Gilberto, a bruxaria da eterna juventude
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 25 de novembro de 1984
Reconhecidamente, Gilberto Gil é uma pessoa inteligente. E o suficiente para há 20 anos no ranking do movediço campo dos super stars da MPB manter-se num destaque especial. A geração do tempo "É Proibido proibir" e "Domingo no Parque" envelheceu mas Gil, tal como duende, apesar de seus 42 anos - completados no último dia 26 de junho - mantém-se numa alegria jovem. Aliás, no amplo material promocional distribuído a propósito de seu novo lp "Raça Humana", WEA, dois cassetes com uma longa entrevista-depoimento a sua tete Cecília Assaf, transcrita também em texto mimeografado), Gil fala bastante sobre seu processo de criação e sua identificação constante ao que pode chamar de mágico mundo de infância.
Gil é um bruxo das palavras - como seu companheiro Caetano [Velloso] (que por sinal, já antecipa a força de seu elepê, com o excelente "Podres Poderes", editado pela Polygram) - trabalhando intensamente em torno da estrutura melódica e verbal daquilo que aparentemente é simples. Pode-se dizer, até que em Gil funciona a lei do ovo-de-colombo: depois que se ouve / lê uma de sua composições, se tem a impressão do fácil, do comum. Mas para chegar a ela e fazer o que o baiano consegue é que são elas.
"Raça Humana" é um Gil verbal ao extremo, trabalhando temas que vão, aparentemente, do simples trocadilho ("Extra II" ou "O rock do segurança") a uma canção braba e crítica a quem lhe ofendeu ("Pessoa nefasta"). Como bem lembrou Maria América Rocha Lopes, Gil sempre buscou referenciais modernos para a sua composição: "E quer continuar menino, inventando canções parecidas como as deles". Por isto além de ter a participação especial de Ritchie na faixa "Tempo Rei", dedica seu disco ao cantor anglo-brasileiro que conseguiu ser o segundo maior vendedor de discos no Brasil nestes últimos meses. Gil, assumidamente, busca o rock capaz de continuar identificando-o junto a gerações emergentes - enquanto os pais de seu público de hoje talvez preferissem o Gil romântico de "Preciso aprender a só ser" ou o contestador dos tempos de "Roda".
Mas concorde-se ou não com a linguagem roqueira de Gil - e no longo depoimento fala muito deste assunto - impossível negar os méritos da produção deste novo álbum. São canções feitas para tocar no rádio e se identificarem com um público, "o conteúdo é uma verdadeira pancada, um direto no fígado, na maioria das vezes". Arranjos simples, pouca instrumentação - mas gente de gabarito - incluindo o ritmo de Téo Lima, Marçal, e Pedro Gil (seu filho, 14 anos) ou a guitarra de Celso Fernandes - além da participação da The Weillers, a banda de Bob Marley, em "Vamos fugir".
Gil, um sonho de Peter Pan na alma de um gnomo elétrico / enfeitiçado, que mostra musicalmente tudo aquilo que aprendeu em seus tempos de estudante de administração de empresas e, posteriormente, funcionário do departamento de marketing da Gessy Lever. Gil é um bamba em marketing sonoro. Mas faz de uma forma honesta, profissional e talentosa. Mas, cá entre nós: que seria bom, o Gil dar de vez em quando um novo "Preciso aprender a só ser", isto seria, sem dúvida.
LEGENDA FOTO - (acima) Gilberto Gil , (abaixo) Raça Humana
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