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Aramis

Erotismo socialista com muita juventude

A programação do Cine Avenida tornou-se tão apelativa, no binômio sexo-violência, nos últimos 16 anos, que mesmo filmes de valor acabam passando despercebido mesmo por parte daquela faixa de público mais intelectualizada - ou ao menos que gosta de conhecer as obras importantes. Por exemplo foram poucos os Fãs de Brian De Palma, com justa razão considerado o << herdeiro >> de Alfred Hitchcook (1889-1980) no gênero suspense, que viram no Avenida o excelente << Irmãs Diabólicas >> (Sisters, 1973), que merecia ter exibições até sob auspício de entidade médicas, tal a seriedade do tema que enfoca. Por isso é lamentável que um filme que reúne méritos para estar na lista dos melhores lançamentos de 1980, em Curitiba, tenha sido lançado no Avenida, segunda-feira última, e esteja sendo confundido para a maioria como mais uma apelativa pornochanchada: << Em Louvor à Mulher Madura >> (até domingo, em sessões corridas a partir do meio dia. De princípio é uma co-produção franco-canadense, com participação húngara, rodada em 1977, na Hungria e Canadá e que, em 1978, ao ser lançado na Europa mereceu entusiásticos aplausos da crítica francesa e inglesa, especialmente. Distribuída pela Warner, chega ao Brasil sem qualquer trabalho especial de promoção, embora no elenco estejam ao menos duas atrizes americanas de razoável prestígio: Karen Black e Susan Strassberg. O diretor é um húngaro, George Kackzender, que foi buscar no romance de um conterrâneo, Stephen Vizinczey, o argumento para o roteiro desenvolvimento por Paul Gottielb. O filme é erótico, ou ao menos excitante, não há dúvida, mas raras houve tanto bom gosto, tanta inteligência na exploração deste filão desgastado nos últimos 20 anos - e que agora chega ao Brasil, não só com a libertação de filmes que vinham se acumulando a espera do sinal verde da Censura, mas a própria produção nacional, como o audacioso << A Procura do Prazer >>, do paulista Walter Hugo Hoiuri (Cine São João), onde são mostradas cenas de relação sexual de uma forma que jamais se imaginaria, num filme realizado por um cineasta respeitado - e que até há poucos anos preferia o hermetismo, as sofisticadas composições claro-escura, na linha de seu mestre-guru, o sueco Ingmar Bergman. Na abertura de << Em Louvor à Mulher Madura >>, aparece uma epigrafe assinada pelo personagem Andras Vayda (Tom Berenger) que define, de certa forma, a filosofia de seu(s) autor(es): << Esta história é dedicada à mulher madura e dirigida aos homens jovens. E a ligação entre os dois é a minha proposta >>. A trajetória de Andras, de sua infância (interpretado por Ian Tracey) aos 30 anos, possibilita que Stephen Vizinczey - autor do romance original - faça colocação interessantíssima sobre o crescimento de um jovem, em relação as suas experiências sexuais: aos 12 anos, num acampamento militar, o primeiro encontro com uma velha condensa (Ian Trace); aos 16 anos, a primeira paixão - Maya (Karen Black), uma mulher de 30, casada, sensível e inteligente, mas que volta ao marido, ao surpreendê-lo com sua amiga, Julika (Mariane McIsaac). O ano é 1951, Budapeste. Em 1956, surge Bolbie (Suasan Strassberg), violinista e companheiro de idéias revolucionários: o levante daquele ano, sufocado pela invasão das tropas russas faz com que Andras emigre para o Canadá, onde encontra Paula (Alexandra Stewart), francesa, jornalista, apesar de sua frigidez acaba se descobrindo frente ao vigor do jovem húngaro. Ann MacDonald (Helena Shaver), de uma recatada dona-de-casa a uma mulher libertada, em 1959, não é a última mulher de sua vida - mas a primeira da maturidade - o que, ele próprio diz, já é outra estória (e o que deixa o tema aberto para o próprio Kaczender retornar ao personagem). As aventuras sexuais-eróticas de jovens, a sua descoberta do mundo através do amor, tem motivado centenas de filmes - de Fellini aos mais grosseiros comerciantes cinematográficos. Mas, no caso, George Kaczender buscou uma linguagem inteligente, sem esconder influências de François Truffaut (homenageado com uma breve citação: uma seqüência, aparece na marquise um cinema o título do filme em exibição, << Os Incompreendidos/Les 400 Coups >>, 1959) - o primeiro da série com o personagem Doinel (Jean Pierre Leaud). O erotismo de certas seqüências é que talvez tenha a João Aracheski a programar << Em Louvor À Mulher Madura >> no Avenida - cinema hoje em seu crepúsculo, mas que, por mais de 3 décadas, disputava com os cines Ópera e Palácio, a freqüência elegante que fazia de então << Cinelândia >> o verdadeiro ponto de encontros. Mas o erotismo do filme não é momento algum apelativo: a fotografia de Miklos Lente valoriza cada seqüência e a trilha sonora de Tibor Polgar é excelente, não só nós temas próprios, mas nas músicas, incidentais, como um trecho da 3.ª Sinfonia de Beethoven, na emocionante seqüência em que a Húngria vive duas semanas libertada da opressão russa - numa breve primavera, que, em 1968, os checos também experimentariam por algumas semanas. Tom Berenger, um novo ator, com excelente personagem Andres Vayda tem chances de se tornar um dos grandes nomes do cinema nos anos de 80, se merece outras oportunidades. Susan strasberg, filha de Lee Strassberg, fundador (ao lado de Elia Kazan) do Actor`s Stúdio, e que estreou no cinema há 22 anos, em << Quando o Espetáculo Termina >> (Stage Door, 58, de Sidney Lumet) poucas vezes teve oportunidade de viver uma personagem tão cativante e mesmo Alexandra Stewart, atriz que por várias vezes passou longas temporadas no Brasil, compõe um personagem admirável. No elenco de suporte - com intérprete franceses, húngaros e canadenses, também um equilíbrio marcante. Assim como << Um Pequeno Romance >> (A Little Romance), de George Roy Hill - exibido até quarta-feira no Astor, mas prometido para retornar segunda-feira no Cinema 1 - é uma pequena obra-de-arte, um lírico conto-de-amor, que merece ser visto por todos, em sua ternura e beleza, este << Em Louvor à Mulher Madura >> é um filme digno, sincero -onde a mulher madura, em seu explendor, em sua experiência, tem uma valorização que deve dar grande empatia às personagens Maya, Bobbie, Paula e Anne - e fazer com que os espectadores invejam Andras Vayda, não apenas em sua juventude, mas em sua << aprendizagem >>, ao longo de tantas mulheres fascinantes. O romance de Vizinczey tem um pouco de todos nós, e seja em Budapest, no Canadá - ou em qualquer parte do mundo, mostra que os encontros & desencontros do amor falam alto. E a propósito. << Encontros & desencontros >> (Starting Over), de Alan J. Palula, está no Condor, e, tal como << Um Pequeno Romance >>, merecerá registro mais demorado em próxima coluna. De momento, fica a dica e recomendação: vale a pena ir ao Avenida para conhecer um novo talento do diretor e um filme inesquecível - para quem sabe ver o sexo, o amor e a juventude sem preconceitos. FOTO LEGENDA- Berenger e Karen: um filme surpreendente no << poeira >> venida.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
07/06/1980

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