Terra e índios, a presença do real na festa da ilusão
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 04 de novembro de 1988
Terra & índio. Uma temática que tem caracterizado a inquietação de uma nova geração de cineastas, revelada em curtas e médias metragens - infelizmente ainda restritos ao circuito dos festivais e espaços especiais. Cada vez mais o que se poderia chamar de Cinema do Real - com documentários voltando o olhar para problemas sociais caracteriza (e valoriza) o trabalho de realizadores. Após os belos trabalhos levados à XVII Jornada de Cinema da Bahia (8 a 14 de setembro), tradicionalmente voltada ao documental do real - repetiu-se em Brasília uma vigorosa presença dos cineastas preocupados em discutir questões sociais ou, no mínimo, documentar aspectos do Brasil - em vários campos.
No ano passado, "Terra Para Rose", de Tetê de Moraes, sobre os sem-terras no Rio Grande do Sul, foi o grande vencedor - obtendo 6 prêmios, os quais, acrescidos do Grande Coral, em Havana, viabilizaram sua ampliação para 35 milímetros - agora com o lançamento no cricuito comercial (a partir do dia 2, no cine Brasília; lançamento em Curitiba a ser acertado possivelmente no Ritz, em fevereiro/88). Este ano, a questão da terra esteve presente também em vários filmes levados ao Festival de Brasília. "Uma Questão de Terra", de Manfredo Caldas, sobre os conflitos da terra na Paraíba, valeu 9 Candangos: filme, direção, roteiro e música original (Marcus Vinícius). Outra visão do problema - "Bandeiras Verdes", do maranhense Murilo Santos (sobre uma família que parte em busca de novas terras) também valeu prêmios - direção e trilha sonora original (Joaquim Santos). Joatam Vilela Barbel, paranaense de Londrina, em "Os Donos da Terra", 26 minutos, documentou a impossibilidade de realização da Reforma Agrária no Brasil fazendo um retrospecto da questão, a luta dos sem-terras e focalizando também depoimentos que vão desde Ronaldo Caiado (UDR) ao ministro Jader Barbalho. Das filmagens feitas em Brasília, Joatan aproveitou e fez um irônico curta, 8 minutos, sobre o movimento na copa do anexo 2 da Câmara, onde são preparados 10 quilos de café por dia, "para as visitas...". Este curta, "Café Soçaite", foi definido pelo próprio Joatan, como "uma brincadeira...".
Paola Gaitán, uma loira etérea, poeta venezuelana, última mulher de Glauber Rocha (1939-1981), passou 60 dias no xingu para documentar o ritual do Quarup dos índios Kamalurãs. O resultado é um belíssimo filme de 80 minutos, que valeu premiações ao fotógrafo Johnny Howard, a montadora Aida Marques, ao som de Carlos Alberto Camuyrano (gravado em som direto, "Uaká" é falado em idioma Kamairã e na cópia exibida não havia legendas), além de um prêmio especial do júri. A mais nervosa das concorrentes, Paola ficou em êxtase: com o dinheiro dos prêmios poderá fazer mais uma cópia do filme, levando-o também a Havana - já que as outras duas cópias serão mostradas em festivais na Itália (Florença) e França (Amien) nas próximas semanas.
Além da presença dos índios no premiado "O Mundo Perdido de Kozak", questão indígena também está em "Kiriri - O Povo Calado", do baiano Rubens Rocha, documentando o clima tenso em que vive esta tribo no município de Ribeira do Pombal na Bahia.
Documentando a economia invisível, o jogo, a sonegação e a evasão fiscal, Hilton Kauffmann conseguiu com "Dinheiro Invisível" os prêmios de melhor filme, roteiro (Angela Marcelani) e montagem (Aida Marques). Outro filme de profundidade social - PSW - Uma Crônica Subversiva", sobre o Desaparecimento do deputado catarinense Paulo Stuart Wright, premiado já em Gramado e Salvador, valeu agora um prêmio especial ao ator Antonio Fagundes. "Cajueiro - Um Quilombo na Era Espacial", no qual Lise Torok mostra as contradições entre Alcântara, cidade tombada pelo Patrimônio Histórico no Maranhão, e uma moderníssima base aero-espacial no seu lado, deu o Candango de melhor trilha sonora para José Loureiro.
LEGENDA FOTO - Um documentário emocionante: "Uma questão de terras", melhor longa, categoria 16mm, no Festival de Brasília.
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