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Aramis

O curso intensivo para conhecer Rhythm & Blues

Uma coleção de discos conta a história do R&B. E mostra como surgiu a geração do rock and roll Orlando Azevedo, 36 anos, um dos mais requisitados fotógrafos do Paraná, ex-baterista do grupo A Chave - que o teve como grande teórico por quase uma década costuma surpreender quando fala sobre suas preferências musicais: - Para mim, tudo está no Rhythm and Blues. Por muitas vezes, Orlando, nascido em Portugal, formação cultural européia, sólida cultura, tem explicado, didaticamente, o que vem a ser o R&B, suas influências e estilos. Para resumir, diz que o melhor do rock dos anos 50/60 surgiu da admiração dos criadores de maior voltagem em torno dos grandes nomes do Rhythm & Blues - que, vinte anos antes, já faziam uma música inventiva, extremamente personalizada, incompreendida, até hoje insuficientemente conhecida no Brasil. Nos últimos anos, o Rhythm & Blues deixou de ser privilégio de pessoas bem informadas como Orlando - que, em suas constantes viagens a Europa e Estados Unidos, sempre consegue tesouros deste ritmo. Isto porque, atuando como um Robin Hood Cultural, o franco-marroquino André Midani, presidente da WEA - empresa que dirige desde sua instalação no Brasil - tem sabido compensar muito do lixo comercial que, pelas regras do jogo competitivo é obrigado a impor no mercado, com edições de coleções fantásticas. No ano passado, foi a coleção de quatro álbuns duplos sobre Blues, da Atlantic. Este ano, paralelamente a uma série de nove álbuns sobre diferentes escolas do jazz, trouxe um novo curso intensivo das raízes musicais americanas, com os sete volumes duplos (equivalendo a 188 canções, numa duração de aproximadamente 4h20 minutos) no "Atlantic Rhythm and Blues". No ano passado, completando 40 anos de existência, a Atlantic remexeu em seus arquivos e com orientação de produtores de altíssima competência produziu estas coleções, mantidas em sua integridade no Brasil. Por julgar que 80% dos interessados em R&B conhecem inglês, não houve preocupação de traduzir as notas de contracapas, mantendo-se, assim os fotolitos originais. O importante é a ótima qualidade da prensagem e a colocação cronológica das músicas que durante 27 anos (1947-1974), fizeram da Atlantic a gravadora número um em matéria de R&B. OS ANOS ATLANTIC Para entender a consolidação do R&B é bom recordar um pouco da própria história da Atlantic, que, com base em publicações estrangeiras, o jornalista Jean-Yves de Neufville resumiu, no dia 3 de junho no "Estado de S.Paulo". Fundada em 1947 por Ahmet Ertegun, filho caçula do então embaixador da Turquia nos EUA, associado a um fanático colecionador de jazz, o nova-iorquino Herb Abramsom, com um empréstimo de US$ 10 mil do dentista de Ahmet, a Atlantic acreditou nos artistas novos, que propunham uma linguagem de raízes, com ritmos que conservando suas ligações com o jazz, tinham uma própria forma cultural. Só em 1949 conseguiram o primeiro sucesso ("Drinkin'Wine Spo Dee-O-Dee", um blues inovador de Brownie McGee, na voz de seu irmão Stick). No mesmo ano, o elenco era aquecido com Ruth Brown (que se tornaria a "Miss ritmo") e o pianista Longhair, de Nova Orleans. Como sintetizou Neufville, a Atlantic soube valorizar as bandas vocais (Clovers, Cardinals, Robins, Clyde McPatther e The Drifters, entre outros). Em 1953, o escritor Jerry Wexler substituiu Herb Atramson na gravadora - que se valorizaria com sua competência e bom gosto - prestigiando um gênero que mesmo tendo origens em Fats Waller (1904-1943) e Louis Armstrong (1900-1971), era vista, preconceituosamente, como "música dos pobres" e mesmo "dirty" (suja). Mas seria esta música - e seus grandes intérpretes, instrumentistas e autores que baseariam a geração do rock, nos anos 50, paralelamente a associação do blues ao canto espiritual (gospel) e chegando ao soul. Ray Charles, hoje com 58 anos, nascido em Albany, na Georgia, muito antes de gravar o hit que o internacionalizaria ("Stela By Starlight", de Victor Young) teria num registro R&B, um disco marco em 1954: "I Got a Woman". A Atlantic conseguiu firmar um ritmo, com artistas de muito estilo - fazendo com que, entre 1955/58, a exploração do rock'n'roll alterasse completamente o quadro - e, como diz Neufville, as distâncias entre o R&B e o pop desapareceram: "De início, o rock'n'roll era um novo nome dado ao rhythm and blues para esconder o fato de que o cantor era negro. Logo o R&B deixaria de ser cantado exclusivamente por negros". O grande painel A audição das 188 faixas ao longo das 28 faces na coleção de sete álbuns que agora é colocada ao alcance dos ouvintes brasileiros, proporciona um curso intensivo para se aprofundar no R&B através da ordem cronológica das gravações e detalhadas explicações sobre quem é quem (e detalhes interessantes) de cada uma das faixas selecionadas. Os produtores Bob Porter e Aziz Goksel, sob supervisão direta de Ahmet Ertegun, realizaram um trabalho exemplar, para introduzir o ouvinte a todo um universo amplo e, naturalmente, complexo em sua extensão, desta música de raízes negras. Na Inglaterra e França, afora os Estados Unidos, naturalmente, há lojas especializadas em fornecer exclusivamente gravações de Rhythm & Blues e existem centenas de pequenas etiquetas que contam em seus catálogos com artistas das mais diversas procedências. Deste dilúvio sonoro, obviamente, só com escafandros de sonoridade em anos de mergulho é possível adquirir uma visão evolutiva (seria o mesmo que pretender entender a música popular brasileira em uma dúzia e de discos). Entretanto - e aí está o maior mérito da coleção da Atlantic - nos sete álbuns duplos encontra-se um roteiro básico, nos quais grupos ou vocalistas, entre nomes conhecidos (poucos, para o grande público) - como Ray Charles, Joe Turner, Ottis Reding, Sam & Dave, Aretha Franklin, Roberta Flack, Wilson Pickett, Major Harris - e conjuntos e solistas até hoje praticamente inéditos entre nós - mas todos com sua razão de estarem presentes. Evidentemente que o artista mais presente é Ray Charles, com sua voz tão marcante - acompanhando-se nos teclados - mais as vozes de Esther Philips, Roberta Flack ou Aretha Franklin são outros pontos de identificação. Falta muito, obviamente, para se dizer que o R&B chegou ao Brasil - mas uma coleção como esta faz com que outros projetos, trazendo bluesmen jovens como Robert Cray (de quem a WEA lança seu mais recente álbum, "Who's Been Talkin'") ou históricos como Howlin'Wolf e Muddy Waters, também ganhem seus próprios álbuns-solos - sem falar na dupla Buddy Guy e Junior Wells que, após duas temporadas no "150" do Maksoud Plaza, pode agora ser ouvida em dois álbuns ("Live in Montreux" e "Stone Crazy"), colocados na praça por uma pequena e corajosa etiqueta paulista, a Jazz and Blues - disposta, ao que parece, a repetir no Brasil, o que Ahmet Ertgum fez há quatro décadas nos Estados Unidos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
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17/06/1988
Alguém saberia me informar onde posso encontrar a coletânea de Rhytm & Blues lançada pela WEA em 1988? Desde já, obrigado.

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