E também se foi Paquito, último gerador de sonhos
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 03 de fevereiro de 1992
Com a morte do estimado Paquito - Francisco Morilha, às 5h30 do último dia 30, quinta-feira, desapareceu a última testemunha da primeira fase dos cinemas de Curitiba. Aos 89 anos - que havia completado em 2 de dezembro último, o mais idoso membro da comunidade cinematográfica do Paraná era, até há poucos anos, uma das memórias vivas da época do Smart-Cinema - uma das primeiras referências de exibições no Paraná - bem como de salas como o Theatro Elegante - que foi anterior ao Odeon, o primeiro América - que funcionava no espaço em que hoje existe a sede do Banco do Brasil (*), o Parisiense, o cine Floriano - este já apresentado como "o Theatro Popular do Bairro Floriano Peixoto", conforme anúncio de uma página que Zanicotti & Cia; principal "Empresa Theatral de Variedades" mandou publicar na edição de 30 de janeiro de 1926 da revista "Para Todos", que trazia trechos de uma entrevista do então galã Rodolfo Valentino (1895-1926) falando sobre "as desvantagens de ser ator de cinema", que, curiosamente era ilustrada com uma foto de outro "ídolo" da época, o cão Rin-Tin-Tin.
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Graças à sensibilidade de Valêncio Xavier, quando diretor do Museu da Imagem e do Som , duas estagiárias fizeram uma entrevista com o velho Paquito, com uma inestimável ajuda de Zito Alves, 64 anos, 51 de cinema, que sempre foi um de seus maiores amigos. Embora já com a memória tendo grandes brancos, Morilha falou de sua família - os pais Francisco e Maria de Castro, espanhóis de Malaga, sua chegada ao Brasil ainda criança e dos primeiros serviços que teve, começando com o pais, com uma quitanda na Marechal Floriano esquina com a Silva Jardim. Depois, por 12 anos, foi operário da Cerâmica Trevisan, mas à noite já começava a mostrar seu amor pelo cinema.
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Inicialmente no Mignon, passando depois para o Elegante - precursor do Odeon e, quando o luxuoso Cine-Theatro Avenida foi inaugurado, em 1º de maio de 1929, pelo comerciante Félix Mehry (1879-1946), Paquito já estava na nova sala, ali permanecendo até 1947 quando a Empresa Cinematográfica Sul, do paulista Paulo Sá Pinto assumiu a rede de exibição que havia tido J. Muzillo e posteriormente Mattos Azeredo como primeiros donos.
Com seu irmão, Antônio - outro pioneiro a cinematografia curitibana, passou para o Cine Curitiba, na Rua Voluntários da Pátria - tema para todo um capítulo na pesquisa ainda a espera de conclusão sobre os cinemas e teatros do Paraná. Posteriormente, Paquito trabalharia na ORCOPA, gerenciando por muitos anos o cine Arlequim - uma casa sofisticada, com projeto do arquiteto Fernando Carneiro, inaugurada em 1956 com o filme "Sem Barreiras no Espaço" (The Sounder Barrier, 52) do inglês David Lean (1908-1991). Nos últimos anos em que trabalhou - (ele se aposentaria na década de 70). Paquito foi auxiliar de Ismael Macedo, fundador da ORCOPA - a maior rede de exibição do Paraná nos anos 50 - junto ao sindicato dos exibidores, que Macedo fundou e presidiu por mais de 20 anos.
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Zito Alves, que há anos trabalha num livro de memórias cinematográficas, recolheu deliciosas estórias de Paquito, inclusive do incêndio na cabine do cine Avenida, quando ali estreou "E o Vento Levou". Graças a coragem e Paquito, o incêndio foi dominado, mas ficaram cicatrizes daquela trágica noite (**). Há dois anos, quando da estréia de "Cinema Paradiso", de Giuseppe Tornatore, por nossa iniciativa - e com ajuda de Zito e da Vitória Cinematográfica - houve uma exibição especial do premiado filme de Giuseppe Tornatore no cine Bristol, numa manhã, reunindo velhos operadores - quando, Paquito, que há 10 anos não saía de casa para assistir a um filme, ali compareceu. Embora alquebrado pela idade, já doente, sua presença foi emocionante. Foi cercado por outros projetistas, falou de seus tempos e se enterneceu com o filme sobre um velho operador de um cinema do Interior e a paixão e um jovem pelo cinema no melhor filme de 1990, premiado inclusive com o Oscar de melhor produção estrangeira.
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Casado em primeiras núpcias com a Sra. Lisa Bassani e depois com a Sra. Lucia Bindo, teve 2 filhas, Norma, Helia e Armando (já falecido), 8 netos e 5 bisnetos. De sua família, os irmãos Antônio e Luís já faleceram, mas as irmãs Anita e Encarnacion estão vivas.
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Além da fita com o depoimento que Paquito registrou para as estagiárias Ana Cristina Pereira e Cláudia Becker do Museu da Imagem e do Som do Paraná, em 19 de maio de 89 - com Zito Alves, o veterano homem de nossa cinematografia, diretor da Paranacine (unia empresa especializada em assistência técnica às salas de exibição), há também o registro que fizemos da homenagem a Paquito na manhã de 7/3/90 no cine Bristol. Com imagens em vídeo feitas por Tiomkim (Osval Dias de Siqueira Filho), 36 anos, coordenador de vídeo e cinema do MIS-PR, embora sem pretensões de um documentário formal, permanecem para a história do entretenimento em nossa cidade o velhinho simpático, de boné branco, que, ao longo de mais de 60 anos, projetou imagens mágicas nas telas iluminadas conduzindo sonhos de várias gerações.
Notas
(*) "América" seria, anos depois, o nome que o pioneiro João Baptista Groff escolheu para o cinema que instalou na Rua Voluntários da Pátria, vizinho ao cine Curitiba.
(**) O pesquisador e colecionador de filmes, Estevão Rainer Von Harbach, 42 anos, dono da Hollywood Information Service, tinha, nos anos 60, o projeto de fazer um documentário sobre a decadência ao cine Avenida - na época já com a programação de filmes de sexo e violência - em que o ator-narrador seria Paquito Morilha. Infelizmente, como tantos outros projetos de documentação, este também não passou de uma boa idéia. Nem o cinema, nem Paquito existem mais!
LEGENDA FOTO - Paquito Morilha, o mais idoso dos operadores de cinemas do Paraná, falecido no último dia 30, há 2 anos, quando era filmado por Tiomkim para um registro histórico.
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