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Aramis

Antologia dos repórteres violeiros do "old south"

Enquanto o histórico Robert Johnson ganha uma edição a parte, a série "Roots in Blues", em sete álbuns independentes, dedica três a mitos da área - Big Bill Broonzy, Loonie Johnson e Willie Nelson - e os demais separados por temas com participações coletivas. Assim, temos o "News & The Blues", dedicado basicamente aquilo que Tarik de Souza ("Jornal do Brasil", 14/04/91) chamou de "repórteres violeiros". Com o subtítulo de "Telling it Like it is", esta antologia reúne 13 pioneiros do "old south" musical, em canções que falam desde as glórias do boxeador Joe Louis (1914-1981), possivelmente o mais famoso campeão americano, reverenciado por Jack Kelly em "Joe Louis Special" (em gravação feita em Menphis, 14/07/1939) até o pianista e cantor de blues Leroy Carr (1905-1935) com "Life of Leroy Carr" na voz de Bill Gaither, em registro de 12/06/40. Cada uma das faixas que constituem os álbuns desta coleção justificariam toda uma explanação especial, pois justamente pela força das histórias dos temas e do sentido quase jornalístico, muitas vezes nas letras é que aplica-se a definição de Tarik de Souza. Verdadeiros cronistas de sua época, os bluesmen ao lado de amargar dores de coração - amores desfeitos, as injustiças raciais, etc. - também abordaram, precocemente, até questões nucleares - como fez Homer Harris em "Atomic Bomb Blues", gravado em 27 de setembro de 1946, em Chicago - pouco mais de um ano após a explosão das bombas em Hiroshima e Nagasaki. Big Bill Broonzy em "Unemplayement Stomp" falava sobre o desemprego. Assim como para um estrangeiro, por mais paixão que tenha pela nossa música popular, é impossível apreender todo o universo musical, e, especialmente, social que pode ser visto no cancioneiro tupiniquim, também não será apenas com audição de 10 ou 20 discos, reunindo pioneiros dos blues, que se terá toda a dimensão deste universo de emoções & canções. Lembro-me que em dezembro de 1972, em Londres, procurei uma loja especializada em discos de jazz & blues, que oferecia nada menos que 10 mil títulos em diferentes prateleiras, a maioria de pequenas etiquetas, do Sul dos Estados Unidos, com compositores, intérpretes e instrumentistas dos quais nunca se ouviu falar no Brasil. Assim, o produtor Lawrence Cohn, um especialista na área, ao montar esta coleção magnífica para a CBS americana - que a lançou no ano passado nos Estados Unidos - faz um verdadeiro trabalho didático, pois cada álbum é enriquecido com ótimas notas de contracapa, mas que - e esta é a única falha da Sony Music nacional - sem tradução. Por certo, entenderam os executivos da Sony que o público capaz de se interessar pelos blues domina o inglês e dispensa tradução. Uma questão discutível, pois há muita gente sensível a música de raízes e que não tem, obrigatoriamente, que conhecer outras línguas. Embora organizados tematicamente e procurando aproximações, os quatro volumes dedicados a antologia de "Roots in Blues" trazem - cada um - artistas que eventualmente se repetem. "Legends of the Blue" abre por exemplo, com a imperatriz Bessie Smith (1894-1937) interpretando aquele que talvez seja o mais conhecido tema identificado ao jazz (e nisto já se percebe como são tênues as fronteiras entre as diversas classificações): "St. Louis Blues", que William Christopher Handy (1873-1958) compôs em 1914 e que se tornou um símbolo da música negra. Nesta gravação, datada de 14/01/1925, participou outro monstro musical, Louis Armstrong (1901-1971), com seu pistão e também nos vocais, Mississippi John Hurt (1892-1966) ouve-se, a seguir, em "Match Box Blues", num registro de 14/03/1927. Em outra antologia, "The Slide Guitar - Bottles, Knives & Steel" (garrafas, facas e aço) - a partir do próprio título há a definição do vigor das canções interpretadas não apenas por bluesmen, mas também por blueswomen como a bela crioula Ruth Willis que em 23/10/31 gravava o "Experience Blues". Em "New & The Blues" já se ouve Lucille Bogan em "Groceries in the Shelt" e Sister O.M. Terrel em "The Gambling Man" (O Jogador), de um registro relativamente recente - 1º de fevereiro de 1953. Um dos mais interessantes volumes é o que aborda o primeiro Cajun ("Volume I - Abbeville Breadkwon, 1929-39"). Como disse Tarik de Souza, a sala sonora do final do século passado gerada na Lousiania por imigrantes franceses que desembarcaram na área via Nova Escócia e Nova Brunswick, Canadá, nos remete na primeira faixa ao forró nordestino ("Vas Y Carrément") pela utilização compulsiva de sanfona e triângulo. Mas embora as vozes (de solistas como Cleoma Breaux, Murphy e Sidney Guirdy, Frank Maihes) soem tão primitivas quanto os primeiros vagidos do baião, balancê e xaxado, o(s) ritmo(s) não se confundem. Por exemplo, bem observou o crítico do "Jornal do Brasil" - e com ele concordamos - a valsa "Aimer et Perdre" com o acordeon de Joel Falcone e o country agalopado ("Jolie Petite File", com direito a violino rabequeiro), dominam o tempero do cajun, cuja descendência tem ramais ilustres como o de Buckwheat Zydeco, cujo elepê lançado no Brasil pela Polygram, no ano passado, aqui foi registrado há 5 semanas.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
28/04/1991

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