Do passado e de agora, o jazz de melhor qualidade
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 16 de outubro de 1988
Mais uma esplêndida fornada do melhor jazz para que ninguém que se interesse pelo gênero deixe de ter oportunidade de conhecer momentos iluminados - passados e recentes. Como sempre, a CBS é quem mantém a liderança - em que pese o belo trabalho que Léo de Barros faz pela Polygram e a diversificada linha de lançamentos da WEA - sem contar o catálogo da Imagem. Acrescente-se as três produções da BMG/Ariola (ex-RCA) - com o histórico "The Bridge", de Sonny Rollins, Charlie Mingus em álbum duplo e o sopro inesquecível de Paul Desmond (1924-1977), em cuidadosas produções supervisionadas pelo curitibano Roberto Mugiatti, um dos jornalistas (e saxofonista amador) que melhor conhece jazz.
Charlie Mingus (1922-1979), reconhecido como o maior baixista do jazz moderno, nove anos após a sua morte, pode ser (re)apreciado em três momentos altos de sua carreira. Em "New Tijuana Moods" (BMG/Ariola) temos todo o calor e a vibração de Mingus, quando levado por uma tremenda dor-de-cotovelo, fez uma temporada mexicana, em 1957, produzindo um material tão audacioso que a RCA americana levaria cinco anos para colocar no mercado as propostas sonoras feitas neste álbum desconcertante a quem não se disponha a entender os caminhos do jazz no final da década de 50 - mas já por veredas incríveis com a presença catalisadora da dançarina de flamenco Ysabel Morel, que contribui com gritos e castanholas no flamejante "Ysabel's Table Dance", faixa precursora de toda a moda espanhola no jazz, celebrizada por Miles Davis ("Sketches of Spain", 1959), John Coltrane ("Olé", 1961) e Chick Corea ("Olé", 1972).
Já um Charlie Mingus com um repertório mais conhecido - incluindo clássicos como "Goodbye Pork Pie Hat", uma de suas composições mais famosas - o que entre os dias 5 a 12 de maio/1959 gravaria, já na Columbia, o magnífico "Mingus Ah Um" (CBS), de certa forma completado agora por "Shoes of the Fisherman's Wife" (Columbia Jazz Masterpieces, CBS), também com gravações feitas há 29 anos - exceto a longa faixa título, registrada em 23/09/1971. Temas como "Slop" originalmente concebido para um ballet na TV ou uma belíssima revisão de "Mood Indigo" fazem deste um documento histórico.
Como se não bastasse a magnífica coleção de 12 fitas em cromo, com o melhor das gravações de Miles Davis entre 1955/62 na CBS - aqui registrada na semana passada, temos mais um precioso disco deste extraordinário pistonista, desta vez dividido com outro gênio do jazz moderno, o saxofonista John Coltrane (1926-1967), reunindo registros que foram feitos no festival de Newport, em 4 de julho de 1958 ("Ah-Leu Cha", "Straight no Chaser", "Fran Dance", "Put your Little Foot Right Out", "Two Bass Hits" e "Bye Bye Blackbird") - com a participação de outros jazzistas notáveis como Bill Evans (piano, 1929-1979), Julian "Cannonbal" Adderley (1928-1975) no sax alto, Paul Chambers (baixo) e Jimmy Cobb (bateria).
Em complemento, duas faixas registradas de um encontro havido três anos antes (27/10/55) de Davis e Coltrane, no qual além de Chambers (no baixo) participaram Red Garland (piano) e Philly Joe Jones (bateria): "Little Meloane" e "Budo". Como a discografia de Miles Davis tem sido, generosamente, editada no Brasil, estas sessões representam mais alguns momentos da carreira de um dos gênios do jazz.
Charlie Christian (1919-1942), 46 anos após a sua prematura morte, em Nova Iorque, começa finalmente a ter suas gravações aqui editadas, o que permite aquilatar o seu trabalho do precursor do "bebop" no instrumento que, de forma primitiva e pioneira eletrificava - razão do titulo deste "The Genius of the Electric Guitar" (CBS), com gravações no período de 1939/41, quando integrava a orquestra do clarinetista Benny Goodman (1909-1986). São 16 faixas, nas quais pela própria precariedade dos registros, não há possibilidades de um destaque específico da guitarra de Christian - embora a sua força e sonoridade já se faça sentir em momentos antológicos como "Air Mail Special", "Rose Room" e o "Royal Garden Blues".
A vinda do violonista francês Stephane Grappelli, 80 anos, na quarta edição do Free Jazz Festival (Rio/SP) no mês passado, estimulou o aparecimento de três gravações: uma fita na série "Walkman Jazz" (Polygram) e seus encontros com os pianistas Hank Jones ("London Meeting", gravado ao vivo em 20/07/1979), Alldisc/Black And Blue / Estudio Eldorado) e Oscar Peterson, registrado em Paris, nos dias 22 e 23 de fevereiro de 1973 (Imagem). Em Londres, o encontro de Grappelli foi com o piano de Jones, mais o baixo de Jimmy Woods e a bateria de Alan Dewson, resultando uma sessão com standards como "These Foolish Things", "Hallelujah", "Yesterday", "September in the Rain" e "I'll Never Be the Same". "Mellow Grapes", tem exuberantes improvisações de Grappelli, "um violinista que é as vezes elegante, sempre com muito swing e o piano sempre afetivo de Jones, embelezando os temas com sua concepção moderna e sempre atual" - conforme destaca o crítico Armando Aflelo na contracapa.
Já o encontro de Grappelli com Peterson ocorreu seis anos antes, em Paris, quando o violinista comemorava seus 50 anos de jazz. Peterson reuniu o baixista dinamarquês Niels Henning Oersted Pedersen e o baterista Kenny Clark, inovador de estilo, para as sessões que resultaram em dois elepês (o primeiro já editado pela Imagem há algum tempo) e no qual estão seis temas antológicos - "The Folks who Live on the Hill" (Kern / Hammerstein), "Autumm Leaves" (Prevert / Kosma), "My Heart Stood Still" (Rodgers / Hart), "If I Had You" (Shapiro / Campbell), "I Won't Dance" (Jeronme / Kern) e apenas um tema da parceria Grappelli / Peterson ("Blues for Musidisc").
Outra personalidade jazzística que veio ao Free Jazz, a cantora Diane Schuur, que com "Timeless" ganhou o Grammy no ano passado, teve uma tríplice dose de elepês lançados simultaneamente. Em "Deedles", o produtor Dave Crusin reuniu músicos como Don Grussin, para faixas como "New York State of Mind", "I'll Close my Eyes" e "Can't Stop a Woman in Love", do renovado repertório desta cantora negra cega, para muitos a nova Ella Fitzgerald.
Já em "Schuur Thing", além de Getz, temos a presença de Lee Ritenour (guitarra), Carlos Vega, do brasileiro Paulinho Costa (percussão) e até mesmo, em intervenção especial, de José Feliciano - igualmente amparando um repertório de novas canções, valorizadas pela suavidade da voz de Diane, sem dúvida uma cantora com todas as condições para ser a grande Dama do Jazz neste final de década.
Duas outras mostras de jazz moderno, contemporâneo, estão em "The and Now" com o saxofonista Groves Washington Jr. (CBS, setembro/88) e o vanguardista trabalho do grupo de Tim Berne ("Sanctified Dreams"), que merecerá posterior registro, mais detalhado. Já de Grover (Bufallo, N.W., 12/12/1943), filho de um sax-tenorista notável e de uma cantora de temas religiosos, temos tido a oportunidade de acompanhar grande parte de sua carreira - seja como "sidemen" de centenas de gravações, como em seus álbuns solos inicialmente na CTI, de Credd Taylor - e que com regularidade aqui chegam. Um sopro criador, suave em certos momentos, agressivo em outros - e que mostra um jovem jazzman em constante processo de evolução.
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