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Simões, operário das palavras e da poesia

Poeta Maior não finge quando escreve (e quando e onde). Ele é apenas esfinge que não pergunta - responde. João Manoel Simões é um dos raros paranaenses - e um dos poucos brasileiros - que conseguiu alcançar uma posição especial: deixar o trabalho para viver/ para viver para as palavras. Foram muitos anos de sacrifício, em que teve de fazer sensibilidade de poeta e intelectual conviver com uma das mais impessoais organizações empresariais, na qual chegou a altos cargos executivos. Poderia ser um dos diretores mais bem remunerados de empresa, pois competência nunca lhe faltou. Entretanto, o que valeria ficar na frieza de uma função empresarial se a sua formação e espiritualidade sempre o levaram a vida intelectual? A opção valeu. Hoje, com mais de 30 títulos publicados, Simões é um poeta e ensaísta de trânsito nacional. Constrói seus livros com a mesma organização com que marcava seu trabalho de executivo, mas neles coloca sua sensibilidade, sua visão de intelectual, de humanista - de homem de seu tempo. Seus livros não nascem espontaneamente. São horas de trabalho. Refletem um poeta em construção, um garimpeiro exigente pelo ouro das palavras certas, um arquiteto capaz de construir as frases, os versos, as passagens - como uma catedral - e com a segurança do engenheiro que faz uma ponte ou um edifício. Palavras elogiosas da crítica nacional, editado por casas publicadoras de conceito nacional, fazem com que João Manuel não precise mais ficar em edições autopatrocinadas (ou buscando subvenções oficiais, como fazem tantos candidatos e poetas), mas, isto sim, tendo o seu lugar assegurado entre os escritores do Paraná que merecem ser vistos com maior respeito. Uma prova de que o conceito de Simões não fica no âmbito da poesia municipal é a escolha de seu "Poemas de um Heterônimo Crí(p)tico" para inaugurar a "Coleção Pessoana/ Série Poesia" do Centro de Estudos Americanos Fernando Pessoa, de São Paulo (editora Grafikor, 65 páginas). Entre tantas obras que o centenário de nascimento de Fernando (Antonio Nogueira) Pessoas (1888-1935) tem provocado - e tantos ensaios e estudos, inclusive em termos locais (aos quais Almanaque, vem dando a mais generosa cobertura), "Poemas de um Herônimo Crí(p)tico" é um trabalho poético que vai a fundo na homenagem a obra do poeta português, através de seus heterônimos - Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro - e nos quais Simões, desde seus tempos de infância, ainda em Lisboa (veio para Curitiba quase adolescente e hoje considera-se paranaense) sempre soube estudar e sentir. Assim, as poesias que marcam este pequeno (grande) livro são fruto de muitas décadas de uma identificação a obra de um dos maiores poetas do mundo, num trabalho em que não há apenas a inspiração, mas (e principalmente a transpiração do intelectual e escritor. Cabe (rá) aos ensaístas e críticos de maior fôlego - e não apenas em resenhas rápidas - apreciação longa deste obra, assim como o professor e crítico Helio de Freitas Puglielli soube fazer a respeito de outros livros de Simões - publicada em "Nicolau" (abril/88), e parte do qual é transcrito na "orelha" do livro. A poesia de Simões, trazida nesta homenagem a Pessoa, é vigorosa, sem perder, entretanto, a leveza das palavras: O sentido que mostra/ não me mostra o que é. Escondida na ostra, há pérola, a fé. Com humor, Simões foge das rimas e dá também seu recado em textos, como no "Capítulo breve das ficções do interlúdio" (página 27): Depois de muita discussão, os três sócios Da conhecida empresa de poesia Campos, Reis & Caeiro, decidiram vender o controle acionário não a uma multinacional qualquer mas simplesmente ao capitalista Fernando (Nogueira) Pessoa, correspondente estrangeiro e heterônimo recém-chegado (ortonimamente) da África do Sul, fugitivo talvez do apartheid. Muitos, muitos livros em torno de Fernando Pessoa, sua vida, sua obras, já apareceram e outras saírão ainda neste ano. "Poemas de um Heterônimo Crí(p)tico" já teve registros - e merece outros. Para orgulho nosso, João Manuel Simões, hoje um Bicho do Paraná, soube fazer esta sua homenagem ao autor de "Poema em Linha Reta". LEGENDA FOTO - Simões: homenagem a Pessoa.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
31/07/1988

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