta página), Robert Johnson morreu jovem, assassinado por uma amante ciumenta. A última parte da "The Story of the Blues" - "World War II Anda After", traz a geração de bluesman dos anos 40 e 50 - como Sonny Terry ("I Want Some of Your Pie"), Brownie McGhee ("Million Lonesome Women"), Joe Willians ("Wild Cow Moan"), Big Boy Broonzy ("All By Myself"), Elmore James "Sunnyland"), Johnny Shines ("I Don't Know") e o contemporâneo Joe Turner, um pianista notável, nascido em Baltimore, em 1907 - e cuja discografia no Brasil é relativamente ampla, graças aos lançamentos que a Pablo/Polygram fez há alguns anos. Na riqueza do blues, há uma terra fértil a ser revolvida. O álbum da CBS é apenas uma amostragem dos tesouros que a Columbia americana possui. Já a WEA, com o catálogo da Chess Records também tem muito a oferecer. Afinal, o selo Chess está intimamente ligado com a história do blues. A gravadora foi criada pelos irmãos Leonard e Phil Chess, judeus poloneses, que antes tinham se dedicado ao comércio de bebidas alcoólicas. O maior responsável pelo sucesso da gravadora foi Muddy Waters que em 1947 fez algumas gravações para a Aristocrat que viria a ser a origem da Chess. Os irmãos Chess sentiram que Waters era um grande artista e além de o contratarem, passaram a gravar discos com quem ele indicava. Para concorrer com a Chess surgiu então a Modern, dos irmãos Joe, Jules e Saul Bihari que tinham em Ike Turner (ex-marido de Tina Turner) o principal assessor na escolha de intérpretes e repertórios. A concorrência foi saudável para o blues. E a Chess passou a lançar discos de Little Walter, Willie Dixon, Eddie Boyd, Willie Nebon, Bo Didley, Chuck Berry e Sonny Boy Williamson. Formou-se, assim, um acervo notável - que agora começa a ser reeditado - num momento em que o blues, com intérpretes de uma nova geração - Steve Ray Vaughan (texano, três álbuns já editados no Brasil), Robert Cray (que teve várias indicações ao Grammy, dia 2 último, já com um elepê aditado no Brasil) e Anita Baker - passaram a mostrar o vigor deste gênero. O blues, profundo, denso e belo, revigora-se. E historicamente tem registros dos mais importantes.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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04/03/1988

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