Para quem sabe amar os grandes musicais
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 25 de setembro de 1985
Há 14 anos, quando "A Estela" (The Star, 68, de Robert Wise) foi exibido no antigo cine Rivoli, não resistiu sequer a 3 dias em exibição. Apesar de ser estrelado por Julie Andrews - que 3 anos antes havia sido premiada (Oscar) e adorada pelo público em "A Noviça Rebelde", o musical biografando a famosa atriz e cantora Gertrud Lawrence (1898-1952) foi ignorado pelo público curitibano que, meses antes, já havia desprezado a belíssima transposição a tela de "Ao Sul do Pacífico" (South Pacific, do musical de Richard Rodgers/ Oser Hammerstein).
Recentemente, "Divina Loucura", com a cantora pop Bette Midler, não resistiu a sequer um dia de exibição no Bristol - e este musical contemporâneo permanece praticamente inédito em Curitiba. Em compensação, cada vez que a mesma Bette Midler em "A Rosa" é reprisada nas sessões da meia-noite, falta poltronas para o público jovem.
"Momento de Decisão" (Turning Point, 77, de Herbert Ross) e "Retratos da Vida" (Les Uns et Les Autres, 80, de Claude Lelouche), pelas cenas de bailado, foram dois dos filmes de maior faturamento em Curitiba nos últimos anos. Em compensação, a renda de "Quando Hollywood Dança" (Cine Condor, 5 sessões) está sendo tão baixa que dificilmente o filme permanecerá mais uma semana em cartaz.
Contradições do Público? Eis um campo para ser estudado: a forma com que os musicais são recebidos entre nós. Teoricamente uma imensa faixa fala em nostalgia dos anos de ouro dos musicais americanos, especialmente da fase MGM - que tinha lançamento exclusivo no antigo Cine Ópera nos anos 40/50. Na prática, quando há oportunidade de se rever os melhores momentos daquela época dourada, verifica-se ausência de público "Quando Hollywood Dança" - a exemplo de "Assim Era Hollywood" (That's Entertainments l e ll) é mais do que um filme-nostalgia. É uma montagem de momentos perfeitos daquilo que o cinema americano sempre soube fazer de melhor: a fantasia, o entretenimento, o sonho e a ilusão. Tire-se os preceitos populistas e pseudamente marxistas para se aprender a aceitar uma época do musical qua não pode (nem deve) ser ignorado dentro da história do cinema.
Filho de Jack Halley (1902-1979), o inesquecível "tin man" (o homem de lata) de "O Mágico de Oz" (1939), Jack Halley Jr. Teve, há 11 anos passados, uma típica idéia Ovo de Colombo: por que não reunir num filme os melhores momentos do cinema musical? Afinal, a combalida MGM já havia leiloado grande parte de seu acervo mas mantinha ainda os negativos dos musicais - de tão gratas memórias a um público que aprendeu a amar o cinema no decorrer das décadas de 30 a 50. O resultado foi o extraordinário êxito de "That's Entertainment", que levou a realização de uma segunda parte em l976. Os vídeos home com estes dois filmes venderam (e continuam vendendo) milhões de cópias e a fórmula foi até imitada por outros estúdios: da Warner Brothers (que remontou seus musicais, mas não chegou a trazê-los ao Brasil) a Luis Severiano Ribeiro ("Assim Era a Atlantida ", 1980) muitos buscaram nos baús cinematográficos as imagens capazes de, numa montagem movimentada trazerem entusiasmo a um público saudosista - e também, oferecendo aos mais jovens a chance de conhecer um cinema alegre, descompromissado e comunicativo que se fazia há 30 ou 40 anos passados.
Jack Halley Jr. Esperou nove anos para voltar a explorar o filão de ouro. Fez isto agora, podendo utilizar inclusive material que anteriormente teria problemas de direitos autorais - o que possibilitou a inclusão de sequências de filmes históricos mas que não foram realizados pela MGM. Desde algumas sequências de "The Show of Shows" da Movietone até a eletrizante sequência de "Amor Sublime Amor" (West Side Story, 61, de Robert Wise) com The Jets dançando e cantando o tema "Cool " - um dos mais dramáticos momentos deste que, sem favor, foi o canto de cisne dos musicais.
Gene Kelly, aos 73 anos, atuou como produtor executivo e uma espécie de mestre de cerimônias: abre e encerra o filme, falando dos primeiros tempos da dança no cinema e da imensa contribuição que o coreógrafo, ator e diretor Busby Berkeley (1895-1976) trouxe a Hollywood, com suas formas geométricas na dança e angulação original para filmagens. Ao final, com sequências de "Os Embalos de Sábado a Noite", "Fama", "Flashdance" - nas imagens de John Travolta, Jennifer Beals e um videoclip de Michael Jackson ("Beat It ") "Quando Hollywood Dança " encerra mostrando a substituição da harmonia sonora dos tempos de ouro para a música elétrica - mas nem por isto menos curtível em termos de dança - dos filmes dos anos 80.
Para apresentar os outros blocos temáticos, quatro convidados especiais: Sammy Davis Jr. ("Os Grandes Estilístas"), Mikhail Baryshnikov ("O Mundo do Ballet"), Ray Bolger ("Os Anos de Ouro") e Liza Minelli ("O Melhor da Broadway").
Ray Bolger, que em 1939 interpretava o Espantalho em "O Mágico de Oz", merece uma dupla referência: rememorando os nomes mais famosos da MGM nos anos 40/50 e, numa sequência inédita de "O Mágico de Oz" (The Wizard of Oz, 1939), ao lado de Judy Garland.
"Quando Hollywood Dança´é um filme fascinante para quem aprecia o cinema em sua forma mais explícita como diversão e entretenimento. Um filme-obrigatório a todos os que têm ligação com a dança - e isto, por si só já deveria garantir um grande público, mas, que, pelo visto, não está acontecendo. Azar de quem deixa de assisti-lo!
LEGENDA FOTO 1 - Roy Bolger: hoje (à esquerda) e, em 1939, em
"O Mágico de Oz": momentos mágicos da dança no cinema.
Tags:
- A Noviça Rebelde
- A Rosa
- Amor Sublime Amor
- Assim Era
- Assim Era Hollywood
- Bette Midler
- Busby Berkeley
- Cine Condor
- Cine Ópera
- Claude Lelouche
- Gene Kelly
- Herbert Ross
- Jack Halley Jr
- Jennifer Beals
- John Travolta
- Judy Garland
- Julie Andrews
- Les Autres
- Les Uns
- Liza Minelli
- Luís Severiano Ribeiro
- MGM
- Michael Jackson
- Mikhail Baryshnikov
- Momento de Decisão
- O Mágico de Oz
- Os Anos de Ouro
- Os Embalos de Sábado
- Quando Hollywood Dança
- Retratos da Vida
- Robert Wise
- Sammy Davis Jr
- South Pacific
- The Wizard
- Turning Point
- Warner Brothers
- West Side Story
Enviar novo comentário