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Aramis

Disco do Ano

Nara (lofrego) Leão, 38 anos, completados no dia 19 de janeiro, formada em psicologia, desquitada (do cineasta Cacá Diégues), 2 filhos - Isabel e Francisco, capixaba de Vitória (embora muitas biográfias atribuem sua cidade natal a famosos Cachoeiro do Itapemirim, berço de Rubens Braga, José Carlos de Oliveira e até o nosso << paranaense >> Paulo Marins) é um caso especial dentro da música brasileira. Filha de uma família classe média - o pai advogado, até hoje atuante - irmã de uma mulher fascinante, que desde os 15 anos é notícia permanente nas colunas sociais, Danusa Leão, 3 ex-maridos (o primeiro dos quais o lendário Samuel Wainer, fundador da << Última Hora >>), << locomotiva >> de promoções sociais. Nara sempre foi o oposto de irmã. Um pouco tímida, discreta, voz suave e baixa. Aos 12 anos já estudava violão com o lendário Patrício Teixeira (1893-1972), passando depois a que tinha então 18 anos e, formaria com Carlos Lyra (Rio, 11/05/1936), uma academia de violão, da qual seria professora. Era o final dos anos 50, governo Juscelino Kubitschek e explodia a Bossa Nova. O apartamento de Nara recebia os amigos, violonistas compositores e cantores e nascia a imagem da qual hoje, ainda, não conseguiu se livrar: a Musa da Bossa Nova. Convivendo diretamente com uma geração de maior talento da MPB, responsável pela renovação musical no alvorecer dos anos 60, Nara só viria a fazer renovação musical no alvorecer dos anos 60, Nara só viria a fazer sua primeira gravação, a convite de Carlinhos, no histórico LP << Depois de carnaval >> (Philips, 1962), << Maria do Maranhão >>, de um musical que Lyra e seu parceiro, Nelson Lins de Barros (1920-1966), nunca conseguiram encenar: << Um Americano em Brasília >>. Nara participou da trilha sonora de << Ganga zumba >>, 64 primeiro longa-metragem de Cacá Diégues (que em 61, havia feito << Escola de Samba, Alegria de Viver >>, um dos episódios de << Cinco Vezes Favela >>, produção do CPC UNE), e onde até o grande Cartola (Agenor de Oliveira, 73 anos) aparecia como ator (e parceiro de Cacá numa canção). No mesmo ano de 64, Nara faria seu primeiro LP, no suplemento com o qual Aloysio de Oliveira inaugurou a sua Elenco. E quem esperava ouvir Nara, a Musa da Bossa Nova, cantar as composições de seus amigos, no esquema flor-amor-mar, surpreendeu-se, maior força criativa, mas até então marginalizados ou esquecidos, aos quais o CPC, via Lyra, Sérgio Ricardo, Guarnieri e outros buscavam dar apoio: Zé Keti (<< Diz Que Fui Por Ai >>), Cartola/Elton Medeiros (<< O Sol Nascerá >>), entre outros. Ainda em 64, poucas semanas após a Revolução, Nara dividia com Zé Keti e João do Valle, o show << Opinião >>, inaugurando o teatro na Rua Siqueira Campos que resistiria por 16 anos, até ser adquirido. há poucos meses, por um milionário, mas que se diz disposto a manté-lo como casa deespetáculo. De 1964 a 1980, Nara Leão, mesmo não querendo, sempre foi notícia. Depois de << Opinião >> (onde foi substituída, por sua indícação, por Maria Bethania, provocando a << descida >> ao Sul maravilha de toda uma geração que ficaria na MPB), fez << Liberdade, Liberdade >>, outro show político que Flávio Rangel/Millor Fernandes montaram em 1966. Os 2 shows foram gravados ao vivo e os discos de Nara sucederam: sempre conscientes, com músicas de autores humildes, numa visão social. Ainda em 66, Nara dividia com Chico Buarque, << A Banda >>, que dividiu com << Disparada >> (Geraldo Vandré) o primeiro lugar do II Festival Nacional de MPB, da TV-Record. Nascia uma dupla que o Brasil todo adotaria. Em 67, novo sucesso: << A Estrada e o Violeiro >>, defendida com o autor, Sidney Miller, levaria o prêmio de melhor letra no II FMPB. Era a época dos festivais e dos grandes musicais na Record, onde Nara e Chico apresentavam o programa << Pra Ver Banda Passar >>. Nascia o << casal ideal >>: Nara e Chico, jovens, inteligentes, politicamente já definidos por um trabalho do qual jamais abririam mãos. Muita gente chegou a se decepcionar quando Nara casou com Cacá Diégues, em 1969, enquanto Chico escolhia a atriz Marieta Severo. Entre 1964/69, foram dezenas de shows, espetáculos e vários discos (<< O Canto Livre de Nara >>, << Nara Leão >>, participação em << Tropicalia >>). Em Paris, durante 2 anos, enquanto Cacá fazia cinema. Nara cuidava do primeiro filho e tinha uma vida tranqüila. Mas lá gravou, pela primeira vez, todos os grandes temas da Bossa Nova, que ela estava intimamente ligada, mas que até então não interpretava em discos. Acompanhada pela violonista Tuca (Valeniza Zagni da Silva, 1944-1979), gravou na Polydor francesa, o álbum duplo << Dez Anos Depois >> - o melhor disco daquele ano e, sem favor nenhum, momento maior da interpretação da Bossa Nova. De volta ao Brasil, nos últimos 8 anos, Nara espaçou suas apresentações: ao lado de Maria Betânia e Chico Buarque, fez o alegórico << Quando o Carnaval Chegar >>, que em 72, o então seu marido Cacá Diégues, dirigiu. Atuou em disco de alguns artistas como Fagner (com quem, num show memorável, esteve no Paiol, em 73,e lançou alguns compactos, com música de seu amigo George Moustaki, que havia conhecido em Paris (e de quem fez a versão de << José >>, gravado por Rita Lee) e José Afonso (<< -Grândola Vila Morena >>, a música-senha da revolução de abril-73, em Portugal). Participou de discos da série do mapeamento musical brasileiro, de Marcus Pereira (para que, contratualmente, tem prometido um elepê interpretando modinhas) e, sempre com calma, foi fazendo algumas reaparições: no disco d`<< Os Saltimbancos >>, um elepê interpretando canções folcloricas ou de ninar (<< aquelas que eu canto para meus filhos >>), e, em 78, fez um dos roteiros do Projeto Pixinguinha. Paralelamente, voltou a estudar., completando o curso de psicologia na PUC, fazendo análise, definindo-se por novos caminhos. Sempre com sua ternura, calma e tranqüilidade - mas que nunca a fez ficar politicamente isolada (em 1971, em conseqüência de corajosas declarações contra o regime militar, a Globo foi intimada a retirá-la da presidência do júri do Festival Internacional da Canção, Nara é um exemplo de artista com um público fiel. Agora, casada com o estatístico Paulo Rezende Lima, equilibrando com muita serenidade, sua vida de mãe-esposa, com apresentações bissextas. Nara continua só gravando aquilo que, particularmente, acredita. Por isso. << Com Açucar, Com Afeto >> (Philips/Polygram, 6349444, março/80), é um elepe especialmente importante: assim como em 1971, em Paris, com o distanciamento geográfico e sentimental, pode fazer o álbum antológico << Dez Anos Depois >>, agora, 15 anos após << A Banda >> ter revelado Chico Buarque ao Brasil, Nara escolheu 12 das músicas que mais a tocam, para um disco feito, antes de tudo, com imenso amor. Como diz, no afetuoso texto de contracapa, << escolher o repertório não foi fácil, porque eu gosto de tudo que o Chico faz >>. Mas partiu da intenção de não gravar nada do que anteriormente havia nada do que anteriormente havia registrado << com a ajuda de amigos e do próprio Chico conseguimos uma seleção que mostra um pouco de seu trabalho ao longo desses anos dourados da música popular brasileira >>. Como em tudo que tem procurado fazer nos últimos anos, o disco << foi feito como estivéssemos em casa: muita tranqüilidade, bons papos. Assim o excelente violonista (e compositor) Octávio Burnier fez a direção de produção e participação nas cordas, tocando violão ovation e guitarra, enquanto outros músicos-amigos cuidaram de dar ao disco o clima merecido: Antônio Adolfo ao piano: José Roberto Bertrami e Marcos Resende revezando-se no oberheim; Luiz e Jamil Joanes no baixo; Paulo Braga e Enéas Torreão na bateria; Celso e Jorginho na flauta; Netinho na clarineta: Jorginho ao sax-alto. Nos vocais, em apoio, também gente amiga: Mariana, César Sampaio, Eliana Arte, cartier, Octávio e sua irmã Sônia Burnier. Frente a um astral tão positivo., o disco não poderia deixar de ser um momento muito especial para Nara: << Com Açucar, Com Afeto >>, mais do que uma homenagem a Chico (que, naturalmente, participa, de várias faixas), é o exemplo daqueles momentos que emociona a quem sabe ver não apenas um lado do artista, mas sim, toda sua extensão. Nara, como pessoal, como mulher, como artista, sempre foi da maior consciência artística/profissional/ política: em sua carreira, nunca houve um momento em que não fizesse aquilo que achava ser o mais certo. O que faz hoje uma identificação perfeita com seu amigo Chico Buarque, autor a quem as palavras tornam-se inúteis, tal a importância de sua obra. E o repertório que Nara interpreta, dá uma visão da multiplicidade do gênio do cidadão Francisco Buarque, 36 anos - a serem completados no próximo dia 19 de junho, e, como diz Mercedes Sosa, << o mais importante poeta da atual América do Sul >>. Talvez haja quem discorde, mas é difícil. Como já disse um amigo, Chico Buarque é a unanimidade. Ao menos para quem pensa. E quando Nara canta suas músicas, então fica até covardia alinhavar elogios. Faixas: << A Rita >>, << Onde é Que Você Estava >>, << Ela Desatinou >>, << Trocando em Miúdos >>, << o Que Será >> (À Flor da Pele) << Baioques >>, << Dueto >>, << Vence Na Vida Quem Diz Sim >>, << Samba e Amor >>, << Homenagem ao Malandro >>, << Olhos Nos Olhos >> e << Mambembe >>. FOTO LEGENDA 1- Paulo André FOTO LEGENDA 2- Nara com açucar, com afeto
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Jornal da Música
1
04/05/1980

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