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Aramis

Bob Johnson, um guitarrista que fez pacto com o demônio

Durante pelo menos dois anos, o simpático Lourival Schilipak, responsável pelo escritório local da Warner Bros, estava com um filme chamado "A Encruzilhada" a espera de lançamento. Tendo fracassado em sua tímida estréia, num cinema de Shopping Center em São Paulo, aquela produção de 1986 foi erroneamente considerada como "sem possibilidades comerciais" e a própria direção nacional da multinacional se esqueceu de tentar programá-la em outras praças. Quando soubemos que havia uma cópia depositada no escritório de Curitiba, sem perspectivas de exibição no circuito comercial, insistimos junto ao bom Lourival, para que fizesse ao menos uma exibição especial para uma platéia especial: os músicos da cidade interessados em blues e jazz. A direção da empresa aprovou e numa manhã de sábado, meia centena de músicos - especialmente violonistas e pianistas - foram, a nosso convite, ao Cine Bristol, ver o filme. Ao final, um entusiasmo geral: o filme era simplesmente sensacional e revelava para um público que pouquíssimo sabia a respeito, a personalidade artística e as lendas que cercam a vida do maior guitarrista de blues de todos os tempos, Robert Johnson. O cineasta Walter Hill, trabalhando com inteligência um ótimo roteiro, ao contar a longa caminhada que um jovem apaixonado por blues (interpretado por Ralph Macchio) faz ao sul, acompanhando um velho bluesmen negro (Joe Senecca), que, doente e internado numa clínica em Nova Iorque, é por ele libertado, em troca do compromisso de revelar uma música de Robert Johnson que nunca havia sido gravada. Ao longo da caminhada pelas estradas pioneiras do "old south", marcada por vários encontros e incidentes, o velho bluesmen vai revelando fatos sobre aquele que, diz a lenda, teria feito um acordo com o diabo, vendendo sua alma em troca de se transformar no maior guitarrista de sua época. O final do filme é fantástico, com um duelo de guitarras que faz com que este filme seja um cult movie - pois após a sessão especial, a Vitória Cinematográfica animou-se a lança-lo no Cinema I, onde permaneceu em cartaz - e tendo posteriormente várias reprises. Disponível (lançamento L. Katel - Columbia) também em vídeo, "Crossroad" acabou fazendo com que a música e a mítica personalidade de Robert Johnson se transformasse em um ídolo, embora desconhecido em suas gravações. Há dois anos, finalmente, a CBS lançou o histórico elepê "King of the Delta Blues Singers", reunindo parte das 29 gravações que Robert Johnson fez num quarto de hotel em San Antonio, Texas, nos dias 26 e 27 de novembro de 1936 - e trazendo na capa a belíssima ilustração de Tom Wilson, que, inclusive, havia inspirado o fotógrafo em algumas imagens de "A Encruzilhada". Agora, junto com a coleção "Root's Blues", a Sony Music traz, poucos meses depois de aparecer nos EUA, o álbum " Robert Johnson, the Complet Recordings", com a íntegra suficiente por influenciar, com sua temática poética e a originalidade de seu violão, os maiores nomes do pop. Todas as canções que Johnson gravou graças aos esforços do técnico de som Don Law, mais 12 versões alternativas, foram reunidas pela primeira vez no final do ano passado e lançadas nos EUA pela CBS Sony no CD duplo "The Complete Recordings", que chegou ao Brasil em uma caixa de 3 elepês em vinil, CD duplo e fitas cromo - acompanhado do excelente livreto de 47 páginas contendo todas as letras e uma biografia de Johnson. A vida de Robert Johnson foi curta, vibrante, repleta de casos amorosos, bebedeiras, brigas e prisões. Por ser um homem de muitos amores, morreu envenenado aos 27 anos, em Greenwood, Missouri. Há duas versões de sua morte: de que teria sido um marido corneado que se vingou da traição da esposa com o guitarrista, jogando veneno em sua bebida, ou teria sido uma de suas amantes, que sentindo-se desprezada, lhe pôs fim a vida. Verdade a parte, o fato é que isto fez com que aumentasse a lenda em torno deste guitarrista e compositor. Suas gravações, feitas para uma pequena etiqueta chamada Vocalion, eram os chamados "race records", restritos ao público negro do Sul dos Estados Unidos. Mas um deles, "Terraplanage Blues", acabou sendo ouvido também no Leste e deu a Johnson alguma fama. Só em 1961, 23 anos após a sua morte, 16 das gravações por ele deixadas foram lançadas num elepê que se tornaria histórico: "The King of the Delta Singers". Nove anos depois, sairia o segundo volume, com outras 13 músicas e três versões de canções já editadas no primeiro volume. Nesta altura, muitos músicos famosos já haviam se ligado a importância de Johnson: "I Believe I'll Dust my Broom", depois de ser regravada por Elmore James, tiveram versões dos três King (B.B., Freddy e Albert) da guitarra, mas atribuindo, erroneamente, a autoria a Elmore. Eric Clapton com os Bluebrakers de John Mayal, em 1966, gravou seu "Rumblin on my Mind" (que no Brasil saiu no elepê "Stopping Out"). A mais famosa de suas canções, "Crossroad Blues" - sobre a encruzilhada onde teria feito o pacto com o diabo - teve registros do grupo Cream e Eric Clapton em 1967, e, recentemente, por Tracy Chapman. Ry Cooder, o autor da trilha sonora de "A Encruzilhada", trabalhou basicamente em sua sound track a partir desta música. Em 1969, no auge da fama, ao gravar o elepê "Let it Bleed", os Rolling Stones gravaram "Love in Vain". Outros registros sucederam-se: "Traveling Riverside Blues" com Led Zeppelin; "I'm a Sttady Rolling Man" com Clapton (1974, elepê "461 Boulevard"); Muddy Wattors e Blue Brothers com "Sweet Home Chicago"; George Rhrogood com "Kind Hearted Woman Blues"; "Steve Miller com "Come on in my Kitchen". Enfim, os roqueiros sentiram a força do velho bluesmen e lhe fizeram justiça. Agora, com toda a promoção que a imprensa nacional deu a edição desta obra completa - que inclui até as gravações que não foram lançadas originalmente, por deficiências técnicas pode-se conhecer melhor um mito da música realmente negra e popular americana. Para ser ouvido com atenção, percebendo-se todas as nuanças de sua sonoridade.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
28/04/1991

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