O que faltou na Brasa sobrou para Arizona
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 23 de setembro de 1987
A rigor, nada aproxima "Brasa Adormecida", do brasileiro Djalma Limongi Batista (Cine Ritz), de "Arizona, Nunca Mais", de Joel Coen (Cine Plaza). São abordagens diferentes de histórias, ambientes e personagens que não se relacionam. Entretanto, o fato de ambos terem reduzido público, e, possivelmente hoje em suas últimas projeções, faz com que se possa descobrir um ponto de união: a intensa criatividade e leveza que o jovem Coen mostra em "Raising Arizona" é, justamente, o que falta ao também jovem Batista para que "Brasa Adormecida" conseguisse alçar vôos maiores.
Partindo de enredos mínimos, tanto o americano Coen como o amazonense (radicado em São Paulo) Batista, tentaram desenvolver filmes libertos, com uma visão poética do universo de pessoas também jovens. O americano conseguiu ser bem sucedido e realizou uma obra aberta, engraçada, e que pode se transformar num "cult-movie", já que pela sua irreverência e mesmo inovações propostas aproxima-se de dois outros filmes do novo cinema americano, os ainda inéditos "Totalmente Selvagem", de Jonathan Damme e "Histórias Verdadeiras", de David "Talking Head" Byrne.
A história de Bebel (Maitê Proença) e seu amor dividido entre os primos Toni (Paulo César Grande) e Ticão (Edson Celulari), num clima de nostalgia e encanto bucólico-rural, plenamente inspirado em "Brasa Dormida" que Humberto Mauro (1897-1983) realizou em 1928, é perseguido por Djalma Limongi Batista, com a belíssima fotografia de seu irmão Gualter, uma caprichada cenografia de Felipe Crescenti e, especialmente, fascinante trilha sonora, na qual Antônio Carlos Jobim juntou a um tema inédito ("Bebel"), vários hits da Bossa Nova. Transpondo a ação dos anos 20 para o início da década de 60, Limongi pretendeu realizar um filme leve, uma homenagem à Bossa Nova - embora as belíssimas canções, conhecidas, apareçam forçadas dentro do próprio roteiro. Um elenco de nomes conhecidos - incluindo veteranos como Anselmo Duarte, Ilka Soares, Miriam Pires, Sérgio Mamberti, etc., é praticamente desperdiçado, no roteiro confuso - e prejudicado ainda mais pela péssima qualidade do som da cópia em exibição. Cineasta talentoso, que soube abordar um tema como o futebol em seu longa de estréia ("Asa Branca, Um Sonho Brasileiro"), Limongi não estava ainda suficientemente preparado para um filme que exigiria, pela sua temática poética, um cineasta com mão leve digno de um Fellini ou mesmo Woody Allen. Mas aí já é pedir demais!
Em compensação, o americano Joel Coen, consegue em "Arizona, Nunca Mais" desenvolver a partir de uma idéia simples, uma comédia deliciosa, inovadora, crítica e com um final nostálgico, quase onírico: a trajetória do marginal H. I. McDonnough (Nicholas Cage, em excelente interpretação) e a ex-policial Edwina (Holly Hunger), que se casam e na frustração de não terem filhos (ela é estéril), decidem raptar um dos cinco quíntuplos, filhos de um milionário do Arizona, é conduzida em tom de farsa.
Mas a inventividade da linguagem, o roteiro seguro (o que faltou em "Brasa Adormecida"), as excelentes interpretações do elenco - o conduzem em ritmo dos mais agradáveis. É o exemplo do filme que tem uma curtição em escalada, isto é, pode atingir várias camadas de público à proporção que haja a chamada recomendação de boca-a-boca e por isto será lamentável que sua carreira se interrompa hoje.
Assim como "Brasa Adormecida", "Arizona, Nunca Mais" tem uma trilha sonora esplêndida: Carter Burwell desenvolveu temas rigorosos, intercalados a algumas canções conhecidas. A fotografia de Barry Sonnenfeld também é marcante.
É injusto comparar trabalhos desenvolvidos com todas as dificuldades próprias do nosso cinema, com um filme de maiores recursos como "Raising Arizona". Mas em ambos, o fato mais importante é a leveza do diretor-roteirista em criar todo um clima. Infelizmente o brasileiro Djalma Batista Limongi não mostrou em seu segundo longa-metragem o timing que Joel Coen possui.
LEGENDA FOTO - Maitê Proença ao lado de Djalma Limongi, diretor de "Brasa Adormecida".
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