O canto das mulheres no fim de uma década
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 16 de dezembro de 1989
O ano encerra, como sempre, com superstars fonográficos, capazes de esquentar um mercado que sofre naturalmente, os reflexos da inflação (o disco já ultrapassou a barreira dos três dígitos, deixando de ser um produto ao alcance da empbrecida classe média) e assim a disputa acontece entre estrelas como Roberto Carlos - como sempre, em seu elepê anual, colocado nas lojas somente em dezembro, Simone, Beth Carvalho, Alcione, entre as mulheres mais famosas. Mas no canto feminino, há também emoções maiores como o álbum póstumo de Nara Leão "My Foolish heart" Polygram/Phonogram Nippon), que gravou especialmente para o Japão - e que, emotivamente e artísticamente, é o lançamento mais terno deste ano. Também acompanhada pelo incrível Roberto Menescal - que sempre foi a afetuosa presença nos álbuns de Narinha - a Paraense Leila Pinheiro revisita os anos dourados da MPB e faz de "Bênção Bossa Nova" (Polygram) o melhor disco de sua carreira.
Nana Caymi encontrou os teclados de Wagner Tiso, no festival de Montreaux, Suiça e o resultado foi "Só louco" (Emi/Odeon), gravado ao vivo, uma explosão de emoção/amor, com toda categoria que caracteriza a obra destes dois talentos maiores. Outra gravação ao vivo nos traz Joyce, compositora e cantora, no registro feito no Teatro Clara Nunes, RJ, em março deste ano, com a participação especial de Chico Buarque e Boca Livre.
Eliete Negreiros, uma das grandes revelações da linha mais evoluída de música vocal, em seu terceiro elepê (Continental) amplia seu público com um repertório, de grande comunicabilidade. O mesmo acontece com Clara Sandroni, também em seu terceiro álbum (os dois primeiros foram produções independentes), carinhosa realização do record-man Mário Aratanha, que se esmerou para que o público conhecesse toda a sua dimensão de vocalista e também compositora.
Estreando em elepê-solo, mas com uma larga quilometragem musical, Amélia Rabello (selo Velas) é uma das gratas revelações do ano, surgindo pelas mãos da dupla Ivan Lins/Vitor Martins, responsáveis também pelo ressurgimento da querida Fátima Guedes ("Coração de louca"), talento que fazia falta em nosso universo sonoro. Outra bela voz que reaparece é de Vania Bastos, num álbum em parceria com o compositor Eduardo Gudin (Estúdio Eldorado). Yana Purim, com "Harvest Time" prossegue em sua escalada internacional, desta vez tendo parcerias ilustres - Herbie Hancock, Lew Soloff, Hugo Fattouruso, Eumir Deodato, Alphonso Johnson, entre os músicos estrangeiros que ajudam, sem dúvida, a carreira desse álbum (edição no Brasil da CID; lançado em CD pela Fama nos EUA/Europa).
Numa linha mais popular, com público sempre fiel, Joanna continua a ser o Roberto Carlos de saias com o repertório de Sullivan&Massadas enquanto Alcione ("Simplesmente marrom") oscila entre o romantismo e o sambão, para entusiasmo de seu público. Paula Toller, mais amadurecida, faz um elepê jovem e comunicativo (WEA), enquanto da Bahia, com todo entusiasmo das lambadas , reggae e até uma leitura de "Pelo Telefone" (Donga-Mauro de Almeida) vem a sensual Sarajane ("Sotaque Brasileiro", Emi/Odeon).
Como se vê, o canto continua sendo das mulheres. Tudo isto sem falar que já está gravado e talvez até circule ainda este ano - o álbum reunindo Elizeth Cardoso acompanhada pelo violonista Rafael Rebello, inicialmente um disco-brinde, mas que, inaugurando o selo Belo-Belo, de Hermínio Bello de Carvalho, chegará as lojas no primeiro trimestre de 1990. Precisa acrescentar algo mais?
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