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Aramis

Simão, Serenata do Adeus

Se fosse dado ao bom Simão de Montalverne a opção de fazer a programação de seu funeral, por certo que preferiria, ao invés das lágrimas da esposa Marlene, filho José Renato, filha Eurídice - e dos muitos, muitos amigos - houvesse uma seresta na voz do amigo Sílvio Caldas. Sem nunca ter sido compositor, músico ou instrumentista, Simão foi uma das pessoas mais musicais que conheci. Amava, como poucos, a música brasileira e teve a alegria de ver, em vida, o sucesso internacional de seu filho, Zé Renato. José Renato, ex-integrante do Boca Livre, hoje em sólida carreira individual (embora sempre atuando com amigos), estava em Nova Iorque, na manhã de segunda-feira, neste fatídico dia bissexto de 1988, quando recebeu a notícia de que seu pai havia morrido em Curitiba. Os anjos devem ter ajudado para que pudesse ter chegado a Curitiba a tempo de, junto com a irmã Eurídice, confortar a mãe Marlene, na tristeza do adeus ao Simão, mais do que o pai, um amigo. Simão morreu cercado de amigos - levado pelo coração, ele que sempre foi tão generoso para com todos, preocupando-se em ajudar a cada um, sem jamais pedir nada. Como todo jornalista honesto e digno, morreu pobre - apesar de uma vida de trabalho jamais interrompida. Morreu sem ter gravado aquela entrevista que tanta falta agora fará, na qual poderia contar, como cronista da noite do "Diário Carioca", depois em outros jornais, do Rio de Janeiro, cobria com tanto encanto. Histórias e estórias de gente famosa, cantores, compositores, vedetes - no qual o folclore e a realidade se misturavam ao som de canções que traduziam harmonias e sonhos. Sim, Simão teria muita coisa para contar! Discreto, sempre tangenciou as solicitações dos que insistiam em que registrasse suas memórias. Nunca houve, também, insistência maior, pois pessoas como ele transmitem a impressão de eternidade - e a morte, apesar dos recados cardiológicos enviados já há algum tempo, não era assunto para conversas. Muito melhor ouvir o Simão bem humorado, jornalista bem informado, homem de grandes amizades em vários Estados e que há anos era um assessor indispensável no Palácio Iguaçu nas relações com a imprensa nacional. Um trabalho que exercia com total competência, como antes havia sido o eficiente coordenador da área de comunicação social do Banestado, após anos de jornalismo diário - em Curitiba, desde a década de 60, quando aqui chegou para implantar uma sucursal do "Correio da Manhã" - nos bravos anos em que o jornal de Niomar Muniz enfrentava a ditadura militar. Há muitos Simão para serem lembrados por seus amigos e colegas. Em todos, o homem correto e dedicado, sabendo unir a boemia - mesmo quando, nestes últimos anos, o santo uisquinho e o cigarro nosso de cada hora, já haviam sido kaput pelo cardiologista amigo. Pai coruja, com toda razão - a filha, Eurídice - como a personagem grega, companheira de Orfeu, o filho Zé Renato, um talento nato para a música, uma das mais belas vozes do Brasil - herança da mãe, Marlene, que o ninava com as mais belas canções. Simples, sem maiores ambições, Simão viu, nestes últimos anos, com orgulho, a escalada artística do filho - discos gravados, convites para excursões internacionais com o guitarrista Pat Matheny e outros cobras do jazz. Como eu dizia sempre - e no que o bom Simão concordava. - Simão de Montalverne, que foi o grande cronista da noite carioca, orgulha-se hoje de um novo título: é o pai de Zé Renato. Simão já faz falta em nosso mundo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
04/03/1988

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