Uma mostra para conhecer um pouco mais de cinema
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 04 de outubro de 1987
Entre 1930/1983, foram realizados 8.287 filmes em dez países da América Latina. Deste total, quantos foram vistos no Brasil?
Embora o Brasil ocupe o segundo lugar na produção: com 2.028 filmes, abaixo somente do México (3.953), praticamente ignoramos a produção cinematográfica latino-americana. Aqui, como em todos os países do Continente, a indústria americana sempre impôs as regras do jogo e muito raramente um filme argentino ou chileno apareceu nos circuitos comerciais.
Nos últimos anos, através de um crescente nacionalismo, vem se tentando inverter a situação. Apesar disto, os americanos continuam dominando a exibição comercial e mesmo com esforços de instituições culturais, raros filmes latino-americanos conseguem distribuição comercial. Mesmo a Argentina, cuja produção entre 1930 a 1983, chegou a 1.674 títulos raramente teve suas produções aqui exibidas - e só nos últimos dois anos, por força da premiação de "A História Oficial", de Luiz Puenzo, este e mais dois ou três títulos, conseguiram distribuição comercial.
Em festivais e mostras, vem-se tentando romper o desconhecimento do cinema latino-americano. Também pouco se sabe do que é feito nos países vizinhos. O crítico Paulo Paranaguá, 39 anos, radicado em Paris, é autor de um único livro sobre "Cinema na América Latina - Longe de Deus e perto de Hollywood" (coleção Universidade Livre, L&PM, 103 páginas), no qual tenta fazer um resumo da indústria cinematográfica latino-americana.
Portanto, ao realizar em Curitiba a I Mostra do Cinema Latino-Americano do Paraná, o Governo Álvaro Dias, através da Secretaria da Cultura, decidiu - mesmo que modestamente - dar ao público a chance de conhecer alguns filmes recentes, que dificilmente terão lançamento comercial. Paralelamente, longa-metragens, da safra 1987, todos inéditos comercialmente, mostrarão diferentes tendências do novo cinema brasileiro. Também uma grande mostragem de curtas e médias metragens, em sessões às 16 horas (auditório Paul Garfunkel da Biblioteca Pública do Paraná) e 18,30 horas (cine Lido I) complementarão esta visão panorâmica de nosso cinema.
Três mesas redondas - abordando as relações do roteiro e literatura, a música e a imprensa com o cinema brasileiro, através da exposição, a ser feita por nomes de prestígio nacional, como Fernandes Moraes ("A Ilha"), fazem parte da programação que transforma Curitiba, a partir de hoje, em uma cidade cinematográfica, com a presença de cineastas, roteiristas, compositores, jornalistas, críticos etc.
ESTRÉIAS E HOMENAGENS
"Leila Diniz", longa-metragem de Luiz Carlos Lacerda ("Bigode"), sobre a vida da atriz Leila Diniz (1945-1972), mulher que se transformou em símbolo da liberação e mudança do comportamento feminino nos anos 60, abrirá a mostra, hoje às 21 horas, no Cine Lido I. Na cerimônia de abertura, serão homenageados quatro pioneiros paranaenses - Eugênio Félix, Vladimir Kossal (18997-1979), Aníbal Requião (1875-1929) e João Baptista Groff (1897-197).
Também serão homenageados o maestro Lindolfo Gaya, paulista de Itararé, falecido no dia 14 de setembro último, aos 66 anos, em Curitiba, cidade na qual residiu nos últimos anos. Félix, Kossak, Groff e Requião foram os pioneiros em nossa cinematografia, registrando imagens históricas. Já Gaya, colaborou na trilha sonora de muitos filmes, inclusive no Exterior e um de seus belos trabalhos foi a música para o filme "O Foguete Zé Carneiro", da cineasta Berenice Mendes, realizado há 4 anos em Curitiba.
Também serão homenageados Mauro Alice, um dos mais premiados montadores (editores) do cinema brasileiro, que fez inclusive a montagem de "O Beijo da Mulher Aranha" (de Hector Babenco), e o escritor e ex-crítico Armando Ribeiro Pinto, que durante muitos anos exerceu a crítica cinematográfica na revista "Guayra" e no jornal "Diário do Paraná".
A BOA PROGRAMAÇÃO
De uma forma ou outra, todos os filmes programados para a Mostra são atraentes. "Leila Diniz" é uma homenagem a uma mulher-mito. "Rádio Pirata", de Lael Rodrigues, também em estréia nacional, é um filme de apelo ao público jovem - tão necessário de ser cativado pelo cinema.
"Fronteira das Almas", de Hermano Pena, é um filme-denúncia sobre o que acontece atualmente na Amazônia: violência, roubo de terras, corrupção. "O País dos Tenentes", de João Batista de Andrade, que encerra o Festival, é uma visão da história do Brasil nos últimos 50 anos, através das reflexões de um velho general (Paulo Autran).
Dos filmes latino-americanos, duas obras maiores: "Tiempo de Morir", do colombiano Jorge Ali Triana, baseado em texto de Gabriel Garcia Marquez - Gaivota de Ouro do II FestRio (1985) e "Frida", do mexicano Paul Deluc, exibido hors-concours no I FestRio - e premiado em vários festivais.
"Tupac-Amaru", co-produção peruana-alemã, direção do cineasta cusquenho Federico Garcia, foi premiado em vários festivais. "Retrato de Teresa", é um longa-metragem do cineasta cubano Pastor Vega. Tomas Gutiérrez Ale, outro cineasta cubano, é o diretor de "Memórias Del Dugdesarrollo". A Argentina será representada pelo filme "No Habra mas Penas Ni Olvido", de Hector Oliveira.
Os filmes estrangeiros serão exibidos em versão original.
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