Fonografia paranaense, um panorama (ainda) desolador
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 07 de janeiro de 1991
Passa o ano e a situação pouco se altera: a pobreza fonográfica no Paraná continua franciscana. Enquanto mesmo com todas as crises e retrações, os gaúchos, catarinenses, mineiros - para nem falar nos nordestinos - continuam a dar exemplos de uma marcante presença em termos de discos com seus artistas, entre nós as gravações são raras.
Neste ano de 1990, a muitos sacrifícios, tivemos dois álbuns de música erudita - da Camerata Antiqua, em seu oitavo registro e, finalmente, 5 anos após ter sido criada, o primeiro elepê da Sinfônica do Paraná. Hilton Barcelos, após cinco anos de sacrifícios, finalmente conseguiu ver completado o seu esforçado "Arquétipos", que estava prensado desde 1989 mas que faltava a capa. Um positivo exemplo foi dado por um empresário da noite, o engenheiro Sérgio Bittencourt, dono do bar Habbeas Coppus, que investiu mais de um milhão possibilitando que em menos de dois meses fosse possível viabilizar um álbum coletivo, bastante significativo para a MPB paranaense.
Há os compositores e intérpretes paranaenses que, sentindo as limitações locais buscam apoio de pequenas - ou médias - etiquetas em São Paulo, como fez Eron Vianna para concretizar seu segundo elepê ("Flor Humana") ou a presença de duplas e intérpretes rurbanos, especialmente na região Norte que, para faixas específicas, conseguem fazer suas gravações. No mais, ainda se vêm experiências esforçadas em fitas - distribuídas precariamente e produções que não chegam sequer a ter uma divulgação regular em nosso próprio Estado - o que dizer, então, da tentativa de conquistar o chamado "mercado nacional".
Mesmo com o risco de omissão de algumas gravações, eis um rápido panorama do que saiu, em 1990, em termos de som paranaense.
"A Música Maravilhosa do Slaviero Palace Hotel" (produção do Hotel Slaviero Palace, prensada na Continental, 803.732). Fernando Montanari, 50 anos, 35 de teclados profissionais, é um dos nossos melhores músicos. Já integrou vários grupos e sua última experiência foi o Sigma Jazz, grupo desfeito há dois anos. Como sofisticado pianista sempre foi solicitado para ambientes de categoria e assim há anos é contratado do restaurante Le Doyen daquele endereço.
Por iniciativa de um ex-gerente da casa, Rubens Marquetti, gravou um elepê com standards da música internacional ("Somewhere in Time", "What You Did of your Life", "Summer of 42", "As Time Goes By"), que teve uma distribuição exclusiva aos fregueses da casa. Apesar do projeto supervisionado por uma agência de propaganda, a apresentação do álbum foi precaríssima (uma capa horrível) e nem sequer as rádios da cidade receberam esta gravação do bom Fernando, um talento que continua a espera de um reconhecimento maior.
"Optimun in Habbeas Coppus" (MPB Discos-LP 002, novembro/90) - Ao contrário do que aconteceu com o disco-solo de Montanari, esta produção financiada por Sérgio Bittencourt, dono do bar Habbeas Coppus, e com direção artística do guitarrista Arcy Neves, do grupo "Os Metralhas", está tendo boa divulgação - inclusive com distribuição em outros estados. Reunindo intérpretes e músicos que regularmente atuam naquele endereço, com um repertório de autores paranaenses, vale como um exemplo de amostragem de nossos talentos e que, se tiver retorno de custos, poderá ter seqüência com um segundo volume. Participaram da gravação Cristiano, Pimenta, Isabel, Reinaldinho, Marcelo, Bráulio Prado interpretando composições de Paulo Hilário ("Curytiba), Gerson Bientinez / Gerson Feibein ("Coisas do Coração"), Paulo Leminski ("Morena Absoluta", parceria com Moraes Moreira), Heitor Valente ("A Hora é Essa", com César Costa Filho) e Lápis ("Vestido Branco"). O promotor (e cantor amador) Arthur Tramujas Jr., dá uma jazzística presença com "Summertime"; o grupo da casa, Boldrini, Tiquinho, Hildebrando, Scarante, mais o pistonista Saul e o saxofonista Anselmo, defendem o belo tema instrumental "Pariscópio". E "Os Metralhas", enquanto não fazem seu novo elepê, atacam com um "Roll Over Beethoven" (Chuck Berry) seguido de um potpourrit de "Lennon / McCartney.
Para completar, o mecenas que possibilitou o disco também mostra seu talento: Serginho declama "Dobrada à Moda do Porto", de Fernando Pessoa.
"Flor Humana" (Itaipu Gravações, São Paulo) - Paranaense de Palmas, 39 anos completados no dia 29 de outubro, Eron Vianna tem mais de 20 anos de carreira, atuando principalmente como compositor e defensor dos direitos autorais. Depois de fazer um compacto e o elepê "Sonho Dourado" (Acorde, 1988), Eron gravou em 1990 um disco romântico, com 12 composições próprias - algumas com parcerias afetivas como "Descaminhos", letrado por Lupicínio Rodrigues Filho. Organizado e batalhador, com bons contatos no Nordeste (durante anos residiu em Recife), Eron é um artista paranaense que procura nacionalmente a sua arte.
"Arquétipos" (Primavera Produções Artísticas, 803.860-B) - Hilton Barcelos, gaúcho de Porto Alegre, 38 anos completados dia 29 de outubro, mas curitibano por adoção, fez talvez o disco mais sofrido de nossa história fonográfica. Começou a trabalhar no projeto "Arquétipos" em 1985, quando participava do Projeto Pixinguinha, e juntando economias, contando com a disposição de amigos e tendo especialmente a participação de um talentoso arranjador, Roberto Burgel, foi gravando um repertório extremamente pessoal, avançando em termos musicais, o que torna seu disco um trabalho de personalidade. Mesmo difícil de ser absorvido a primeira audição - e de consumo popular bastante problemático (uma das alegações pela falta de divulgação de suas faixas em nossas rádios), trata-se, entretanto, de um trabalho sério, honesto e talentoso.
Rock e Fitas - No amplo espaço que grupos roqueiros locais, a maioria de nível amadorístico e com pretensões tão grandes quanto a falta de maior competência de seus integrantes, surgem alguns esforços isolados que justificam atenção. Por exemplo, o grupo Beijo AA Força fez uma fita interessante, inclusive juntando temas da MPB a (re)leituras jovens, em proposta demonstrando o talento de seus integrantes. Assim como o elepê, reunindo algumas bandas de garagem da cidade, lançado em 1989, passou despercebido - fora do circuito de amigos e parentes de seus jovens integrantes - uma nova tentativa de agrupar conjuntos locais também fica no cinzento esquecimento pelo amadorismo da produção: "Vampiros de Curitiba", produção do lojista Luiz Odilon Merlon, reúne os grupos Abaixo de Deus, Infernal, Jully et Joe, Missionairos, O Corte, Opinião Pública, Pós-Meridian, Tessália, entre outros - alguns inclusive, já desfeitos - dentro da alta rotatividade que caracteriza estes encontros de barulhentos - e raramente afinados - jovens colonizados musicalmente, outras fitas, as chamadas "demo", saíram de pequenos estúdios, com composições e interpretações de conjuntos locais mas, ao contrário do que acontece em outras cidades, o rock curitibano ainda continua limitado em termos de produção nacional.
Blindagem, com seus integrantes já próximos (ou até passando) da faixa dos 40 anos, reeditou, de forma independente, um dos elepês que havia feito na Continental, acrescentando uma faixa com a participação de Paulo Leminski (1944-1989), que como letrista e ligado ao rock, foi uma das pessoas que acreditou naquele conjunto e chegou a lhe dar material para gravações. O Blindagem, frise-se, há anos tenta furar o bloqueio nacional, buscando um espaço, mas apesar da persistência de seus integrantes até hoje não conseguiu condições de sobreviver fora de Curitiba, onde possuem um bar (Penny Lane) no Alto do São Francisco.
Miran é um nordestino que se radicou em Londrina e que há anos ali atua. Compositor e cantador de forte presença, tornou-se requisitado para campanhas políticas e assim, após ter conseguido fazer uma fita com 12 de suas músicas - que foi vendida há dois anos, inclusive com uma ajuda da Secretaria da Cultura, chegou em outubro a um elepê independente, "Canto e Caminho até o Entendimento" (solicitações pelo telefone (043) 26-1405) que, no entender do disc-review da "Folha de Londrina", Edilson Leal, tem méritos para ser considerado um dos discos do ano, conforme relação que estamos publicando.
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Ao lado dos álbuns da Camerata Antiqua - com o grupo dirigido por Lutero Rodrigues (mas fundado por Roberto de Regina), executando a "Missa em Fá", de José Joaquim América Lobo Mesquita (no lado A), e composição de Henrique de Curitiba, Camargo Guarnieri e Osvaldo Lacerda na face B, a Orquestra Sinfônica do Paraná também fez o seu aguardado primeiro elepê. Prejudicado pelas falhas de produção - e especialmente a prensagem - o álbum, que só saiu graças aos esforços de Constantino Viaro, superintendente da Fundação Teatro Guaíra, reúne composições do regente Alceo Bocchino ("Suíte Miniatura de Ballet" e "Seresta Suburbana") e do Padre José Penalva ("Espaços"), no lado B, sob a regência de Osvaldo Colarusso.
A Secretaria da Cultura do Paraná, cuja participação na área fonográfica poderia ter sido mais intensa, patrocinou uma pequena edição de concertos realizados durante o VII Festival de Música de Londrina (1989), dirigido pelo maestro Norton Morozowicz - lançados em dois cassetes. Pela própria simplicidade desta edição, seu valor fica apenas no documental, não tendo conseguido nenhuma repercussão fora dos círculos musicais locais - e sequer divulgação na imprensa nacional.
É de se esperar que, em 1991, o panorama musical-fonográfico melhore - embora as previsões continuem cinzentas.
LEGENDA FOTO 1 - Eron Vianna: cantando as dores do coração.
LEGENDA FOTO 2 - Hilton Barcelos: apesar da defasagem de 5 anos, um disco de intenções futuristas.
LEGENDA FOTO 3 - Sérgio Bittencourt (à esquerda) e Reinaldinho: a união do capital e do talento para um disco de paranaenses.
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