A noite em que a Alemanha invadiu o porto de Itajaí
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 16 de outubro de 1988
"Quem não sabe a verdade, é apenas um ignorante.
Mas quem a sabe e a esconde é um criminoso".
(Bertold Brecht)
José Joffily não tem jeito!
Aos setenta e quatro anos, este paraibano irradia maior voltagem que muitos jovens de vinte. De Londrina, parece ter tentáculos espalhados por bibliotecas e arquivos não só no Brasil mas também no Exterior, para conseguir remexer com tantos aspectos esquecidos pela história oficial.
Nem bem terminou, no ano passado, a sua revisão história da participação do alemão Harry Berger na Intentona Comunista - o que resultou em um livro co-editado pela Scientia e Labor, da Universidade Federal do Paraná, e já estava pesquisando outro fato esquecido por nossos historiadores: o incidente "Panther", ocorrido em novembro de 1905 no Porto de Itajaí, quando oficiais alemães agrediram a soberania brasileira. Um episódio que embora pouco conhecido provocou a ira do então ministro das Relações Exteriores, José Maria Paranhos (1845-1912), do Barão do Rio Branco, e a ameaça até de declarar guerra à Alemanha.
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Ao lançar "O Caso Panther" (Editora Paz e Terra, 247 páginas) na próxima terça-feira, 18, no Instituto Histórico de Santa Catarina, em Florianópolis, Joffily está levantando fatos que poucos barrigas-verdes - mesmo entre os mais bem informados historicamente - conhecem.
Assim como tem feito em vários outros episódios, esquecidos pela história oficial, mas por ele investigados em sua profundidade social-econômica-política, o incidente ocorrido há quase um século na então inexpressiva cidade de Itajaí (na época com 3 mil habitantes, hoje com mais de 120 mil) é, pela primeira vez, revelado e interpretado por um historiador que soma a sua visão marxista, também uma própria vivência política - inclusive como constituinte em 1946.
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O que apaixonou Joffily no "Caso Panther" foi, em especial, a interferência de uma superpotência - a Alemanha governada pelo imperador Guilherme II - numa pequena cidade do hemisfério ocidental. Curiosamente, através de um couraçado que, desde que havia sido lançado ao mar - em abril de 1900 - já tinha participado de invasões em águas territoriais no Haiti e São Domingos, ameaçando aquelas duas repúblicas de dominação sob o fogo de sua artilharia. Depois, em dezembro de 1902, o "Panther" ameaçou a Venezuela e, em 31 de março de 1905, o imperador Guilherme II desembarcou em Tanger, com o "Panther", provocando uma crise que levou a Europa à beira da guerra (seis anos mais tarde, em 1º de julho, o mesmo navio de guerra invadiu o porto de Agadir "para proteger os interesses germânicos").
Assim, mesmo insignificante aparentemente, o episódio do "Panther" no Porto de Itajaí, oferece muitos pontos para serem analisados. O que Joffily fez com a maior competência.
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Afinal, o que foi "O Caso Panther"?
O próprio Joffily assim resume o fato:
- "É uma página da arrancada do expansionismo germânico numa época de agudas competições imperialistas, depois da partilha da África, no início do século. É também um capítulo melancólico - e oculto - da história diplomática do Brasil, envolvendo dois notáveis brasileiros: o Barão do Rio Branco e Joaquim Nabuco".
Tudo começou em 17 de novembro quando o "Panther", em viagem pelo hemisfério Sul, chegou no Porto de Itajaí, sem autorização do governo brasileiro. Assim como havia acontecido em Paranaguá (em 4 de janeiro), o grande navio provocou impacto ao chegar (oficiais e tripulantes vieram, em trem especial, para Curitiba, aqui recebidos com festas e homenagens pela colônia alemã - então poderosíssima). Em Itajaí, também havia deslumbramento com a luz elétrica do "Panther" e as cortesias do comandante. A população rendeu homenagens à tripulação durante 9 dias consecutivos.
Na noite de 27 de novembro, oficiais do "Panther" atentaram a soberania brasileira invadindo domicílios à procura de um suposto desertor do navio, Hassman. Acabaram prendendo, inexplicavelmente, o alemão Fritz Steinhoff, em trânsito pelo Brasil e que se encontrava no Hotel do Commércio, naquela cidade.
Enquanto a tripulação do "Panther" se deslocava para Florianópolis - onde foi recebida com bailes e festas, Gabriel Heil, dono do Hotel do Commércio, furioso com a invasão de seu estabelecimento, dirigia-se ao cônsul alemão em Itajaí, Max Puter e comunicava o desaparecimento de Steinhoff. No dia 5 de dezembro, o então governador de Santa Catarina, coronel Vidal José de Oliveira Ramos Jr., mandava instaurar inquérito sobre o caso ocorrido em Itajaí - enquanto o "Panther", no mesmo dia, viajava para o Sul.
O "Jornal do Commércio", do Rio, noticiou o incidente e já a 7 de dezembro o deputado Barbosa Lima denunciava o atentado à soberania brasileira. Espalhava-se o protesto: na segunda semana de dezembro, no Rio Grande, Porto Alegre e Rio de Janeiro haviam manifestações contra a prepotência germânica. E no dia 8, o Barão do Rio Branco telegrafava "declarando guerra" à Alemanha. A imprensa americana comentava o assunto e, no dia 10, o cruzador "Barrozo", no Porto de Rio Grande, aguardava o "Floriano" para abordarem o "Panther" e receberem o prisioneiro e as explicações necessárias. O que não chegou a acontecer.
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As conclusões do inquérito instaurado em Santa Catarina foram enviadas no dia 10 ao Barão do Rio Branco e, no dia seguinte, o secretário de Estado americano - a quem Joaquim Nabuco, embaixador em Washington, havia posto ao par do incidente - dizia que "a questão se resolverá sem conseqüências". Notícias na imprensa mundial, o deputado Barbosa Lima protestando no Congresso e desmentidos de que o governo americano interviria na questão. O chefe do Estado Maior da Marinha Alemã se movimentava para esclarecer o incidente, que foi se reduzindo, ao ponto do Barão do Rio Branco aceitar, relutantemente, as explicações do ministro alemão e a promessa do embaixador Von Treutter, de que "os culpados serão submetidos à inquérito da Justiça Militar Alemã". O que também nunca aconteceu.
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Esta foi a cronologia dos fatos. Joffily, entretanto, em suas pesquisas - feitas em arquivos oficiais, bibliotecas, coleções de jornais (inclusive a americanos) foi a fundo - como costuma sempre fazer. Investigou todas as condicionantes internacionais, levantou hipóteses sobre as razões da deserção do misterioso marinheiro alemão - em cuja procura os oficiais invadiram casas particulares em Itajaí. A figura enigmática do alemão Steinhoff, preso no "Panther", é esmiuçada por Joffily - que não se satisfez enquanto não levantou todas as entrelinhas de um episódio citado em pouquíssimos livros - e até hoje sem qualquer pesquisa maior.
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Historiador que se orgulha de "matar a cobra e mostrar o pau", Joffily não deixa por menos: recheia o livro com mais de 100 reproduções de fotos de pessoas ligadas ao incidente: fac-símile de documentos, recortes de jornais, capas de livros e páginas dos processos - enfim, uma ampla documentação sobre tudo que pesquisou. Uma bibliografia com mais de 70 obras consultadas, 18 arquivos, bibliotecas e outras instituições e até uma relação de 30 pessoas que com ele colaboraram na pesquisa (entre os quais o seu sobrinho, professor César Benevides, de Curitiba), completam seu novo trabalho.
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Joffily não pára de trabalhar. Garimpeiro da história, é uma usina de energia em busca da História e da recolocação de fatos importantes - de forma que, com seu sobrinho Benevides, está agora mergulhando num novo projeto - a participação do médico e deputado comunista Otávio da Silveira - nas lutas políticas do Paraná.
Homem que age rápido, dentro de poucos meses, este seu novo livro já deve estar sendo lançado. Afinal, Joffily é um jovem pesquisador.
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