As homenagens merecidas a São Ismael e Candeia
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 08 de julho de 1988
Incansável Hermínio! Mais do que nunca, justifica-se a exclamação: poeta, letrista e, sobretudo, um elétrico animador cultural, o diretor da divisão de Música Popular da Funarte passou o início da semana em Londrina, lançando o projeto "Dê Uma Canja/ Radamés Gnatalli", dois discos didáticos, destinados a estudantes de diferentes instrumentos) e autografando seus livros "Mudando de Conversa" e "O Canto do Pajé". De quebra, ainda levou como um belo evento paralelo ao VI Festival de Música de Londrina, aquele magnífico espetáculo reunindo as vozes de Zezé Gonzaga e Olga Praguer Coelho, também violonista, que foi mulher do mestre Segovia - e que há dois meses estiveram em Curitiba, numa noite inesquecível no auditório Salvador de Ferrante.
Agora, Hermínio já está em Avaré, para, pela primeira vez, integrar o júri da mais organizada mostra de música popular que outro batalhador pelas coisas da MPB, o Juca Novaes, promove há 5 anos naquela simpática cidade. E na próxima semana, de volta ao Rio, Hermínio tem a esperá-lo outro grande evento de sua divisão: o lançamento quádruplo na sala Funarte, dia 11, regado a mocotó e show de bolso às seis e meia. Para marcar o lançamento dos LPs-antologias de Candeia e Ismael Silva, junto com as respectivas biografias escritas por João Baptista M. Vargens ("Candeia, Luz da Inspiração") e Maria Thereza Mello Soares ("São Ismael do Estácio - o sambista que foi rei").
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Desde 1973, quando houve a primeira edição do Projeto Lúcio Rangel de Monografias - e que não poderia deixar de ter Pixinguinha como primeiro focalizado - a Funarte vem enriquecendo a bibliografia/ discografia de nossa música popular. Anualmente, promove concursos com quatro diferentes temas pra estimular a elaboração de monografias e mesmo descontados alguns que não resultaram em trabalhos ao nível de merecerem publicação, o resultado é positivo. Mais do que positivo: excelentes!
São quase duas dezenas de livros - alguns deles lançados simultaneamente a álbuns-antologias, produzidos também pela Funarte - que contribuem para que se conheça melhor a história de nossa cultura popular, que já tanto deve a Hermínio, 53 anos, 40 dedicados a poesia, a música, aos amigos, a criatividade artística - um homem-energia para todas as estações - e que nos últimos dias levou sua poesia, sua palavra e seu entusiasmo a Londrina, a convite do secretário Renê Dotti, da Cultura, hoje mais um membro de seu imenso (e nacional) fã-clube.
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Os dois novos álbuns-antologia e livros que estão sendo lançados pela Funarte a preço de ocasião, em Curitiba poderão ser encontrados na loja da Rua Cruz Machado, com a sempre simpática Patrícia) são em homenagem a duas figuras exponenciais de nossa música popular: Ismael Silva (1905-1978) e (Antonio) Candeia (Filho, 1935-1978).
Povo. Samba. Luta. Resistência. Quatro palavras do cotidiano de Candeia. "Uma vida tão rica quanto a de Antônio Candeia Filho é difícil de traçar", diz a jornalista Lena Frias no prefácio do livro de João Baptista Vargens, vencedor do Concurso Lúcio Rangel.
- "Partia para a luta derrubando tudo - dificuldades, preconceitos, o que encontrasse atrapalhando o caminho. Qualidade de líder naquele homem preso a uma cadeira de rodas (tornou-se deficiente físico quando levou uma facada nas costas quando era policial) que, ainda assim, era puro movimento, ação, dinamismo" - diz Lena Frias.
O lirvro de Vargens é uma crônica sobre Candeia (seu filho, Jorginho do Império, fez carreira como compositor e cantor), relato do que ele viu, viveu e observou.
No elepê "Candeia" foram gravadas seis músicas inéditas, entre as quais aquelas que podem ser citadas como "Seis datas magnas", em parceria com Altair Prego, interpretada por Francisco Santana, compositor ("Saco de Feijão", sucesso de Beth Carvalho, por exemplo) que morreu (sem o menor registro na imprensa) há poucos meses, quando o disco entrava em fase industrial. Este samba-enredo, composto quando Candeia tinha 17 anos, trouxe a vitória para a Portela em 1953. Segundo Sérgio Cabral, ex-vereador, atual secretário de Esportes do Rio de Janeiro e candidato a prefeito do Rio de Janeiro - mas sobretudo um grande pesquisador do samba, o momento especial do disco está em "Testamento de Partideiro", onde Candeia se coloca diante da possibilidade da morte e dedica seus versos, com muito amor a seus filhos e sua mulher, dona Leonilda. Os arranjos e a direção do disco são de Tuninho Galante.
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Em 1974, Ismael Silva veio a Curitiba pela primeira e única vez. Quem o trouxe foi Ricardo Cravo Albim, que o apresentou num show no Paiol (bons tempos em aquele teatro existia artisticamente) e o fundador da primeira escola de samba do Brasil, a Deixa Falar (1929) integrou o júri do nosso carnaval de rua. Apesar de sofrendo já diversos problemas de saúde - especialmente dores nos pés, Ismael foi amabilíssimo e mostrou, inclusive uma nova composição para a época, "Contrastes", no qual, com a sabedoria popular, utilizava um curioso jogo de imagens pra filosofar sobre os contrastes da vida ("Existe muita tristeza na rua da alegria" e "muita desordem" na "da Harmonia" e só se encontra "fracasso no largo da Glória").
Pois são os sambas profundos, filosóficos - que tanto influenciaram a Chico Buarque (mais mesmo do que Noel Rosa), que foram reunidos no emocionante elepê "São Ismael Silva", produção artística de João de Aquino e Maurício Carrilho, e que como todos os discos da Funarte vem enriquecidos com os perfeitos textos de encarte do pesquisador Jairo Severiano. Para este elepê foram gravadas 16 de suas composições em parcerias com Francisco Alves, Noel Rosa e Nilton Bastos, interpretadas por dois intérpretes perfeitos: Jards Macalé, que sempre foi o seu maior admirador e a pernambucana Dalva Torres, mais um talento regional que Maurício Carrilho e Hermínio souberam buscar.
Com o lançamento do disco, a Funarte também coloca à venda o livro "São Ismael do Estácio - o sambista que foi rei", de Maria Thereza Soares, vencedor do concurso Lúcio Rangel de 1984, e que, pronto há meses, aguardava que o disco fosse concluído para poder ter maior significado em seu lançamento. Sobre a importância (nem sempre devidamente dada, mesmo por pessoas que julgam-se conhecedoras da MPB) de Ismael Silva, é bom lembrar a opinião de Vinícius de Moraes: "Era um dos três maiores sambistas cariocas de todos os tempos. É perfeita a maciez de sua linha melódica e seu samba adquire às vezes a suavidade do cantochão".
Ismael Silva, rei do Estácio, mestre do pagode e um dos fundadores da "Deixa Falar", foi uma estrela que subiu rápido, atingiu o auge e, de repente, se apagou. O destino fez do autor de "Se Você Jurar" (vencedora do carnaval de 1931) um homem amargurado. O ajuste de contas, com a Justiça, os desamores, as dificuldades financeiras e problemas de saúde aceleraram o processo que o levou a completa solidão - tão bem documentada por Adnor Pitanga no curta-metragem e a ele dedicado - e que no dia 11 estará sendo projetado na sala Funarte (junto com "Partindo Alto", de Leon Hirzman, sobre a Candeia).
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No ano passado, os álbuns dedicados ao Capitão Furtado (Ariovaldo Pires, 1907-1979) e Custódio Mesquita (1910-1945) também produzidos pela Funarte - paralelamente a edições de monografias sobre estes compositores, constituíram momentos maiores em favor da cultura brasileira.
LEGENDA FOTO - Ismael SIlva.
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