Os últimos mugidos da produção cinematográfica no FestBrasília
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 14 de outubro de 1990
Brasília
Assim como uma feira ou exposição comercial deve apresentar as várias opções ao consumidor, também um festival de cinema para satisfazer as expectativas deve procurar filmes que, de uma forma ou de ourta refletem não só as tendências artísticas, mas vertentes da criação como um espelho do país em que é produzido. Isto vale para uma mostra internacional, ao qual chegam milhares de produções em busca do espaço, como no Brasil, no qual a redução cada vez maior da indústria cinematográfica nos últimos anos faz com que só com muita vontade se consigam viabilizar festivais como o de Gramado (julho), Natal (setembro). Riocine (novembro) absorvendo uma secção internacional em decorrência do cancelamento da 6ª edição do FestRio e, especialmente, esta 23ª edição do Festival do Cinema Brasileiro de Brasília, iniciado na quarta-feira, reunindo 42 filmes - entre os seis longas-metragens e só 12 curtas em 35mm e 22 em 16mm em competição pelos "Candangos" - os troféus do Festival e mais "Stelinha", longa de Miguel Faria Jr. - o grande premiado em Natal - e o também premiado "Arabesco" de Eliana Caffé, programados para a noite de encerramento, na terça-feira, 16.
Com a Embrafilme fechada desde 16 de março último - e já vindo de desastrosas gestões no governo José Sarney - o fim da lei Sarney, a retratação total dos (raros) empresários que se dispunham a investir no arriscadíssimo campo cinematográfico, é de se perguntar como é que foram viabilizados esta quase meia centena de filmes - entre curtas e longas -, que, inéditos ou não em festivais (naturalmente, vários dos filmes aqui sendo apresentados já estiveram em Gramado e Natal) foram realizados?
Cada produtor realizador tem uma história dramática que sintetiza a dificuldade de se fazer cinema no Brasil, cujos custos só podem ser calculados em dólares. Raros os que informam a cifra exata pois, trazendo agora seus filmes, sem ainda terem fechado as contabilidades das produções, alegam que com as mudanças da moeda, inflação, busca de apoios indiretos, "é difícil estabelecer por quanto ficou um filme" como diz Adilson Ruiz, 40 anos, professor da UNICAMP, e que compete com um curta de 9 minutos em homenagem aos irmãos Corrêa - lembrando Luís Antonio, violentamente assassinado em 1987, através da presença na tela de José Celso, fundador e batalhador pelo Teatro Oficina, de São Paulo. "O filme custou cerca de US$ 20 mil" informa Ruiz - que, voltando com mais uma vez a um cinema intelectualizado de idéias, sabe de que dificilmente se recupera o investimento: seus esplêndidos "Infinita Tropicália" (1986) e, especialmente, "Carlota/Amorosidade" (1987) - este inspirado em "Werther" de Goethe e "Fragmentos de um Discurso Amoroso", de Roland Barthes - em Curitiba, só passando em sessões especiais.
Flávia Selligman, gaúcha, 25 anos, que divide com o também gaúcho Jaime Lerner - nenhum parentesco com o alcaide curitibano, a realização de seu filme calcula que "Mazel Tov", em competição na categoria de 35mm, custou US$ 40 mil. No aspecto econômico-industrial, todos os filmes que conseguiram finalização a tempo de disputar o Festival de Brasília apresentam crônicas de paixão, idealismo e sacrifício de seus realizadores. Vários deles como "Beijo" 2348/72" do estreante Walter Rogério (programado para a noite de hoje) o Festival na quarta-feira) foram iniciados há quatro anos, mesmo tempo que Celso D'Elia levou para realizar "Adeus", único desenho animado em competição - também exibido na abertura - e que fundindo influências da linha heavy metal graphic novels traz belíssimas imagens.
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