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Aramis

Sátira, poesia e história

Na competição dos filmes em 16mm com sessões na sala Alberto Nepomuceno do Teatro Nacional - são detectadas também as temáticas diversas buscadas pelos realizadores. Por exemplo, Rafael Camargo, no curta de 15 minutos de "Sinfonia de uma crônica rural", propõe uma visão - meio romântica, meio dramática - sobre jovens. Também não deixam de ter suas conotações sociais - embora aqui com toques buscando humor - "Um Jeitinho Brasileiro", do mesmo Rafael Camargo, sobre um casal de funcionários públicos que deseja se aposentar, quitar a casa própria e trocá-la por uma casa de campo - mas ao fazer as contas, percebe que isto é praticamente impossível. Se "Beijo 2348/72", de Walter Rogério, é quase uma sátira à burocracia trabalhista e a própria Justiça - competindo na categoria de 35mm - o curta "A Inútil Morte de Bia", 16mm, de José Roberto Torres, satiriza a indiferença e o egoísmo do indivíduo na cidade grande, em busca da sobrevivência. Ficção e simbolismo Examinando-se as sinopses dos curtas em 16mm selecionados para a mostra, nota-se entre os trabalhos realizados por egressos da Escola de Comunicação, em propostas distantes da linha documental/realista buscada por outros realizadores. Maurício Galvan Abe, concorre duplamente: "Quase Tudo" e "A Idade sem Razão?", esta uma divertida crônica que coloca Jean Paul Sartre no quotidiano de uma família brasileira - no mínimo uma brincadeira bem humorada. "Suspens", de Carlos Adriano; o "Carô no Inferno", de Sérgio Malbergier, são exercícios de curtas-propostas que traduzem a visão destes novos realizadores. Retratos da vida A poesia tem ao menos três delicados momentos nos filmes em competição neste festival: "Paulo Leminski e os mendigos de Curitiba" - conforme Pedro Anisio colocou no catálogo oficial, são os intérpretes de "Cine Hai-Kai", o curta mais curta (apenas 5 minutos), na competição em 35mm, exibido na sexta-feira - e sobre o qual já dedicamos a coluna da última sexta-feira. Carlos Drummond de Andrade foi a fonte que o gaúcho Tabajara Ruas (ex-assessor da Fucucu, na administração Carlos Marés, buscou para o roteiro de "Manhã", dos catarinenses José Henrique Nunes Pires e Norberto Verani Depizzolatti, enquanto "Diálogo de Todo Dia", de Jaime Schwartz, também na competição 35mm, foi baseado no conto homônimo de Drummond, reunindo na competição nomes já conhecidos - Thales Pan Chacon, Maria Sílvia, Paulão. O rádio, sua mitologia e sua fascinação, aparece, como cenário de dois longas. "O Escorpião Escarlate", de Ivan Cardoso ( "A Múmia", "As sete Vampiras"), novamente em colaboração com o quadrinhólogo R. F. Luchetti, homenageia um dos personagens fascinantes das novelas de aventuras da Rádio Nacional dos anos 50 - o "Anjo", criado por Álvaro Aguiar - aqui envolvido em luta com seu figadal inimigo "O Escorpião Escarlate". Já levado aos festivais de Gramado e Natal, esta comédia "light", com um grande elenco (Neron Capri, André Beltrão, Nuno Leal Maia, Monique Evans, Cláudio Mamberti, Léo Jaime, Wilson Grey, Isadora Ribeiro e veteranos dos anos 50 - o cantor Ivon Cury, pianista Bené Nunes, Colé, etc.) - não deixa de ter seus aspectos interessantes em termos de revisitação da nostalgia, dentro do gênero que Cardoso vem curtindo - o terrir - mistura de terror e riso. "Stelinha", de Miguel Faria Jr., tem um tom mais dramático - e as premiações recebidas em Gramado, mostram que Farias conseguiu ter mão leve para dirigir esta crônica sobre uma cantora (Ester Góes), que foi uma rainha da MPB e ídolo do rádio, mas hoje, decadente e solitária, circula pelas noites do Rio. Encontra um jovem fã, Eurico (Marcos Palmeira), com quem acaba tendo um romance. Já "Uzerbrioloco", com a adjetivação de "filme musical", é, nas palavras do próprio diretor, Adilson Ruiz - um momento de reflexão de denúncia em torno dos problemas do teatro, através da palavra da personalidade de maior voltagem da cena brasileira, José Celso Martinez Corrêa. Doces momentos da memória Sérgio Silva, 40 anos, professor, encenador de teatro e cineasta em Porto Alegre, comparece duplamente com exercícios da memória, "com toques de história vivida indiretamente". Assim em "Festa de Casamento", 11'36", na competição em 35mm, reconstitui um fato ocorrido com uma tia: em 1930, no interior do Rio Grande do Sul, realiza-se um casamento ao qual, entre os convidados comparece o amante da noiva, acompanhado da esposa grávida. Em meio a festa, decide fugir com sua amada - e o noivo parte em busca de vingança - no melhor estilo de "Bodas de Sangue". Já em "Heimeh/Nostalgia", falado totalmente em alemão, com legendas, 91 minutos de duração, é a crônica de um imigrante alemão que chegou ao Brasil em 1900 e aqui construiu sua vida, chegando a montar peças de Schiller. Co-realizado com o crítico de cinema Tulio Becker, do "Correio do Povo"- que retornou recentemente da Alemanha (país em que Sérgio, filho de alemães apesar do sobrenome "Silva", também já viveu), "Heimeh" tem um grande elenco e cuidadosa reconstituição da época. Assim como Fernando Severo, há dois anos, em "O Mundo Perdido de Kozak", reavaliou a contribuição do cineasta Vladimir Kozak num curta que recebeu várias premiações, Marcos de Souza Mendes volta-se agora para "Forthmann". Fotógrafo e cineasta nascido em Hanover, brasileiro por opção. Em 1942/57, Forthmann (1915-1978) trabalhou para o Serviço de Proteção aos Índios, onde acompanhou o Marechal Rondon em várias expedições. De 1965 a 1978 foi professor da Universidade de Brasília, onde dirigiu o Centro de Recursos Audiovisuais. O filme sobre Forthmann, será exibido como "hors concours" no encerramento da competição 16mm, na mesma sessão em que será apresentada, também sem competir, a sátira "Meu Vizinho comprou um Carro", de Marcus Vinícius Cezar, com Ana Beatriz Nogueira - a atriz-revelação de "Vera", de Sérgio Segall, premiado aqui em Brasília lá 4 anos. "Mazel Tov", de Jaime Lerner e Flávia Selligman, centra-se em torno da colonização judaica no estado do Rio Grande do Sul no início do século, é contada através de duas histórias retratando as tradições e os costumes daqueles pioneiros. Outro gaúcho, Roberto Henklin, em "Memória", parte desta como sinônimo de consciência em um filme sobre a perda da memória individual e coletiva, vendo a história do Brasil como farsa. Mas o grande exercício memorialístico - e um dos pontos altos deste festival é "Conterrâneos Velhos de Guerra", que Vladimir Carvalho, paraibano há mais de 20 aqui radicado, vem realizando com tudo que documenta o Distrito Federal - num painel de duas horas e quarenta minutos, que merecerá registro especial na próxima semana. Vladimir é também o autor de "No Galope da Viola", focalizando dois notáveis repentistas nordestinos. LEGENDA FOTO - Stênio Garcia, Malu Moraes, Taina Diniz e Carlos Marques, em "Mais que a Terra", filme de Elizeu Ewald.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
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14/10/1990

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