Lawrence, muito mais do que o sexo de Chatterley
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 18 de outubro de 1988
Muito mais do que simplesmente o autor de "Lady Chatterley's Lover", livro símbolo da hipócrita censura - não só inglesa, mas de vários outros países - David Herbert Lawrence (Eastwood, Nottinghanshire, Inglaterra, 11/09/1885 - Vence, França, 02/03/1930) foi um homem inquieto, ligado a movimentos pacifistas e que, numa época de obscurantismo, ousou discutir o sexo e o poder em seus livros, já a partir de sua terceira novela ("Filhos e Amantes / Sons and Lovers", 1913).
Como o personagem Richard Sommers, de "Kangaroo", ele era tuberculoso, sofreu perseguições na Inglaterra por se manifestar em artigos de jornais e revistas contra a guerra, criticando o Exército e passou grande parte de sua vida no Exterior. Foi também marido de uma alemã, Frieda Weekley (Née von Richthofen, 1872-1948) - no filme interpretada pela excelente Judy Davis (indicado ao Oscar de melhor coadjuvante por "Uma Janela para o Amor" perdeu para Olympia Dukakis, por "Feitiço da Lua"), que compõe Harrieth (a Academia de Cinema da Austrália premiou Judy por este trabalho). Collin Friels até fisicamente lembra Lawrence.
O filme, naturalmente, trata livremente de sua vida: na verdade, a permanência do casal na Austrália foi de menos de um ano (1921) - e antes, por quase 6 anos (desde que casaram em julho/1914), David e Frieda haviam tido uma vida cigana, em vários países da Europa. Um de seus livros de viagem ("Sea and Sardina", 1921) entusiasmou uma milionária americana, Mabel Dodge, que os levou para o Novo México, após deixarem a Austrália.
Numa intensa vida literária - ligado a intelectuais da dimensão de Aldous Huxley e, especialmente, Catherine Mansfield, com quem colaborou em várias publicações por ela editadas, Lawrence, em seus últimos anos se dedicou a pintura - mas nisto também sofreu a censura, com a polícia proibindo a exposição de desenhos que fez inspirados em "O Amante de Lady Chatterley". A obra, cuja primeira edição, reduzida, aconteceu em Florença (1928), saiu no ano seguinte, com cortes, na França - e até que houvesse o direito legal de sua circulação nos Estados Unidos (1959) e na Inglaterra (no ano seguinte), sucederam-se edições piratas, que magoaram Lawrence, cuja saúde sempre foi debilitada (morreu de tuberculose, num sanatório próximo a Antibes, há 58 anos passados).
Com uma obra diversificada - entre 14 romances, 12 livros de poemas, dezenas de contos, duas peças de teatro, livros de viagem e miscelânea de artigos escritos para diferentes publicações européias, Lawrence tem sido revisitado no cinema. "O Amante de Lady Chatterley" já rendeu ao menos três versões, mas a melhor das transposições de sua obra foi a que Jack Cardiff fez em 1960 de "Filhos e Amantes" - em que pese também o alto nível que Mark Rydell conseguiu, ao estrear em 1968 no longa-metragem, escolhendo o conto "The Foz" (no Brasil, "Apenas uma Mulher") com uma corajosa abordagem de um tema chocante para a época: o lesbianismo, com cenas de sexo entre as atrizes Sandy Dennis e Anne Heywood.
"Kangaroo", reapreciado agora, mostra o lado político de Lawrence, num filme de extrema dignidade e que merece ser visto.
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